Para fechar o segundo dia do 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5º ENMA ABC), foram convidados três membros da categoria para falar de um tema preocupante na ciência nacional: a inovação. Enquanto o país é o 13º maior produtor de ciência no mundo, é apenas o 54º em inovação, e ainda carece de uma cultura voltada à expansão do conhecimento científico para além da academia.

Bruno Gimenez: Inovação sustentável para a sociedade

A região amazônica historicamente sofre com graves problemas socioambientais. A destruição florestal, as crises de saúde pública – como a que atingiu a Terra Indígena Yanomami – e a poluição das águas pelo garimpo ilegal são algumas questões recorrentes no bioma. Mas todas essas problemáticas não podem ofuscar seus serviços ambientais indispensáveis, responsáveis por manter o equilíbrio climático e ambiental até mesmo nas regiões mais ao sul do país.

O papel da floresta no sequestro de carbono atmosférico é um desses serviços essenciais que está ameaçado, sem o qual nenhuma meta climática é factível. Outro papel vital se dá no ciclo hídrico, servindo como dreno e estoque de água e irrigando as demais regiões através dos famosos rios voadores. “Tanto o ciclo do carbono quanto o da água estão interligados e ambos estão ameaçados com as crises conjuntas de clima e destruição florestal”, afirmou o afiliado Bruno Gimenez, doutor em ciências de florestas tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e atualmente fazendo estágio de pós-doutorado na Universidade da Califórnia/Berkeley. 

Mas estudar o bioma ainda é desafiador. A dificuldade no acesso faz com que áreas imensas de floresta ainda sejam muito pouco conhecidas e mesmo nos trechos percorridos por cientistas existam diversos empecilhos. Uma figura fundamental na pesquisa é a do mateiro – ou parabotânico –, profissionais que em sua maioria não tiveram a educação formal no assunto, mas cujo conhecimento prático converge com o dos botânicos formados.

Embora cruciais, os mateiros estão se tornando mais raros e práticas comuns, como escalar as árvores para coletar no dossel estão, corretamente, passando a adotar procedimentos de segurança mais rigorosos. “Algo que pode se considerar uma inovação na pesquisa amazônica é a utilização de gruas de construção civil para acessar o topo das árvores. Alguns profissionais se adaptaram a essas novas práticas, outros não”, contou Gimenez.

Cada vez mais empresas têm voltado seus olhos para o fornecimento de inovação para a pesquisa no bioma e algumas adaptações se fazem necessárias. O Acadêmico trouxe o exemplo de um aparelho para medição de condições do ar que ele tentou adaptar de outro bioma, mas que apresentou problemas devido à alta umidade. “Situações como essa são comuns e mostram como, cada vez mais, é preciso trazer tecnologia para a Amazônia”, finalizou.

Maurício Cherubin: Nova agricultura sustentável: conciliar segurança alimentar e mudanças climáticas

O Brasil sofre duas pressões antagonistas no cenário global. Ao mesmo tempo em que se espera do país condições de alimentar um planeta que caminha para os 10 bilhões de habitantes, também somos uma potência ambiental absolutamente fundamental na conservação de biomas que regulam o equilíbrio climático global.

“Nos últimos 45 anos, a área de lavoura aumentou em 105% enquanto a produtividade da produção cresceu em 653%”, destacou o agrônomo Maurício Cherubin. Para ele, existe uma falsa dicotomia entre as questões ambiental e agrícola. “Até 2050, o cultivo da soja, por exemplo, pode perder até 80% da produtividade devido à diminuição das terras cultiváveis”, alertou.

O perfil das emissões de gases do efeito estufa no Brasil é completamente inverso do resto do mundo. Enquanto a maior parte dos países tem sua maior fonte de emissão no uso dos combustíveis fósseis, mais da metade dos gases do efeito estufa brasileiros vêm da destruição ambiental e da agropecuária. “Para seguirmos a trajetória de mitigação não adianta só reduzir emissões, é preciso remover parte do carbono que está na atmosfera e o solo é fundamental para isso”, disse.

O Acadêmico é um dos maiores expoentes do país em pedologia – o estudo do solo – tendo recebido o prêmio Bunge em 2022, considerado o “Oscar” das agrárias. Cherubin explicou que o solo estoca duas vezes mais carbono que a atmosfera, “A planta é a chave e o solo é o cofre”, ilustrou, “o carbono é retirado da atmosfera pelos organismos e depois depositado como matéria orgânica”.

Solo com mais carbono é solo saudável, melhor para agricultura e para o meio ambiente. “Os benefícios vêm na produtividade, na regulação climática, no controle da erosão, na qualidade da água”, explicou.

O Acadêmico afirmou que o país é hoje líder no plantio direto – por cima da palhada deixada pelo cultivo anterior – e também em outras práticas sustentáveis como os sistemas agroflorestais. “Somos o único país a fazer agroflorestal em larga escala, na maior parte do mundo é feito em escala doméstica”, disse. “Nossa visão tem de ser a de um ciclo virtuoso, onde mais ciência gera mais produtividade e mais serviços ecossistêmicos”, finalizou.

Vinicius Farias Campos: Inovação como meio de transformação social

Transformar pesquisa em inovação para a sociedade é um dos desafios do Brasil no século XXI. Em 2021 foram requeridas 3,4 milhões de patentes no mundo, e o Brasil foi responsável por apenas 24 mil. Destas, apenas 21% foram depositadas por brasileiros. “Deixamos tudo na mão de depositantes externos”, criticou o biotecnólogo Vinicius Farias Campos, superintendente de Inovação e Desenvolvimento Interinstitucional da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Outra anomalia é a proporção anormal de patentes depositadas por universidades. Esse fato, muitas vezes usado para criticar as instituições públicas, para Vinicius Campos reflete apenas a falta de inovação no setor privado. “Se olharmos as universidades de ponta do mundo, estamos atrás. Precisamos é estimular uma cultura de patentes no país e as universidades têm papel fundamental em puxar esse movimento”, disse.

O Acadêmico também criticou os incentivos presentes na carreira científica, que tendem a desestimular o desenvolvimento de inovação tecnológica. Ele não enxerga uma cultura de inovação dentro da comunidade científica brasileira, com poucos Conselhos, setores e pessoal especializado. “Precisamos de um ambiente institucional favorável. É necessário cobrar as instituições para que melhorem o processo de submissão de artigos, trabalhem com prazos e protocolos definidos, contem com profissionais adequados para isso”, defendeu.

O Marco Legal de C&T determina que as instituições tenham seus próprios setores de inovação, mas muitas delas ainda engatinham nesse processo. “Muitos lugares têm criado centros voltados pra inovação apenas com mesa e tomada pro cientista trabalhar. Precisamos nos perguntar, como pesquisadores nacionais, queremos de fato investir e fazer inovação?”, finalizou.


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