Promovido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Engenharia (ANE), o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos foi realizado no Rio de Janeiro (1º de abril) e em Belo Horizonte (2 de abril). O primeiro dia aconteceu na sede da ABC, e contou com dois painéis. Acesse os outros painéis no final desta matéria.

Andressa Lanchotti, Marilene Ramos, Victor Bicca e Fernando Lins

O Painel II: “Aspectos de segurança, regulatórios e legislação, fiscalização e licenciamento: como melhorar?” contou com a participação de Victor Hugo Froner Bicca (Agência Nacional de Mineração – ANM), Andressa de Oliveira Lanchotti (Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais / Ministério Público de Minas Gerais), Marilene de Oliveira Ramos Múrias dos Santos (Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas Fundação Getúlio Vargas – FGV) e Fernando Antonio Freitas Lins (Centro de Tecnologia Mineral – Cetem), como relator da mesa.

Regulação da segurança de barragens de mineração no Brasil

O diretor-geral da ANM, Victor Bicca, apresentou um resumo legal das medidas aplicadas em segurança de barragens de mineração no Brasil e focou nas ações tomadas após os rompimentos das barragens em Mariana (novembro de 2015) e Brumadinho (janeiro de 2019).

A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais, foi estabelecida em setembro de 2010. Na Lei 12.334/2010, Bicca destacou os seguintes conceitos: o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem; e a fiscalização da segurança de barragens caberá, sem prejuízo das ações fiscalizatórias dos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

No contexto da evolução normativa, o diretor-geral da ANM falou sobre a criação, em maio de 2017, da Portaria Nº 70.389 do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A medida estabeleceu, dentre as ações, a inspeção especial diária quando houver necessidade para tal (antes era semanal); obrigação de instalação de sistemas de monitoramento das estruturas; obrigação de elaboração de mapa de inundação para todas as barragens de mineração por modelo simplificado e sistema de monitoramento; o extrato de inspeção regular inserido quinzenalmente no Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM).

Sobre o SIGBM, Bicca destacou seus principais ganhos, como, por exemplo, as possibilidades de cadastro de uma barragem a qualquer tempo e a de atualização desses atributos em tempo real. Além disso, o sistema permite ainda autuações e interdições emitidas de forma direta e o alerta de situações críticas aos gestores.

Recentemente, após o rompimento da barragem em Brumadinho, novas medidas precisaram ser tomadas. Em fevereiro de 2019, foi formulada a Resolução Nº 4 da ANM, que estabelece medidas regulatórias cautelares objetivando assegurar a estabilidade de barragens de mineração. Dentre elas, estão: a proibição do método de construção ou alteamento de barragens de mineração denominado “a montante” em todo o território nacional; proibição ao empreendedor de manter ou construir, na Zona de Autossalvamento (ZAS), instalação que inclua presença humana; e a obrigatoriedade de sistemas automatizados de acionamento de sirenes para todas as barragens na PNSB.

 

Atuação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais para a contenção de danos do incidente

A promotora de justiça Andressa Lanchotti é coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação (Caoma) do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG). Em sua apresentação, a promotora tratou dos impactos do rompimento da barragem do Córrego do Feijão no município de Brumadinho e da atuação do MPMG no caso.

Lanchotti lembrou dos impactos para os habitats, a ictiofauna, a qualidade da água e o abastecimento público. A contaminação do rio Paraopeba pela lama de rejeitos vazada da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, prejudicou municípios que dependiam integralmente daquele rio para o abastecimento público. O incidente trouxe consequências também para o patrimônio cultural de Brumadinho, causando grande prejuízo às atividades turísticas desenvolvidas na região, além de ampla dispersão de bens arqueológicos afetados.

Para tratar da contenção de danos e estabilidade das estruturas remanescentes do complexo Paraopeba, o MPMG integra uma força tarefa interinstitucional com o Ministério Público Federal; Ministério Público do Trabalho; Advocacia-Geral do Estado; Defensoria Pública do Estado; Defensoria Pública da União; Advocacia-Geral da União; Corpo de Bombeiros Militar; Defesa Civil Estadual; Polícia Civil; Polícia Militar; e a Polícia Federal. “Essa atuação interinstitucional integrada que vem possibilitando uma resposta, na minha visão, rápida e eficaz, para poder fazer frente a todos esses danos causados pelo rompimento dessas barragens”, afirmou a promotora.

Além das ações no eixo socioambiental, o MPMG tem trabalhado também nas áreas socioeconômica e criminal. Até agora, algumas das medidas adotadas foram: ajuizamento de Ação Civil Pública para exigir segurança de outras oito barragens de responsabilidade da Vale S.A., com contratação de auditorias externas independentes para verificar a real condição de estabilidade das estruturas; recomendação à Vale S.A. de veracidade nas informações fornecidas à população referentes à situação de segurança de barragens; Ação Cautelar proposta pelo MPMG, em Brumadinho, resultando no bloqueio de cinco bilhões de reais da Vale S.A. para indenizações dos atingidos de Brumadinho; 13 prisões temporárias, 22 mandados de busca e apreensão em residências e empresas; e a Lei Estadual 23.291/19, que fixa prazo de três anos para eliminação de estruturas como as que se romperam em Mariana e Brumadinho.

 

O papel do licenciamento e da fiscalização ambiental na construção de barragens

Engenheira civil, Marilene Ramos falou sobre a atuação do licenciamento e fiscalização ambiental em casos como os dos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho.

Diante da discussão sobre a que esfera o licenciamento ambiental deveria pertencer, estadual ou federal, em razão do rompimento da barragem em Brumadinho, a engenheira comentou que esse aspecto não importa, uma vez que o campo não tem capacidade de tratar do aspecto da segurança diretamente.

Ramos explicou que não é o técnico do licenciamento ambiental que vai analisar ou atestar se uma barragem está projetada de forma segura ou não. “No licenciamento ambiental é verificado se as questões legais estão de fato sendo cumpridas”, ela declarou.

O licenciamento e a fiscalização ambiental estão focados nos impactos que um projeto de mineração terá sobre determinada região, levando em consideração a fauna, a flora, os recursos vegetais e hídricos, bem como a população e os aspectos socioeconômicos.

A professora ainda afirmou: “A quantificação do dano ambiental é algo muito difícil de ser feito e nós nunca vamos ter certeza que de fato o dano causado foi integralmente reparado”. Por isso, ela indica que o caminho percorrido após o incidente em Mariana deve ser seguido também em Brumadinho, de forma que sejam encontradas alternativas para melhorar a qualidade da água na bacia, mesmo que não atacando o problema diretamente.

“Tenhamos em Brumadinho soluções tão ou mais potentes do que nós tivemos em Mariana. Mas, ao mesmo tempo, evitemos criar sistemas tão burocráticos e complexos, para tentar que as ações tenham resultados efetivos muito mais rápido”, concluiu Ramos.

 

Leia a cobertura do segundo painel do seminário, sediado no Rio de Janeiro:

E confira as matérias do segundo dia de evento, realizado em Belo Horizonte: