Promovido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Engenharia (ANE), o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos foi realizado no Rio de Janeiro (1/4) e em Belo Horizonte (2/4). O segundo dia foi no auditório da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com quatro painéis. Acesse os outros painéis no final desta matéria.
Coordenado pela Acadêmica Virginia Ciminelli (UFMG), o primeiro painel do dia 2/4 teve como relator o professor da UFMG, Estevam Las Casas, doutorado em Engenharia Civil pela Purdue University (EUA) e, como palestrantes, o engenheiro Alberto Sayão, o professor da UFMG Evandro Gama e o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Hernani Mota Lima.
A segurança das barragens brasileiras
Membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE), Alberto Sayão é especialista em engenharia geotécnica, com ênfase nas áreas de barragens, aterros e encostas. Graduou-se em engenharia civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutorou-se em engenharia geotécnica, pela University of British Columbia, no Canadá.
Ele iniciou sua apresentação mostrando o rompimento de uma barragem de rejeitos na Hungria, e afirmando que a engenharia procura pesquisar e debater esse assunto há muito tempo. “Acidentes em barragens de rejeitos com mortes acontecem em todos os continentes. Os recentes casos brasileiros não são fatos isolados Anualmente, ocorrem dois acidentes sérios com barragens de rejeitos no mundo”, apontou Sayão.
O especialista ressaltou o que parece óbvio: obras de engenharia têm que estar preparadas para enfrentar chuvas. Mas nem todas estão: os rejeitos sólidos das barragens, que dão sustentação, se liquefazem com as chuvas. “Barragens de rejeitos correm risco de rutura, mas dá para diminuir o risco.” Para isso, segundo Sayão, tem que haver dinheiro. “Risco em engenharia não é subjetivo, pode ser calculado. O cálculo é feito buscando a relação entre risco e benefício: trata-se de quantificar a possibilidade versus a consequência”, explicou o palestrante.
As barragens brasileiras estão com risco crescente, de acordo com o engenheiro, porque estão crescendo em altura e em quantidade de rejeitos. “A cada 30 anos, ficam com dez vezes mais volume, o que é determinante para o aumento da probabilidade de acidentes.”
O Ministério Público de Minas Gerais mostrou em relatório que houve falhas na drenagem e no monitoramento das barragens rompidas. A principal causa foram as ampliações sem o devido reparo. Segundo Sayão, elas estavam sendo aumentadas em 12m por ano até a época do rompimento, em cima de um material sem a resistência necessária. “O ritmo normal de ampliação é de até 9m por ano. Enfim, havia vários sinais de doença da barragem: não houve reparo da drenagem, havia fissuras não consertadas.”
As investigações seguem sigilosas, feitas por técnicos contratados pelo Samarco e a polícia, o que parece um indício de conflito de interesses, de acordo com o palestrante. “Há um estudo técnico para determinar as causas, conduzido por entidade independente? O governo deveria indicar uma comissão oficial, com peritos isentos, para estudar o acidente e produzir laudo técnico fundamentado, com ampla divulgação”, argumentou Sayão.
Para desvendar qualquer mistério, o segredo é sempre o mesmo: siga o dinheiro. Uma das questões fundamentais é relativa à natureza das barragens. Sayão cita Jerson Kelman, professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ, que foi presidente da Agência Nacional de Águas (ANA): “As barragens de água são construídas em poucos anos e dão lucro para as empresas, enquanto as barragens de rejeitos, que são construídas em décadas, por diferentes equipes, são o principal passivo das mineradoras.”
Os coprodutos da mineração de ferro para o desenvolvimento sustentável
Doutor em gerenciamento ambiental pela Universidade de Wales, no Reino Unido, e professor do Departamento de Engenharia de Minas da UFMG, Evandro Gama relatou que seu departamento vem se preocupando com a lentidão dos cuidados e tratamento das barragens de rejeitos em Minas Gerais desde 1997.
Os rejeitos de mineração, de acordo com a definição do palestrante, são os materiais que restam após o processo de separação da fração valiosa da fração não-econômica de um minério. “São compostos por materiais diversos como fragmentos de rochas, material arenoso, polpa argilosa, lamas e fluidos”, explicou. E, tradicionalmente, são depositados em barragens.
O que não vem sendo levado em conta, no entanto, é que a ciência já tem soluções para o problema das barragens de rejeitos de mineração de ferro faz tempo. “A China produz porcelanato e até dormentes com esses rejeitos. Na Rússia, fazem aproveitamento há 50 anos”, apontou Gama. “Processamento do rejeito drenado, que vira lama, por meio de ciência, pode transformar o rejeito em metal novamente. Não precisa de barragem.”
Segundo Gama, existe também o procedimento de pelotização do rejeito em pasta, que pode ser incorporado ao concreto, melhorando sua qualidade. “Há inclusive estudos para usar rejeitos nos blocos para pavimentação e construção, o que colabora com a infraestrutura das cidades. Essas pelotas também servem para hidroponia e piscicultura, porque concentram as fezes dos peixes”, explicou.
De fato, Gama considera que a nomenclatura, inclusive, está errada. “Não é rejeito, é resíduo, porque pode ser transformado em alguma coisa. Tem que haver diálogos entre as empresas e as mineradoras.” Ele reitera que a utilização de rejeitos da mineração na construção civil é viável tecnicamente. “Mas a viabilidade econômica depende da distância entre a fábrica e a disponibilização da matéria prima, que tem que ser inferior a 400 km”, explicou o especialista.
Há também a demanda de uma reeducação, tanto da sociedade civil quanto da acadêmica, para a recuperação dos resíduos, na avaliação de Gama. “Existem tecnologias prontas para serem utilizadas na produção dos coprodutos. Mas a implementação delas requer um arcabouço legal específico para regrar e prover segurança jurídica ao reaproveitamento dos resíduos, pois a existente não se aplica aos rejeitos da mineração”, informou.
Em suma: a solução para o problema não pode ser restrita a um órgão ou pessoa. Gama reafirma que se alcance uma solução é necessária a implementação de políticas públicas e privadas, “visando uma gestão integrada dos resíduos da mineração de ferro, com responsabilidade compartilhada”, finalizou o engenheiro.
Fechamento de barragens de rejeitos
Doutorado em gerenciamento ambiental pela Universidade Aberystwyth, no país de Gales, o professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Hernani Mota Lima explicou que as barragens de rejeitos precisam ser projetadas para fechamento, de modo que critérios de estabilidade e desempenho ambiental possam ser alcançados. “Essa cultura, porém, só existe há 20 ou 30 anos”, observou.
Os critérios para fechamento de barragens de rejeitos incluem estabilidade física, mesmo em casos de inundações, terremotos e erosão. Não pode oferecer riscos à saúde pública ou à segurança ou ao meio ambiente – como, por exemplo, provocar desequilíbrio nos padrões de qualidade da água da região.
O fechamento requer, também, condições de estabilidade química. Não pode haver contaminação de águas superficiais ou subterrâneas, nem obstrução de drenos devido a precipitação de sais. “O transporte de produtos solúveis pode resultar em aumento de infiltração, e isso não pode ocorrer”, destaca Lima.
Quanto à estabilidade biológica, Lima coloca a pergunta: “Quem vai ficar tomando conta do que pode acontecer?” Raízes podem penetrar em camadas superficiais, causando infiltrações. Tatus e coelhos podem fazer buracos, cupins podem infestar um barramento. Buracos podem danificar o sistema de cobertura de baixa permeabilidade. “Como controlar isso?”
Lima comentou que o estado da Austrália Ocidental tem um ótimo guia para fechamento de barragens e que as nossas barragens têm normas similares, mas são exigidas “em longo prazo”. “Ora, este é um tempo que pode se estender até a próxima idade do gelo, daqui a mais de dois mil anos”, ironizou o especialista.
O fechamento não é uma operação simples. Há que haver um reforço para as barragens. E, de fato, as barragens no Brasil não estão preparadas para serem desativadas. “O prazo proposto recentemente para desativação é de três anos, e não há como conseguirmos”, afirmou Lima.
O especialista observou que não é necessário drenar toda a barragem. “Pode-se deixar água que mantenha vida aquática, fica mais bonito. “Mas quem vai controlar a desativação? A própria empresa?”, questionou o palestrante. Fica a pergunta.
Estabilidade de barragens é sempre temporária
O consultor Joaquim Pimenta de Ávila, especialista em barragens de terra e engenharia de solos, relatou que trabalha há 20 anos com segurança de barragens e já fez projetos para a Vale, que foram devidamente implementados e nunca deram problemas. Ele explicou que uma barragem de rejeitos não “é” estável, ela “está” estável. “A segurança de barragem tem que ter monitoramento continuo, não é um estado, é um momento”, explicou Ávila.
As auditorias atuais são muito restritas, segundo o especialista. “O auditor tem que assinar um documento de que analisou as boas práticas de segurança, mas não pode mais fazer ressalvas nem recomendações, apenas em relatório paralelo”. De fato, o profissional fica limitado a indicar risco 1 a 5, sem possibilidade de acompanhar as correções – que, caso não sejam feitas, podem causar a prisão do auditor, e não do dono da empresa, de acordo com a lei vigente.
A gestão, portanto, tem que ser mudada. “Vão fazer o que? Evacuar regiões de 53 barragens? E o caos que isso traz para os habitantes? Provavelmente isso não seria necessário se houvesse gestão”, argumenta Ávila. Ele diz que não faltam engenheiros qualificados o bastante para dar conta disso. “O presidente da Vale diz que vai paralisar as minas para fechar uma barragem. Isso é desnecessário e um imenso prejuízo para o estado de Minas. Além do que, não resolve o problema das barragens”, alertou.
Saiba mais sobre o evento em BH (2/4):
- Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos – Parte II
- Ambiente em foco
- Desastre e perspectiva humana
- Um olhar para o futuro
E sobre o evento no RJ (1/4):