No dia 8 de julho, uma conferência na 76ª Reunião Anual SBPC, intitulada “Ciência e Inovação: 18 meses passados e o porvir”, reuniu os presidentes das principais agências de fomento federais: Denise Pires de Carvalho, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ricardo Galvão, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Celso Pansera, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Interiorização da pós-graduação
A Acadêmica Denise Pires de Carvalho fez um panorama da interiorização da ciência brasileira. Nas últimas duas décadas, se intensificou a chegada de institutos de qualidade nas regiões mais afastadas do eixo Sul – Sudeste. Entretanto, as assimetrias persistem, e as regiões Norte e Nordeste ainda têm uma menor proporção de mestres e doutores do que a média nacional. “Por isso, o atual governo tem como política sempre destinar em torno de um terço dos recursos de seus programas para essas regiões”.
Para tanto, a presidente da Capes afirma ser crucial o trabalho conjunto das agências federais com as fundações de amparo à pesquisa estaduais (FAPs), pois elas conhecem as necessidades regionais e têm maior capilaridade no interior de cada estado. “Temos o exemplo do Programa de Incentivo à Pesquisa no Centro-Oeste, em que as FAPs apresentam propostas reunindo programas de pós-graduação de seus estados em torno de eixos prioritários definidos”, relatou Denise.
Número de pós-graduandos e inserção no setor privado
A média de mestres e doutores na população brasileira ainda é três vezes menor que a dos países desenvolvidos. Essa diferença é, ao mesmo tempo, um diagnóstico e uma causa do subdesenvolvimento do país. “Ainda há maior empregabilidade entre mestres e doutores, com maiores salários. Portanto, o ensino superior precisa ser alavancado como forma de combate à desigualdade social”, definiu a presidente da Capes
Para o também Acadêmico Ricardo Galvão, entretanto, é preciso fazer uma importante distinção quando comparamos os números de Brasil e de países ricos: a quantidade de doutores empregados no setor privado. “No MIT, nos EUA, 82% dos doutores formados vai trabalhar em empresas. Aqui a grande maioria é empregada nas universidades, que não tem como absorver todo mundo”, afirmou.
As universidades brasileiras já experimentam há algum tempo a interação público-privado. São exemplos as empresas juniores, que reúnem milhares de alunos pelo país, e os departamentos de inovação que tentam estimular a criação de startups. Entretanto, a percepção da comunidade científica é de que o interesse do setor privado no conhecimento produzido nacionalmente ainda deixa a desejar. Pensando nisso, o CNPq e a Capes desenvolveram conjuntamente um novo edital do Programa de Mestrado e Doutorado Acadêmico para a Inovação (MAI/DAI), que investiu R$ 60 milhões para que pós-graduandos desenvolvessem seus projetos em orientação conjunta entre universidade e empresa.
Demora para Chamada Universal ilustra falta de orçamento
Uma das maiores preocupações expressas pela plateia foi com a falta de uma Chamada Universal do CNPq em 2024. A chamada é a mais básica forma de fomento da ciência brasileira, conforme disse o próprio presidente da entidade, mas sua realização está travada até entrarem mais recursos. Na edição anterior, em 2023, das 10 mil propostas, pouco mais de 2.700 foram atendidas, mostrando uma demanda represada.
“Estamos estudando uma nova chamada universal ainda este ano que entraria em efeito no ano que vem. Estamos discutindo, inclusive, tirar um pouco de recursos das bolsas para colocar na Chamada Universal. Mas para isso é preciso que o recurso esteja previsto na Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). Peço que as entidades científicas se unam por um aumento nos recursos para fomento do CNPq na PLOA. O atual simplesmente não dá conta”, disse Galvão.
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT)
Outra preocupação recorrente da comunidade científica é sobre a continuidade do programa dos INCTs, grandes redes de pesquisa temáticas que alavancam diversas áreas de pesquisa no Brasil inteiro. Segundo Galvão, nunca se cogitou acabar com o programa, mas também nunca se propôs que os atuais INCT fossem eternos. “Os INCT de 2014 terminam esse ano, seu prazo já havia sido prorrogado devido à pandemia. Então, lançaremos uma nova chamada que permitirá reaplicação, mas todos competirão igualmente. Não haverá privilégio para INCTs existentes.”, afirmou o presidente do CNPq.
Programa de Repatriação de Talentos
Lançado em abril deste ano, o Programa Conhecimento Brasil para a repatriação de cientistas brasileiros no exterior causou polêmica. A ideia é investir R$1 bi para atrair esses pesquisadores com bolsas de quatro anos, que equivalem ao salário de um professor adjunto numa universidade federal. Apesar do investimento, o programa foi percebido por parte da comunidade como uma desvalorização do pesquisador que permaneceu no Brasil.
“Não é verdade que todos os pesquisadores brasileiros no exterior estão em ótimas posições e não querem voltar. Muitos dizem que querem retornar, mas não tem posição. Alguns estão muito bem, mas podem contribuir de lá formando redes de pesquisa com quem está aqui”, respondeu Galvão.
O renascimento do FNDCT
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi um alvo constante de contingenciamentos entre 2016 e 2021. Isso mudou com a aprovação da Lei Complementar 177, de 2021, que proibiu seu contingenciamento e estabeleceu novas bases para o seu uso. Com a chegada do novo governo, foi definido que o fundo voltaria à sua missão original de financiar projetos estratégicos, ao invés de ser usado como “tapa buraco” para gastos correntes das agências, como vinha ocorrendo.
A Finep é a agência responsável por executar o FNDCT, e seu presidente Celso Pansera trouxe boas notícias. Segundo ele, os recursos reembolsáveis, oferecidos na forma de empréstimo, voltaram a ser atrativos e já superaram, em um ano e meio, o valor que havia sido emprestado nos últimos quatro anos. Uma consequência disso é que o FNDCT está crescendo e se auto sustentando. “Com isso, podemos começar a pensar em editais de longo prazo, com mais dinheiro, para que as instituições não precisem pleitear todos os anos”, afirmou Pansera, otimista.