Para abrir as sessões do segundo dia do 5° Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5o ENMA), as pesquisadoras Ana Chies (astrofísica, UFRGS), Jaqueline Mesquita (matemática, UnB) e Raquel Minardi (ciência da computação, UFMG) apresentaram o projeto elaborado por membros afiliados da academia para traçar o perfil do jovem cientista brasileiro.

Perfil do cientista brasileiro em início e meio de carreira

Idealizado em 2020 durante o I Workshop Online dos Membros Afiliados ABC, o projeto “Perfil do cientista brasileiro em início e meio de carreira” visou preencher uma lacuna de informação sobre a situação dos jovens pesquisadores brasileiros. Uma das dificuldades de desenvolver políticas públicas para o setor é a falta de dados, então o objetivo foi traçar o perfil de cientistas com, no máximo, 15 anos de doutorado completos até 2021.

A iniciativa contou com o trabalho voluntário de 74 afiliados, que se dividiram em sete eixos principais: financiamento, bolsas de produtividade, divulgação cientifica, diáspora científica, internacionalização, liderança científica e diversidade. Os temas orientaram reuniões periódicas de grupos de trabalho que definiram perguntas para um survey online.

Com a colaboração do especialista em pesquisas de opinião Alessandro Freire, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), as perguntas foram elaboradas com base nos temas levantados durante os debates dos grupos de trabalho e passaram pelo crivo do comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por abordar temas sensíveis, foi decidido que as respostas seriam anônimas, permitindo relevar detalhes inéditos sobre a vida dos jovens cientistas brasileiros.

A divulgação foi feita pela internet, através do site oficial e redes sociais da ABC, e também contou com a colaboração de assessorias de comunicação de universidades e programas de pós-graduação. O projeto contou também com a colaboração do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para alcançar  os cientistas brasileiros que saíram do país. O questionário foi aplicado entre 1º de julho de e 15 de agosto de 2022 e contou com 4.115 respostas válidas. Os dados coletados foram analisados e disponibilizados em relatórios.

As afiliadas Ana Chies, Raquel Minardi e Jaqueline Mesquita durante a apresentação do survey

Resultados e debate

Os resultados obtidos no survey desenham um cenário parecido com o Censo do CNPq de 2016. A ciência brasileira segue predominantemente branca e concentrada no Sudeste e Rio Grande do Sul, ainda muito homogênea considerando o tamanho e diversidade do país.

A pesquisa teve uma abordagem focada na experiência profissional dos cientistas. A maior dificuldade, para 74%, está na hora de conseguir financiamento. Outra situação preocupante aparece quando 46% dos pesquisadores considera não valer a pena seguir a carreira e 36% diz não se sentir motivado para trabalhar.

Uma reclamação difundida entre pesquisadores em início e meio de carreira, e que foi muito debatida entre os afiliados, é a dificuldade de conseguir as bolsas de produtividade do CNPq. A categoria criada para valorizar cientistas que se destacam na geração de conhecimento é vista como fundamental, tanto pelos recursos quanto pelo valor simbólico associado na hora de disputar fomento e conseguir colaborações. Entretanto, menos de 10% dos participantes estão no nível PQ2, o nível inicial das bolsas, e menos de 2% atingiram o nível PQ1, o mais alto.

Para os afiliados presentes, além da pouca renovação nas bolsas de produtividade, existe um vício nos editais de financiamento que privilegiam excessivamente a categoria sênior. “Chegamos ao ponto de, para muitas chamadas, buscarmos incluir esses cientistas apenas para ter chance de competir, mesmo sem grande participação no projeto”, confessou um Acadêmico.

A falta de estratificação nos editais foi considerado um dos problemas geradores dessa situação. “Cientistas com dez anos de doutoramento estão competindo pelos mesmos grants que pesquisadores renomados com mais de 40 anos de doutorado”, criticou o sociólogo Amurabi de Oliveira, professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Outra questão abordada pelo survey foi a liderança científica. A maior parte dos jovens pesquisadores acredita que o principal para se tornar uma liderança na área é ter reconhecida produção acadêmica, mas, ao mesmo tempo, também acredita que atividades de gestão e coordenação prejudicam a produção. Essa contradição é acentuada por uma percepção de que não há muito espaço para os jovens nessas posições, como nos comitês de assessoramento do CNPq.

Durante a discussão, os afiliados sugeriram que algumas posições nos comitês fossem reservadas a cientistas em começo e fim de carreira, caso contrário as demandas do grupo ficam represadas e demoram a ser contempladas.

Em um dos dados mais impactantes levantados pelo survey, 49% dos homens e 67% das mulheres afirmaram já ter sofrido assédio moral; e 12% dos homens e 47% das mulheres afirmaram já ter sofrido assédio sexual. No caso deste último, 99% dos assediadores eram homens.

Um relatório final com a íntegra dos resultados do survey será publicado nos próximos dias.

Afiliados presentes no 5º ENMA elencam os pontos que chamaram mais atenção nos resultados do survey

Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Evento na USP reuniu a categoria de jovens cientistas da Academia. Primeira sessão tratou da profunda integração entre o desafio climático e a preservação da biodiversidade.

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.

Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.