O 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5º ENMA ABC) aconteceu entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro, no Centro de Difusão Internacional da Universidade de São Paulo (CDI/USP). A 2ª sessão da reunião seguiu na mesma linha da primeira e debateu os desafios ambientais para o século XXI.
Joana Angélica da Luz: Se não fossem as mudanças climáticas, o que estaríamos fazendo?
As mudanças climáticas são um desafio existencial, pois ameaçam a própria capacidade da espécie humana de sobreviver aos próximos séculos. Entretanto, a questão ambiental não se reduz apenas ao clima. Problemas como desmatamento, descarte de lixo e eventos extremos já existiam mesmo antes da atual compreensão sobre o imperativo climático. “Estamos preocupados com o ambiente apenas pela questão existencial, desconsiderando os efeitos prejudiciais que sempre existiram?”, indagou a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a geoquímica Joana Angélica da Luz.
Essa é uma questão mais fundamental do que parece, provocando indagações sobre o próprio papel da ciência na nossa sociedade. Afinal, apesar de a autoridade científica ter muito prestígio, a ciência não é mãe apenas de inovações positivas. A ciência criou a bomba atômica e todas as tecnologias que hoje poluem o meio ambiente.
Uma das formas de se enfrentar esse dilema é guiar nossa ciência pelo conceito de sustentabilidade. A palavra, hoje quase um lugar-comum, foi introduzida ainda nos anos 80 e descreve um desenvolvimento econômico e social que não afeta a capacidade das gerações futuras de fazerem o mesmo. “Para isso, um novo modelo econômico que reduza desigualdades precisa levar em conta uma necessária redução no consumo”, enfatizou.
Mas reduzir consumo numa sociedade que dele depende não é trivial. No âmbito individual, a conscientização da população é algo fundamental, mas ela não ocorre com a urgência que o tema exige. É preciso precificar os danos ambientais – um exemplo é o sistema de créditos de carbono –, traduzindo para termos econômicos as necessidades do planeta. Outros âmbitos importantes são o jurídico e o político. É preciso reforçar legislaçoes e controles, e convencer outros países a fazer o mesmo através de acordos multilaterais.
“Precisamos sempre nos perguntar uma coisa,: o nosso planeta comporta um cenário em que todas as pessoas tenham o padrão de consumo da classe média de países ricos?”, indagou por fim.
Patrícia Muniz de Medeiros: Que abordagens integram segurança alimentar, sustentabilidade e desenvolvimento das populações locais?
Um dos mitos mais difundidos da sociedade moderna é o da separação entre homem e natureza. A centralidade que a modernidade deu ao ser humano criou essa diferenciação falsa, que intensifica dois desafios profundamente interligados. “Problemas ambientais geram problemas sociais”, resumiu a etnobióloga Patrícia Muniz de Medeiros, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), eleita afiliada da ABC de 2021 a 2025. A etnobiologia é a ciência que estuda a relação entre os povos e a natureza.
A própria história ambiental dos biomas reflete milhares de anos de uso por parte de comunidades locais. “Estratégias de conservação são fundamentais, mas devem estar associadas à preservação cultural das comunidades locais”, enfatizou.
A partir dessa abordagem, é possível conciliar duas atividades aparentemente contraditórias: extrativismo e conservação. A ideia é incrementar sistemas alimentares com plantas alimentícias silvestres, extraídas de forma racional e de acordo com práticas tradicionais utilizadas pelas comunidades locais há gerações. “Um exemplo já famoso é o do açaí, que hoje é produzido em sistemas agroflorestais sustentáveis e consumido em todo o Brasil”.
A partir do momento em que esses produtos provém retornos economicos, é mais fácil de preservar seus ambientes de origem. As próprias populações locais se tornam mais resistentes à destruição, pois esta passa a significar a destruição de seu próprio sustento. “Essas plantas já foram durante muito tempo cruciais para a sobrevivência contra a fome, agora elas são também fundamentais para a sobrevivência ambiental”, finalizou Medeiros.
Carlos Nobre – Como Ciência e Tecnologia podem contribuir para uma nova bioeconomia para a Amazônia?
A Amazônia é um dos elementos mais críticos do sistema climático da Terra. A gigantesca evapotranspiração florestal alimenta os sistemas de chuva no Brasil central e sul, são os chamados rios voadores. Outra característica fundamental é a capacidade de sequestrar carbono, o qual, se lançado na armosfera levaria a uma elevação na termperatura do planeta ainda maior.
Mas a floresta corre perigo. Há 40 anos o climatologista Carlos Nobre alerta para o risco de “savanização” da Amazônia. “A floresta corre o risco de virar uma savana, não uma rica em biodiversidade e serviços ecossistêmicos como o Cerrado, mas uma savana pobre e degradada”, alertou.
Nobre afirmou que se o desmatamento atingir 25% da floresta e a temperatura média do planeta subir 2,5°C atingiremos o ponto de não-retorno. Para evitar esse cenário, é urgente começarmos a desenvolver um novo modelo produtivo na região em bases sustentáveis, a chamada bioeconomia da floresta em pé. “Hoje existem menos de 100 iniciativas de bioprodução de produtos florestais em toda a Amazônia, é um número ínfimo perto do potencial”, destacou.
Iniciativas como a Cooperativa Mista de Tomé-Açu (CAMTA) e o Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (RECA) já fazem produção agroflorestal sustentável e permitiram a todos seus associados atingir pelo menos a classe C. “É um potencial de desenvolvimento regional muito maior que a agropecuária. Emprega mais gente e não agride o ambiente”, afirmou Nobre.
Mas para desenvolver essas práticas e descobrir novos produtos é preciso ciência. Nobre é um defensor ferrenho da criação de um instituto tecnológico pan-Amazônico robusto, que forme uma nova geração de cientistas locais e atue de forma próxima com os demais setores da economia. “Minha visão é de um AMIT, um MIT para a Amazônia”, disse em referência ao célebre instituto norte-americano. “Nosso grande desafio enquanto cientistas é construir uma Amazônia sustentável e que dê oportunidades às pessoas que nela vivem”.
Debate e síntese
A roda de conversa se debruçou sobre os incentivos individuais e coletivos à preservação no país. “Uma situação comum no Brasil é que, para muitas empresas, é mais barato pagar a multa do que cumprir a lei”, exemplificou o afiliado José Rafael Bordin.
A ideia de Carlos Nobre de levar um centro de tecnológica para a Amazônia também foi discutida a fundo, passando inclusive por tentativas frustradas anteriores. A necessidade de integrar a população local é ponto central para o Acadêmico. “Precisamos criar novas lideranças científicas entre as populações indígenas”, enfatizou.
Mas integrar o conhecimento científico aos saberes tradicionais não vem sem desafios. De início, é preciso uma abordagem mais horizontal, que respeite as culturas locais. Sobretudo, é preciso entender que essas comunidades estão sob fortes pressões externas e buscar formas de trocar conhecimento e tecnologia sem desestruturá-las.
Outro ponto levantado foi a inovação, ainda o ponto fraco da ciência brasileira. Para os Acadêmicos, falta um esforço nacional para desenvolver patentes e tecnologias. O afiliado Tiago Mendes trouxe o exemplo do Núcleo de Inovação em Tecnologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).“É preciso organizar uma estrutura de governança para acordos dentro das universidades, com regimentos, prazos e protocolos. Também é preciso uma legislação firme de propriedade intelectual e treinamento de qualidade para os cientistas interessados”.
Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:
5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão
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4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil
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Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento
Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.