Imagine-se na seguinte situação: você é um cientista e precisa importar um equipamento usando verbas já aprovadas para o seu projeto. Parece coisa simples, não é? No entanto, para fazer isso, precisará arranjar 117 documentos e ainda traduzir os que não estiverem em português. Além disso, para pagar pelo equipamento, você precisará ir presencialmente ao banco e, dependendo do preço, pode ter que repetir isso três ou quatro vezes, pois existe um limite diário de transferência. E, é claro, em meio a tudo isso você ainda precisa arranjar tempo para trabalhar – e, de preferência, fazendo pesquisas inovadoras e disruptivas.
Pode parecer absurdo, mas essas situações aconteceram com o químico Aldo Zarbin, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Zarbin está longe de ser uma exceção. Estima-se que, em média, pesquisadores brasileiros precisem gastar metade de seu tempo de trabalho com atividades burocráticas. Todo esse tempo deveria estar sendo dedicado à pesquisa.
Para discutir essa freio à ciência nacional, a 76ª Reunião Nacional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência organizou uma mesa-redonda com Aldo Zarbin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fernando Peregrino, chefe de gabinete da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Jorge Audy, superintendente de Inovação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A mesa foi idealizada e seria coordenada pela presidente da ABC, que não pôde ir por questões pessoais. Ocupou seu lugar o também Acadêmico Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC.
O excesso de burocracia afasta o setor privado
Por ser um problema tão comum, a mesa-redonda logo se tornou uma grande reunião de apoio em que cada participante contava histórias sobre as formas mais inacreditáveis com que a burocracia já atrasou suas vidas. Todos reconheceram a importância de ferramentas de controle; o problema é que, no caso do Brasil, boa parte das normas, leis e requerimentos já deixaram de fazer sentido. “O pior é que, quando fazemos essas requisições, geralmente é tudo aprovado. É muito difícil que realmente barrem algo. É só para gastar o tempo”, refletiu Jorge Audy.
Sobre a prestação de contas dos projetos, o pesquisador criticou o foco nos meios e não nos fins. “Todo o interesse das instâncias de controle é a atividade meio, o que comprou, com qual tipo de verba. Depois que o projeto acaba, se ele não deu resultado nenhum, não importa, não se cobra, ninguém fica sabendo. O foco está no lugar errado”.
Audy é superintendente de inovação da PUC-RS e está em contato contínuo com o setor privado. Para ele, explicar as amarras da pesquisa para um empresário é difícil e constrangedor. “Para empresários isso é inexplicável, ficam horrorizados. Nunca nenhuma empresa me perguntou como eu usei o dinheiro, apenas se atingi o resultado. O excesso de burocracia afasta o setor privado”.
Risco zero é mortal para a ciência
Parte da burocracia não está escrita em lei, mas se deve a normas e protocolos criados pelas próprias instituições. Ricardo Galvão, presidente do CNPq, pediu atenção para essa distinção, pois significa que muita burocracia é criada pelos próprios pesquisadores quando assumem cargos de gestão. “Sou cético quanto à mudanças radicais, acho que precisamos avaliar caso a caso e entender o que é fácil de mudar dentro das próprias instituições. Há muita diferença entre elas”, alertou.
Contudo, grande parte do problema está escrito em lei, ou melhor, se deve a interpretações excessivamente restritivas das leis existentes. Os departamentos jurídicos dos institutos obedecem a uma lógica de risco zero. “É mentira que quanto mais regulação, mais eficiência. O que temos hoje são gestores com medo. Risco zero na inovação não existe, é mortal para a ciência”.
Os debatedores defenderam o Marco Legal de CT&I, mas afirmaram que sua aplicação ainda depende de pareceres restritivos de procuradores da Advocacia Geral da União (AGU). “A própria Controladoria Geral da União (CGU) lançou um relatório recente criticando as interpretações da AGU. Isso impede que o Marco Legal seja usado como deveria”, afirmou Galvão.
O modelo ideal
O Acadêmico Aldo Zarbin trouxe um estudo recente que comparou institutos e departamentos com três ou mais prêmios Nobel. “Os autores mostraram que há muito em comum entre eles. Esses departamentos se organizam de modo que seus cientistas se concentrem somente na ciência, através de uma gestão de apoio eficaz, comunicativa e com compreensão dos processos científicos. É o completo oposto do que temos”, concluiu.
Assista à mesa-redonda: