A sessão “Promovendo a Equidade de Gênero na Ciência: Experiências Brasileiras“, parte do evento “Promovendo Equidade de Gênero em Ciência“, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas, na sigla em inglês) e a Academia Mundial de Ciências (TWAS), contou com dez apresentações de projetos nessa área. Vamos conhecer  quatro deles aqui.

 

Meninas no Museu
A astrofísica do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Patrícia Spinelli, apresentou o projeto que atua no combate à segregação de gênero horizontal, ou seja, tenta fazer com que mais meninas se interessem pelas carreiras de ciências exatas.

Uma das ações é o “Dia das Meninas”, que começou nos Estados Unidos. “Era um dia em que meninas eram convidados por seus pais e tios cientistas a conhecerem os laboratórios onde trabalhavam”, explicou. Na Europa, o evento chegou um pouco depois, mas destaca-se o “Dia das Meninas” alemão, onde mais de 250 mil meninas do país inteiro se inscrevem para conhecer empresas da área. “Há um grande retorno para essas meninas”, contou Patricia, “visto que muitas aplicam para estágios nas empresas que visitaram”. O “Dia das Meninas” em museus também se espalhou na Europa e foi nesse exemplo que o MAST se inspirou.

O “Dia das Meninas” do MAST ocorre sempre no mês de março, próximo ao Dia Internacional da Mulher (8 de março), e conta com atividades relacionadas à física, à astronomia e também áreas afins. E não é apenas para meninas. “São três tipos de público: o que vai ao evento espontaneamente, o público escolar para o qual há divulgação direcionada e o público online que participa através das transmissões. Assim, o evento recebe de crianças a mulheres adultas, que muitas vezes vão acompanhadas dos pais, do namorado ou amigos”, relatou Patricia.

Vendo o sucesso do evento, o MAST decidiu desenvolver um projeto menor, porém continuado, o “Meninas no Museu”, com o objetivo de trabalhar com um grupo de meninas do ensino médio ao longo de um ano e meio. Todas receberam bolsa de pré-iniciação científica, com recursos da Faperj, e, além de oficinas práticas e de discussões sobre segregação de gênero na ciência, elas receberam formação para atuarem como mediadoras em museus e centros de ciência. “Esta  atividade tem a intenção de criar modelos em que as jovens possam se inspirar”, explicou Patricia.

Assim, um grupo de sete meninas foram capacitadas em diferentes temáticas da ciência e passaram a atuar nas atividades que o MAST promovia aos finais de semana. E ainda criaram um blog, o Cientistas de Primeira Viagem, compartilhando ali suas impressões sobre o projeto. Também preparam experimentos para a Semana de Ciência e Tecnologia de 2017.

Falando sobre os resultados do projeto, Patricia destacou que  as participantes declararam ter apoio dos pais em suas decisões de carreira e todas desejavam adquirir conhecimentos necessários para seguir em profissões da área de ciências exatas. “As sete meninas mudaram de percepção quanto às suas capacidades pessoais de seguir carreira científica. A princípio, nenhuma delas se sentia capaz de seguir este caminho e, com o projeto, todas declararam que mudaram de ideia e que, não apenas se sentem capazes, como querem ser cientistas”, finalizou.

 

Parent in Science
Um projeto voltado para medir o impacto de ter filhos na carreira das cientistas, o “Parent in Science” também pretende desenvolver medidas de apoio pessoal e profissional para auxiliar a conciliação da maternidade e a carreira científica. O projeto não abarca apenas mulheres: também há professores homens que participam do grupo e a questão da paternidade não está totalmente excluída. Porém, visto que os impactos sobre a vida das mães tendem a ser muito maiores que na vida dos pais, é dada ênfase às cientistas mulheres.

O projeto, que foi apresentado Ida Schwartz, professora do Departamento de Genética da UFRGS, nasceu da experiência pessoal de Fernanda Staniscuaski. Após ter filhos, a cientista teve dificuldades em ganhar editais, visto que teve sua contribuição científica diminuída no período em que lidou com a maternidade. Fernanda percebeu que não era a única mulher a enfrentar o problema e isso levou à criação do projeto de extensão. Diferentemente da maioria dos projetos apresentados, o “Parent in Science” trabalha mais com a questão da segregação vertical, ou seja, relacionada à ascensão a níveis hierárquicos mais altos.

Uma das ações apresentadas por Ida Schwartz foi a realização de um evento sobre ciência e maternidade, ocorrido em maio de 2018, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. O evento recebeu 140 cientistas de diferentes áreas de atuação, além de cerca de 40 crianças. Durante o evento, foi oferecido serviço de recreação para as crianças enquanto as cientistas debateram sugestões a serem trabalhadas junto às agências de fomento e instituições, a fim de melhorar a situação atual.

Ida mostrou os resultados de um questionário passado no evento. “Em torno de 78% das mulheres respondentes optaram por ter filhos. A média de idade escolhida para ser mãe foi de 32 anos, com o primeiro filho ocorrendo de 2 a 3 anos depois da contratação, ou seja, muitas mulheres esperam pela estabilidade profissional e financeira para serem mães”, apontou Ida.  Na maior parte dos casos, a mãe é a única cuidadora do filho (54%) e, em 21% dos casos, as mães esperam a criança dormir para trabalhar de madrugada. Quando o número de publicações é analisado, a diferença é notória. A curva de mulheres cientistas sem filhos é ascendente, enquanto a curva de cientistas com filhos apresenta brusca queda nos anos seguintes à gravidez. Por isso, o projeto defende a possibilidade de preencher o tempo de maternidade em plataformas como a Lattes e a Sucupira. “Isto seria muito relevante para justificar eventuais quedas de produtividade”, arrematou.

 

Ciências da Terra – Observatório Nacional
Embora não estude diretamente a questão de gênero, a pesquisadora da área de geofísica do Observatório Nacional, Valéria Barbosa, iniciou sua palestra comentando que sente na prática esta desigualdade, visto que atua em área majoritariamente masculina.  No decorrer de sua apresentação, ela se propôs a mostrar, com dados, a segregação de gênero existente na ciência.

Valéria apresentou uma matéria do jornal O Globo, datada de 13 de maio de 1959, sobre Yeda Veiga Ferraz Pereira, a primeira astrônoma da América Latina. Na reportagem, foi publicada a frase “ser astrônoma enquanto a função no Observatório Nacional não afetar a vida no lar” . Mostrou também uma reportagem da BBC, de 13 de abril de 2018, sobre como as mulheres passaram de maioria à raridade nos cursos de informática.

Atualmente, 52% das mulheres estão nas áreas de biologia, saúde e humanas. Mesmo nessas áreas, as mulheres raramente chegam ao topo. Já os homens estão predominantemente nas ciências da terra e engenharias. “Essa desigualdade não  acontece apenas no Brasil. Também é visível em outros países, como os Estados Unidos”, observou. Olhando dados do CNPq, no período de 2001 a 2015, as mulheres representam apenas 23% dentre aqueles que recebem bolsas de pesquisa. Valéria mostrou, ainda, dados da própria ABC: de um total de 53 membros titulares da área de ciências da terra, apenas cinco são mulheres.

Em dados solicitados à Petrobras, Valéria mostrou que, na empresa, apenas 16% dos trabalhadores são mulheres. Porém, dessas, 55% possuem nível superior completo. Dentre os 84% dos trabalhadores homens, apenas 39% deles possuem curso superior. Apesar disso, em cargos com níveis hierárquicos mais altos, apenas 15% dos empregados são mulheres.

Valéria relatou que  já há um movimento de mobilização das mulheres da área de geociências para promover o interesse de meninas . Ela também tocou no tema da conciliação da maternidade com a carreira.

 

NINA
Graduada em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Simony César de Moura apresentou o NINA, um sistema que ela mesmo desenvolveu. A motivação do NINA remete à infância de Simony. Sua mãe sempre trabalhou como trocadora de ônibus no Recife. Certa vez, um colega de trabalho foi alvejado pelo assaltante durante um assalto ao ônibus. Com isso, Simony passou a ter pesadelos constantes com a questão da segurança no ônibus.

Mais tarde, estagiou no setor de reclamações de uma empresa de ônibus e só então se deu conta da questão do assédio. Ela contou que as reclamações relacionadas à questão, apesar de não serem muitas, eram sempre “engavetadas” e não se fazia nada a respeito.

Unindo uma questão à outra, ela desenvolveu o NINA, que começou como um aplicativo para monitorar tipos de assédios e os locais em que eles ocorriam. Posteriormente, a ideia foi reformulada e o aplicativo passou a ser apenas um código. Isso abriu o leque de possibilidades do NINA, visto que, como código, ele pode ser inserido dentro de outros aplicativos em forma de botão. Para simplificar: os diversos apps de transporte (apps de táxi, ônibus, transporte privado etc) podem inserir o código do NINA dentro deles e gerar um botão, que pode ser pressionado pela passageira caso ela sofra ou presencie um assédio.

O NINA pode ser aplicado tanto por geolocalização aberta, como em ambientes fechados (por exemplo, em campi de universidades), mas, neste último caso, é necessário que pequenos hardwares sejam instalados em alguns pontos do local, o que encarece um pouco a aplicação e dificulta sua implantação. Apesar disso, por ora, o NINA já funciona em Natal e Fortaleza. Anteriormente, funcionava também no Recife, mas o governo local vetou a operação do sistema.

Simony contou que o nome NINA foi inspirado em Nina Simone, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis dos negros estadunidenses. Nina Simone certa vez declarou que “ser livre é não ter medo”, frase que vai ao encontro do projeto de Simony. Neste ano de 2018, Simony foi uma das selecionadas pela ABC como uma das representantes do Brasil no 3° Fórum de Jovens Cientistas do BRICS. Ocorrido em junho, na África do Sul, Simony pôde apresentar seu projeto aos presentes no evento e foi uma das concorrentes ao Prêmio Jovem Inovador do BRICS.

Confira os projetos apresentados na sessão “Promovendo a Equidade de Gênero na Ciência: Experiências Brasileiras”:

“Contando Nossa História”, “Engenheiras da Borborema e “Tem Menina no Circuito”
“Meninas na Ciência”, “Energéticas” e “ProgrAmazonas”

Saiba mais sobre o evento “Promovendo Equidade de Gênero na Ciência”:

ABC recebe jovens cientistas das Américas para conferência em sua sede
ABC realiza Simpósio “Meninas na Ciência”
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Promovendo a Equidade de Gênero na Ciência: A Visão das Jovens Cientistas
Meninas e Mulheres presentes na Ciência