Os laureados com o Prêmio Nobel de Química de 2023 foram anunciados no dia 4 de outubro pela Royal Swedish Academy of Sciences. Juntos, os cientistas Alexei I. Ekimov, Louis E. Brus e Moungi Bawendi são responsáveis por descobrir, desenvolver e dar escala à tecnologia dos pontos quânticos (quantum dots), com diversas aplicações, a mais famosa delas a do QLED utilizada em telas de celulares e televisores de última geração.

É conhecimento comum em química que as propriedades de uma substância são determinadas pela natureza e forma de ligação dos elementos componentes, que são governadas pelo seu número de elétrons. Entretanto, quando vamos para a dimensão das nanopartículas, percebemos que as propriedades ópticas– cor, brilho – se alteram pelos chamados fenômenos quânticos. Os três laureados conseguiram produzir partículas tão pequenas que suas propriedades diferem das de partículas maiores, e transformaram isso em novas tecnologias para a sociedade.

Alexei Ekimov conseguiu criar efeitos quânticos em partículas de vidro colorido. A cor surgia de nanopartículas de cloreto de cobre, cujo tamanho ele demonstrou que se relacionava com as características apresentadas. Alguns anos depois, Louis Brus foi o primeiro cientista do mundo a provar efeitos quânticos dependentes do tamanho em partículas flutuando livremente num fluido.

Já em 1993, Moungi Bawendi revolucionou a produção química desses pontos quânticos, conseguindo partículas quase perfeitas. Essa alta qualidade era necessária para que se ganhasse escala e previsibilidade para produção industrial.

Com isso, hoje os pontos quânticos podem ser empregados em diversas áreas. Além da tecnologia QLED, mesmo os LEDs tradicionais podem se utilizar dos pontos quânticos para atingir nuances de cor e brilho. Na medicina, os pontos quânticos são usados em reagentes bioquímicos que, entre outras aplicações, são aplicados no mapeamento de tecidos de um organismo.

A humanidade está apenas começando a trabalhar com as possibilidades abertas por essa tecnologia. O caminho que vai desde a descobertas dos pontos quânticos até suas aplicações é a história de como a ciência beneficia e gera novas formas de pensar para a humanidade. É isso que o Nobel reconhece.

Os laureados com o Nobel de Química 2023: Moungi Bawendi, Louis E. Brus e Alexei E. Ekimov

Confira o comentário do membro titular da Academia Brasileira de Ciências Fernando Galembeck sobre a premiação:

Fernando Galembeck, membro titular da ABC

Fiquei muito contente com esse resultado, pois premia algo que o cidadão comum entende e utiliza todos os dias. Nesse sentido, é parecido com o Nobel de Medicina deste ano, que premiou as vacinas de mRNA, algo que já se transformou em benefícios para a sociedade.

Existem três tipos de tecnologias em LEDs: os orgânicos, os inorgânicos e, mais recentemente, os pontos quânticos. Estes últimos permitiram um salto muito grande na qualidade das imagens das telas, e qualquer pessoa percebe isso. Mas essa é apenas uma das aplicações.

Há anos que falamos muito em nanotecnologia. Em ciência isso é muito comum, um assunto se tornar midiático e atrair atenção. Mas muitos acabam depois desaparecendo. A nanotecnologia provocou muitas mudanças científicas, e sempre nos questionávamos se ela geraria inovações concretas. Hoje ela já conseguiu, mas os pontos quânticos são, provavelmente, a maior delas. Seu uso em telas faz com que seja difundida como nenhuma outra.

Uma ideia revolucionaria que a nanotecnologia trouxe foi perceber que as propriedades de uma substância mudam quando ela está na forma de partículas muito pequenas, como é o caso dos pontos quânticos. Nessa escala, a matéria tem propriedades que um cristal maior não tem. Por exemplo, consideremos os chamados pontos de carbono, carbon dots. Ora, isso é basicamente carvão, mas, nessa escala, emite luz intensa e brilhante, algo que o carvão como conhecemos não faz.

Eu costumo lembrar que a nanotecnologia já existe na natureza. Por exemplo, o leite materno tem grande quantidade de nanopartículas, como fosfatos de cálcio, proteínas e gorduras, e o fato delas serem bem pequenas permite à criança absorver os nutrientes mais facilmente. Ou seja, a natureza descobriu nanotecnologia a muito tempo.

Os ourives também a conheciam, quando perceberam que folhas de ouro muito finas ficavam esverdeadas. O ouro à nível de nanopartículas adquire uma cor avermelhada ou azulada. É o que observamos na púrpura de Cassius, um pigmento presente em jóias antigas, hoje em museus, que já faziam uso dessas propriedades. Ou seja, é algo que já produziu vários resultados, mas esse de agora é um dos mais espetaculares. Mas é preciso ficar alerta, porque inovações ainda maiores podem aparecer.

Os três ganhadores trouxeram contribuições diferentes. Destaco o Moungi Bawendi, que descobriu maneiras de produzir pontos quânticos que viabilizaran sua produção em larga escala. A ciência pode descobrir coisas maravilhosas e nunca conseguir levar seus benefícios para muitas pessoas. Uma etapa crucial é escalonar uma pesquisa básica até conseguir fazer em grande quantidade, a um custo acessível. Esse grupo de laureados foi da descoberta até a inovação. Pasteur dizia que só existe uma ciência, não concebia separação entre a básica e a aplicada.

Em suma, esse Nobel premia um trabalho cujos resultados fazem sentido para muitas pessoas. Esse é o tipo de ciência que eu gosto.

 

Fernando Galembeck, professor aposentado do Instituto de Química da Unicamp