Em 30 de agosto, teve início o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5o ENMA), no Centro de Difusão Internacional da Universidade de São Paulo (CDI/USP). Os afiliados da ABC representam uma geração mais jovem de professores e pesquisadores eleitos anualmente por regiões do país e o objetivo dos encontros nacionais é integrá-los às atividades da Academia, assim como em torno das grandes questões científicas nacionais, inclusive as políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação.
O vice-presidente da ABC para a Região São Paulo, Glaucius Oliva, coordenou a organização do evento, junto com os afiliaods foi coordenado pelo vice-presidente da ABC para a região SP, Glaucius Oliva (USP), e contou com o apoio do Acadêmico Marcio de Castro Silva Filho, diretor-científico da Fapesp. O Comitê Organizador foi composto por Denise Brentan da Silva (UFMS), Denise Morais Fonseca (USP), Jaqueline Mesquita (UnB), José Rafael Bordin (UFPel), Juliana Hipólito de Sousa (Inpa), Nara Quintão (Univali), Pedro Peixoto (USP), Taissa Rodrigues (Ufes) e Thaiane Moreira de Oliveira (UFF), com o apoio dos funcionários da ABC Elisa Oswaldo-Cruz Marinho, gerente de Comunicação; Gabriella Mello, secretária-executiva de Programas Nacionais; e Fernando Verissimo, gerente administrativo.
Oliva abriu o evento lembrando que na fase da carreira em que os afiliados se encontram há uma tendência à reclusão nos próprios laboratórios e linhas de pesquisa e, portanto, expandir esses horizontes é crucial. Em seguida, a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, lembrou que a criação de uma categoria para jovens cientistas foi uma inovação do ex-presidente Jacob Palis, que logo se difundiu por outras academias nacionais. “Agradeço efusivamente à todos os afiliados presentes, vocês fazem a ABC”, declarou.
Sessão 1 – Preservação Ambiental e Soberania Nacional: como as mudanças climáticas afetam a biodiversidade?
A primeira sessão do 5º ENMA focou em questões ambientais referentes a dois desafios-irmãos: as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. O debate foi precedido de quatro exposições por Acadêmicos, onde cada um teve a oportunidade de deixar uma pergunta no ar para nortear as discussões. Confira como foi:
Felipe Ricachenevsky: Como podemos integrar produtividade agrícola à sustentabilidade?
Estimativas sobre o crescimento populacional do planeta estimam que seremos 9 bilhões de pessoas até 2050. Alimentar toda essa população em um contexto de mudanças climáticas não é tarefa fácil e as soluções inevitavelmente passam por inovações na agricultura. O biólogo Felipe Klein Ricachenevsky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), eleito afiliado da ABC de 2021 a 2025, focou sua apresentação no arroz, um dos grãos mais difundidos do planeta.
O arroz que comemos hoje não é uma planta que exista na natureza, tendo sido domesticada há milhares de anos. Mais recentemente, a diversidade do gênero Oryza e seu fácil manuseio tornou a planta um modelo para estudos genéticos, o que facilita os esforços de biofortificação. Exemplo disse é o Golden Rice. “É um caso de sucesso do ponto de vista biotecnológico, um tipo de arroz enriquecido com vitamina A. Queremos fazer o mesmo para o ferro e para o zinco”, afirmou.
Esses dois nutrientes estão entre os maiores déficits alimentares no mundo. No Brasil, estima-se que uma a cada três crianças estão deficientes em ferro, e a ausência de zinco na primeira infância é um problema global. “Em nosso laboratório, já conseguimos gerar plantas modificadas por Crispr com um aumento significativo de ferro. Precisamos mostrar que é possível”, disse.
As mudanças climáticas também influenciam no valor nutricional dos alimentos. Estimativas indicam que o arroz cultivado pode perder até 10% nas concentrações de ferro e zinco, além dos efeitos óbvios que eventos climáticos extremos têm nas colheitas. Enfrentar esse problema passa por compreender os mecanismos biológicos das plantas, identificando alvos genéticos e mutações benéficas. “Nossa agricultura precisa ser produtiva, nutritiva e, ao mesmo tempo, sustentável. É um desafio cujas soluções estão na biodiversidade, só precisamos encontrá-las”, finalizou.
Juliana Hipólito: Por que, mesmo entendendo a correlação clara entre preservação e produtividade, não conseguimos priorizar a agricultura sustentável?
Um processo ecológico que está cada vez mais ameaçado pela perda de biodiversidade é a polinização. Cerca de 75% das espécies cultivadas hoje em dia dependem em algum grau de animais polinizadores, dependência estimada entre 235 a 577 bilhoes de dólares anualmente. “Esse valor é associado apenas à agricultura. Se considerarmos o papel dos polinizadores na conservação de vegetação nativa esses números seriam ainda maiores, até inestimáveis monetariamente”, disse a ecóloga Juliana Hipólito de Sousa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Políticas públicas voltadas à preservação de polinizadores aida estão espalhadas de forma desigual pelo Brasil e a maior parte carece de sólido embasamento científico. “Não temos, verdadeiramente, nenhuma legislação racional para conservação e uso sustentável dos polinizadores”, alertou Hipólito.
Esse cenário revela uma contradição fundamental na agricultura intensiva brasileira, cujas práticas afetam serviços ecossistêmicos indispensáveis para a própria manutenção da atividade no longo prazo. “A heterogeneidade de áreas naturais é fundamental para manter a diversidade de polinizadores, mas conservar esses espaços próximos ao agro está cada vez mais difícil”, disse.
Com as mudanças climáticas, ocorrem alterações importantes no comportamento e tamanho populacional de animais polinizadores, o que agrava o problema. As abelhas são o exemplo mais famoso, mas o risco existe para diversas outras espécies. “Produção agrícola em detrimento da biodiversidade é um caminho rápido para o colapso, tanto do meio ambiente quanto de nossa própria sociedade”, apontou a afiliada da ABC eleita para o período de 2021 a 2025.
Marcelo Trovó: Seremos capazes de integrar conhecimento científico às necessidades econômicas e sociopolíticas?
As mudanças climáticas são responsáveis por alterações na distribuição geográficas das populações vegetais. Modelar essas alterações com base nos diferentes cenários climáticos e pelas mudanças no uso da terra pode nos permitir um vislumbre do futuro, de modo a compreender quais plantas e habitats estão mais ameaçados. “Nosso foco precisa ser justamente nos organismos com distribuição geográfica restritas”, alertou o botânico Marcelo Trovó de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro afiliado eleito para o período de 2022 a 2026.
Esse monitoramento permite a constante atualização da lista de espécies ameaçadas do Brasil, inclusive de forma preventiva. O modelo de conservação do Brasil, em parques fechados, isola a biodiversidade, criando barreiras geográficas que não permitem que as diferentes populações se encontrem. Uma possível solução são os corredores ecológicos. “As áreas prioritárias para restauração hoje em dia devem ser justamente as que promovem conectividade entre esses espaços”, explicou Trovó.
Projetos de restauração em larga escala são cada vez mais necessários, tanto para manter biodiversidade, quanto para mitigar as mudanças climáticas. Para isso, existem várias estratégias que devem ser estudadas e planejadas com um olhar cuidadoso para o fator local. O Acadêmico avalia que a quantidade de projetos que dão errado se deve a planejamento errado, à escolha de espécies erradas e a aplicação de técnicas de plantio erradas..
Como criar essas novas áreas de preservação em regiões que hoje estão tomadas pela agropecuária é um desafio que vai muito além da ciência. Trovó apotou que é preciso criar incentivos econômicos que integrem as populações rurais ao esforço, produzindo uma nova consciência social que leve essa urgência aos tomadores de decisão. “É, portanto, um problema fundamentalmente político.”
Paulo Artaxo: Como reestabelecer a conexao vital entre humanos e o resto do mundo que nos sustenta?
As questões climáticas e de biodiversidade são inseparáveis. Essa é uma das conclusões da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e serviu de ponto de partida para a apresentação do climatologista Paulo Artaxo, membro titular da ABC. O papel central do Brasil nesses dois temas é de fácil explicação: num único hectare da floresta Amazônica são encontradas mais espécies do que em toda a Europa. Mas os efeitos destrutivos das alterações no clima já estão sendo sentidos.
“Estamos caminhando para um planeta 3°C mais quente e já é impossível limitar a 1,5°C”, afirmou Artaxo. Mas esse aumento não é uniforme: no Ártico, por exemplo, o aumento chega a quase 7°C e as consequências tendem a ser drásticas. Outra consequência é alteração nos padrões de chuva, e a região central do Brasil tende a se tornar mais seca. “Esse Brasil ‘potência agrícola’ pode simplesmente não ser mais viável”, alertou Artaxo.
Os principais vetores de destruição estão interligados e precisam ser pensados juntos na hora de buscarmos soluções e adaptações. Modelos mostram que as maiores perdas de biodiversidade se darão justamente nas regiões tropicais, logo, o Brasil é um dos países que têm mais a perder. “O risco de extinção pode chegar a 30% das espécies que temos atualmente”, disse.
Mas se os problemas estão interligados, as soluções também estão. Manter a biodiversidade, sobretudo na Amazônia, mas também nos outros biomas, é uma forma de sequestrar carbono, evitando que toda essa matéria orgânica seja mandada para a atmosfera. “O valor econômico desses serviços ecossistêmicos é altíssimo, muito maior do que qualquer coisa que se possa ganhar desmatando. Essa é uma decisão que precisamos tomar nesta década: qual caminho seguiremos?”, finalizou.
Debate e síntese
Após as palestras, os membros afiliados presentes se reuniram numa grande roda de conversa onde todos tiveram a oportunidade de deixar uma reflexão. O papel da comunidade científica – e a própria forma como a carreira científica se estrutura – foi tema central, assim como a tradução dos conhecimentos desta para o mundo político e a sociedade.
Os cientistas foram unânimes em lembrar que, num país pobre, é impossível exigir práticas sustentáveis que representem um custo de vida mais alto para a população. Ainda assim, construir consciência ambiental é fundamental e isso passa, inevitavelmente, por educação. O mundo acadêmico ainda dialoga pouco com a educação básica, sobretudo no suporte aos professores do segmento, preferindo se encastelar em seus departamentos conforme incentiva os tradicionais mecanismos de avaliação da carreira.
Outro aspecto do problema é a comunicação científica, que ainda engatinha no Brasil. Os pesquisadores argumentaram que esforços individuais dos próprios cientistas são, em sua maioria, de pouco impacto, e não podem ser o cerne da solução. Pelo contrário, profissionalizar os setores de comunicação das universidades e instituições para que estes possam dar o suporte necessário à comunidade acadêmica é muito mais efetivo, mas exemplos ainda são poucos no Brasil.
O financiamento à pesquisa também foi tema de debate. A predominância do fomento público na ciência brasileira muitas vezes faz parecer que essa é a única opção, o que é particularmente problemático em tempos de austeridade fiscal. O afiliado Maurício Cherubin, engenheiro agrônomo da Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) eleito afiiado para o período de 2023 a 2027, fez questão de lembrar da possibilidade de financiamento privado e de parcerias público-privadas, assim como ressaltou a importância da integração em grandes projetos e redes científicas como forma de expandir o impacto da própria pesquisa. “Oportunidades existem, mas precisamos encontrá-las”, disse.
Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:
2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais
Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.
3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro
Projeto liderado e conduzido por afiliados da ABC buscou traçar a situação e as principais questões que afetam a vida dos cientistas nacionais em início e meio de carreira.
4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil
Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.
Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento
Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.