0No dia 26 de março, terça-feira, aconteceu a segunda edição do Fórum da Educação Superior ABC/SBPC, com o tema “História da Educação e do Ensino Superior”. Organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o evento contou com os professores Luciano Mendes de Faria Filho, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Mozart Neves Ramos, da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.

Teses sobre o Ensino Superior Brasileiro

O professor Luciano Mendes, que participa dos projetos Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822/2022 e Portal do Bicentenário, iniciativas de pesquisa em rede sobre educação, levantou algumas reflexões. A primeira é que ainda conhecemos pouco sobre as práticas de sala de aula no ensino superior. “Temos muita pesquisa sobre as políticas públicas mas sabemos muito pouco sobre o que ocorre em sala de aula. As práticas tendem a ser particulares de cada professor, e se perdem quando estes se aposentam”, analisou.

Outra marca fundamental é a desigualdade. O ensino superior público é preso aos modelos das universidades e institutos federais, que cada vez são menos capazes de responder à demanda por vagas. Resulta disso a expansão exponencial do ensino privado, com a ajuda de subsídios públicos. “Temos apenas 23% dos alunos matriculados em instituições públicas. Quanto mais pobre uma pessoa, mais direcionada ela é para o ensino superior privado. Precisamos encontrar um novo modelo de expansão do ensino superior, pois o atual é insustentável”.

As atuais universidades públicas são filhas da reforma universitária de 1968, muito inspirada na experiência americana e na interface ensino-pesquisa. Para Luciano, entretanto, enquanto nas universidades estrangeiras a prática científica já estava consolidada quando se proliferou o modelo da pós-graduação stricto sensu, no Brasil ambos nasceram juntos, e continuam ligados umbilicalmente. “Na pesquisa, precisamos ir além da pós graduação. O modelo atual desencoraja o risco, e, muitas vezes, é no erro que está a descoberta. Que aluno vai escolher uma pesquisa disruptiva se, ao final dos quatro anos, ele tiver que devolver o dinheiro caso não tenha uma tese?”, refletiu.

Mozart Neves, ex-reitor da UFPE eprofessor da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP; e Luciano Mendes, professor da Faculdade de Educação da UFMG

Tudo começa na educação básica

A crise universitária brasileira não se resolve sem antes resolver a educação básica. Essa foi a frase com que o ex-secretário de Educação de Pernambuco e ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mozart Neves Ramos, abriu sua participação. Ele lembrou que menos da metade dos formandos no ensino médio atingem as médias mínimas esperadas em matemática, de acordo com o padrão dos países desenvolvidos.

Esse déficit educacional atinge em cheio o ensino superior, drenando recursos fundamentais. As taxas de desistência nas faculdades, públicas e privadas, estão na casa dos 60%. “Isso representa um desperdício de R$ 20 bilhões todos os anos”, quantificou Mozart.

Reverter esse cenário passa, necessariamente, por valorizar o trabalho do professor. Hoje, a licenciatura é o caminho escolhido por 20% dos alunos do ensino superior. O professor da educação básica é, de longe, a categoria profissional que a universidade mais forma. Mesmo assim, salários baixos e a falta de um plano de carreira tornam a profissão muito pouco atrativa, e muitos enxergam a licenciatura apenas como uma etapa intermediária antes da pós-graduação. “Para se ter uma ideia, a média da nota de ingresso em Pedagogia é a mais baixa do Enem, apenas 450 pontos. Segundo o Inep, alunos que fazem apenas 450 pontos não deveriam estar aptos a deixar o ensino médio”, exemplificou o pesquisador.

Fonte: MEC/Inep; ENEM – Gráfico elaborado pela Deed/Inep

Caminhos para o futuro

Para Mozart Ramos, o século XXI trouxe tecnologias que renderam obsoleto boa parte do modelo tradicional de educação, seja básica ou superior. O mundo hoje é interdisciplinar, algo que as universidades brasileiras tem dificuldade de compreender. Os alunos já dominam outras formas de absorção de conteúdos e o mercado de trabalho exige cada vez menos um diploma.

“Diploma hoje é ponto de partida, não de chegada, a formação deve ser contínua. Precisamos de professores que entendam esse futuro e criem novos ambientes de aula. Ainda estamos presos ao tempo da Enciclopédia Barsa”, alertou. “Hoje se eu fosse reitor faria duas coisas: uma pró-reitoria de educação básica e um observatório dos egressos, para que os alunos que estão no mercado de trabalho compartilhem suas experiências e ajudem a universidade a se modernizar”, concluiu.

Por sua vez, Luciano Mendes reforçou que é preciso investir nos professores. “As melhores experiências internacionais mostram que não tem mistério. Não se trata de inventar cada vez mais cursos e especializações. Precisamos valorizar a carreira e os salários, feito isso, as pessoas se interessam naturalmente”, afirmou.

Entretanto, o pesquisador lembrou que não existe milagre. Não é possível enxergar a educação de forma alheia à realidade socioeconômica brasileira. “Não podemos achar que vamos resolver a educação básica sem medidas claras de redistribuição de renda. Do ponto de vista da sociedade brasileira, a escola não é prioridade. Temos 33 milhões de pessoas passando fome. É impossível valorizar a educação básica nesse cenário”, concluiu.

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