Joana Pereira, nova afiliada da ABC

A ciência é uma atividade com vocação para o universal e, por isso, tende naturalmente a transpor fronteiras. Também são globais os desafios do século XXI, como as crises climáticas e ambientais, e enfrentá-los deve ser uma das prioridades da diplomacia contemporânea. O caráter internacional da pesquisa científica é refletido na trajetória de Joana Portugal Pereira, nova afiliada da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Nascida em Lisboa, “alfacinha da gema”, como ela própria se descreve, nada na caminhada de Joana indicaria que ela se tornaria membra de uma Academia do outro lado do Atlântico. Isto é, nada até a pós-graduação. Antes disso ela já havia trabalhado ao redor do mundo, na Dinamarca, Tailândia, Malásia e Japão, além, é claro, de Portugal, onde começou sua trajetória.

Desde pequena, Joana foi acostumada a mudanças. Acompanhando a mãe, cresceu entre várias cidades lusitanas. Aos 13 anos já havia morado em Oeiras, Beja, Montemor-o-Novo, Vila Franca de Xira e Lisboa, para onde voltou no ensino médio. “Tive a sorte de ter uma infância bucólica no campo, longe da confusão das grandes cidades”, contou.

Com mãe jurista e pai economista, a nova afiliada da ABC sempre teve exemplos nas ciências humanas. Mas era na matemática onde se destacava. Conta que sempre foi boa com números, e se inspirava profissionalmente nas avós. “Ambas se licenciaram em ciências exatas, num tempo em que as universidades eram um universo masculino. As duas foram profissionais independentes e de sucesso, e sempre tive a sorte de contar com ajuda e conselhos durante meu percurso”, lembrou, com carinho.

A afinidade com as exatas levou Joana a ingressar no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, no curso de Engenharia do Ambiente. Durante esse período, o qual descreve como “um misto de acasos, sorte e inconsciência”, a Acadêmica teve sua primeira oportunidade de intercâmbio, na Universidade Técnica da Dinamarca, onde se aprofundou nas ciências do clima e chegou a estagiar no sudeste asiático.

“Entre 2003 e 2004, participei de dois trabalhos de campo, na Malásia e na Tailândia, sobre conflitos entre serviços ecossistêmicos e desenvolvimento econômico. Essas oportunidades me marcaram profundamente, pois consegui aplicar na prática vários conceitos teóricos que adquiri ao longo da graduação”, contou Joana.

De volta à Lisboa, a engenheira fez seu trabalho de conclusão de curso sobre as questões energéticas e ambientais da produção e do uso de bioetanol celulósico na frota veicular portuguesa. Após se formar, foi convidada por seu orientador da época, o professor Tiago Lopes Farias, para ingressar em um projeto da Comissão Europeia sobre a utilização de hidrogênio como combustível para automóveis no continente. “Na época, eu fui a responsável por desenvolver a Análise de Ciclo de Vida da unidade de produção de H2 por eletrólise e reforma a vapor descentralizada em Berlim”.

Especializando-se cada vez mais em combustíveis alternativos, em 2008 Joana Portugal Pereira começou uma nova jornada que a levaria de novo à Ásia: uma oportunidade de doutorado na Universidade de Tóquio, Japão. “Foi uma experiência muito rica. Aprendi muito sobre metodologias para a avaliação de sistemas de bioenergia, seus impactos associados a poluição atmosférica local, e emissões de gases com efeito estufa”, explicou.

Foi nessa época que ela teve seu primeiro contato profissional com o Brasil, que aparece no título de sua dissertação: “Avaliação do Ciclo de Vida da Produção e Utilização de Combustíveis Alternativos em Frotas de Veículos Leves de Passageiros no Brasil e na Índia”, entregue em 2011. Após dois anos nos quais colaborou com projetos do Banco de Desenvolvimento Asiático e da Organização das Nações Unidas, entre outras organizações, em 2013 Joana decidiu por mais uma mudança, dessa vez para o pós-doutorado na Coppe/UFRJ, onde atualmente é professora titular.

Desde então, Joana continuou atuando na área de avaliação de políticas de baixo carbono, estratégias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas e avaliação de ciclo de vida nos setores de energia e transportes. Em 2017 passou a colaborar também com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), debruçando-se sobre a coordenação dos relatórios especiais sobre trajetórias de aquecimento global de 1.5°C e interações entre clima e uso do solo.

“O mais fascinante na ciência é entender o porquê das coisas. Sendo uma eterna curiosa e querendo saber sempre mais, o conhecimento científico permite-lhe saciar um pouco dessa curiosidade. No contexto atual de emergência climática, é imprescindível entender os possíveis futuros, quais tecnologias conseguirão reduzir as emissões em níveis compatíveis com um aquecimento global que não pode passar dos 2°C”, explicou. “Debruço-me sobre o desenvolvimento de modelos analíticos e construção de cenários que definam trajetórias plausíveis para redução de gases de efeito estufa e apoio à formulação de políticas climáticas e energéticas”.

Agora membra afiliada da ABC, Joana se diz honrada e espera contribuir para as discussões sobre mudanças climáticas, políticas públicas para redução de emissões e conservação de serviços ecossistêmicos essenciais. “Ao contrário da maioria dos acadêmicos no Brasil, o meu caminho foi no sentido inverso. Ao invés de ir para o exterior, decidi vir para o Brasil, que possui instituições científicas de excelência na fronteira do conhecimento climático”, resumiu.

Mas nem só de ciência vive o cientista. Nas horas vagas, Joana adora atividades ao ar livre e em contato com a natureza, sobretudo escaladas e trilhas entre montanhas e serras. “Já quando chove, prefiro assistir filmes na cinemateca do MAM, no Rio. É uma boa forma de sonhar acordada.”