É de fato possível construir um futuro climático sustentável?

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Na noite de 20 de outubro, foi realizada a primeira sessão temática do encontro “Um Chamado Científico para a COP30: Academias de Ciências Unidas pela Ação Climática” realizado em Manaus, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas). Após a cerimônia de abertura, o vice-presidente da ABC para a região São Paulo, Glaucius Oliva (USP), conduziu as apresentações de três grandes especialistas.

O vice-presidente da ABC para a região São Paulo, Glaucius Oliva, apresenta o Acadêmico Paulo Artaxo | Foto: Erikson Fernandes

O Acadêmico Paulo Artaxo (USP), especialista em física aplicada a problemas ambientais, especialmente as mudanças climáticas, é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele abriu a sessão temática falando sobre os desafios da sustentabilidade num cenário de mudanças climáticas e abordou a pergunta de fundo do encontro: como a ciência pode ajudar a humanidade?

Um estudo alemão, do Instituto de Pesquisa sobre o Impacto Climático de Potsdam (PIK, sigla em alemão), intitulado Planetary Health Check 2025 mostrou que de nove indicadores dos limites de segurança para a vida humana na Terra, já estamos excedendo seis deles. No relatório sobre Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial 2025 (Global Risks 2025, WEF), que destaca os dez maiores riscos para a economia global nos próximos dez anos, seis deles são relativos ao meio-ambiente.

Isto está acontecendo simplesmente porque as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) continuam aumentando, apesar do aviso dado a 50 anos atrás, na Conferência de Estocolmo (1972), e 29 Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COPs). “É uma alerta para a humanidade de que não estamos indo na direção certa para nossa sobrevivência no planeta, emitindo 57 bilhões de toneladas de GEEs – gás carbônico, metano e óxido nitroso- anualmente para a atmosfera”, apontou Artaxo.

Por conta disso, o que vemos é que as mudanças climáticas estão se acelerando. “O Acordo de Paris morreu. Será que ainda é possível frear esse processo?”, indagou o palestrante. A primeira questão que se coloca é que o mundo precisará ser capaz de produzir alimento para dez bilhões de pessoas em 2050, o que será uma tarefa difícil, que provavelmente vai gerar muitos problemas sociais e tensões geopolíticas nos próximos anos.  “No Brasil, temos uma região semiárida que se tornará árida. Então, temos que saber onde e como vamos alocar as milhões de pessoas que vivem nessa região, que em poucas décadas estará impossível de ser habitada”, ressaltou Artaxo.

Na Amazônia, o impacto já está sendo imenso: o que o aquecimento global está causando na região já derrubou os cenários previstos pelo IPCC, segundo Artaxo. “Se continuarmos no caminho em que estamos, há 50% de chance de que em 20 anos os ecossistemas amazônicos não consigam sobreviver”, alertou o Acadêmico.

O físico Paulo Artaxo, membro do IPCC, apresentou a primeira palestra do encontro de academias de ciências, em Manaus | Foto: Erikson Fernandes

Em sua perspectiva, é preciso lidar com as mudanças climáticas de maneira bem mais abrangente. Temos quatro grandes variáveis complexas a considerar de forma conjunta, pois cada uma delas pode impactar negativamente nas outras. São elas LISTAR Fatores impulsionadores das mudanças climáticas Ecossistema do oceano, mitigação e ao mesmo tempo trabalhar na adaptação, pq o clima vai continuar a mudar rapidamente.

Sobre a COP30, Artaxo considera que ela deveria lidar com cinco principais questões: a primeira é a urgência de se realizar uma transição justa e rápida dos combustíveis fósseis para as fontes de energia sustentável. “Sem essa solução, podemos esquecer todas as outras”, alertou. Em seguida, é necessário eliminar o desmatamento tropical até 2030 e implementar mecanismos de financiamento climático para países em desenvolvimento,. Não é justo esperar que os países mais pobres gastem seus recursos em transição energética, já que não são eles que produzem mais GEE e precisam investir o que tem em alimentação, saúde, educação e questões básicas relativas à mitigação das mudanças climáticas. É fundamental que haja um fundo internacional para apoiar os países em desenvolvimento.”

Por fim os dois últimos tópicos destacados por Artaxo como prioritários para a COP 30 seriam a implementação de políticas de adaptação ao novo clima e a ênfase no multilateralismo, reforçado pela aliança dos BRICS — mas sem a participação de uma das maiores economias do planeta. “Apenas trabalhando juntos poderemos atingir essas metas”, concluiu o Acadêmico.

Socio-bioeconomia como base para um futuro sustentável

A antropóloga norte-americana Marianne Schmink, professora emérita do Centro Latino-Americano da Universidade da Flórida, dedicou cinco décadas de pesquisa à Amazônia, estudando as dinâmicas socioeconômicas de suas populações indígenas e rurais. Reconhecida internacionalmente por seu trabalho pioneiro em conservação tropical e desenvolvimento sustentável, Schmink tem como foco a gestão comunitária de recursos naturais, o papel das mulheres no desenvolvimento rural e a implantação de sistemas agroflorestais no Brasil.

Em sua fala, ela utilizou sua trajetória para refletir sobre os caminhos possíveis para o futuro da região. Schmink defendeu que a socio-bioeconomia é a base para um futuro próspero e sustentável, sustentado pela floresta em pé e pelos rios livres, capaz de gerar benefícios tanto para as comunidades locais quanto para o planeta como um todo.

A antropóloga norte-americana Marianne Schmink desenvolveu pesquisas na Amazônia por 50 anos | Foto: Erikson Fernandes

A pesquisadora destacou que, em meio a 50 anos de observação das trajetórias insustentáveis da Amazônia — marcadas pela mineração predatória, desmatamento ilegal e ação do crime organizado —, o aprendizado mais valioso veio das práticas das comunidades amazônicas, que demonstram como é possível viver de forma respeitosa e duradoura com a floresta, defendendo seus territórios e modos de vida.

Segundo Schmink, as políticas de governança socioambiental já evidenciam o potencial das socio-bioeconomias como um paradigma alternativo de desenvolvimento sustentável. Ela lembrou que o fortalecimento dessas práticas é essencial para o bem-estar do planeta.

A pesquisadora apresentou ainda resultados do relatório Amazon Assessment Report 2025, do Painel Científico da Amazônia (SPA) — apoiado pelas Nações Unidas e a ser lançado durante a COP30. O documento define as bases de uma socio-bioeconomia desejável, centrada em cinco eixos:

  • Territórios: respeito aos contextos ecológicos e culturais e valorização dos conhecimentos locais.
  • Gestão biocultural: fortalecimento de práticas tradicionais ainda pouco apoiadas por investimentos.
  • Conectividade: defesa dos direitos coletivos e da governança comunitária para manter a saúde dos ecossistemas.
  • Inovação: integração entre saberes locais, ciência e tecnologia, sem perder os princípios da sociobiodiversidade.
  • Tecnologia: uso de novas ferramentas e pequenas plantas de processamento para agregar valor a produtos locais.

Schmink também apresentou exemplos concretos de redes e iniciativas que traduzem esses princípios em ação. Entre elas, a Rede de Sementes do Xingu (RSX), organização sem fins lucrativos formada por povos indígenas, agricultores familiares e moradores urbanos do Centro-Oeste, dedicada à restauração florestal por meio da coleta e comercialização de sementes nativas, valorizando a autonomia das culturas tradicionais.

Outro caso citado foi o da Aliança Norte Amazônica (ANA), que reúne produtores indígenas e locais de cinco países amazônicos para fabricar e comercializar produtos como açaí liofilizado, castanha-da-Amazônia, derivados de mandioca, artesanato, especiarias e polpas de frutas.

Como exemplo de ampliação responsável da socio-bioeconomia, Schmink destacou a Sanctu, iniciativa brasileira que desenvolveu um modelo de negócios escalável e regenerativo para pequenos produtores que administram 65,4 milhões de hectares na Amazônia, dos quais 62% estão degradados. A proposta envolve redesenho das propriedades com pastagens regenerativas, restauração de ecossistemas e sistemas agroflorestais, combinados a financiamento acessível e acesso a mercados, apontando um caminho promissor para conciliar desenvolvimento e conservação.

Ciência e ação para a saúde climática

O bioquímico inglês Robin Fears (IAP) trabalhou 29 anos em pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica e atua há muitos anos em organismos internacionais como consultor de políticas científicas, em especial sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde e na igualdade. Representando a Parceria InterAcademias (IAP, na sigla em inglês), onde atua como diretor do Programa de Biociências, Fears reconheceu que o aquecimento global representa ameaças sem precedentes à saúde humana, tanto física quanto mental — mas também abre oportunidades científicas inéditas para promover transformações sustentáveis.

Os impactos são mais severos entre as populações mais vulneráveis, que menos contribuíram para a crise climática e que possuem menor capacidade de adaptação. “Ainda assim, as soluções estão ao nosso alcance: medidas rápidas e decisivas, incluindo soluções baseadas na natureza, podem reduzir riscos de longo prazo e gerar benefícios imediatos para a saúde”, ressaltou Fears.

As consequências ultrapassam fronteiras nacionais, exigindo melhor monitoramento, vigilância e mensuração dos benefícios, custos e compensações. Fears apontou que as mudanças climáticas também agravam outros desafios globais, tornando ainda mais urgente uma resposta integrada, multissetorial e baseada na ciência.

O bioquímico inglês Robin Fears é diretor do Programa de Biociências da Parceria InterAcademias (IAP) | Foto: Erikson Fernandes

Para enfrentar os desafios científicos subjacentes à nova pesquisa climática, é preciso reequilibrar a distribuição geográfica da pesquisa, ampliando a participação do Sul Global, de acordo com Fears. “Ainda temos que comprovar a relação entre os efeitos adversos à saúde e as mudanças climáticas, porque nem todos compreendem isso”, observou.

O palestrante ressaltou que cabe à comunidade científica fornecer a base científica para iniciativas de perdas e danos, assim como buscar compreender melhor os efeitos das medidas de adaptação e mitigação. “Precisamos adotar uma abordagem sistêmica, transdisciplinar e participativa, que envolva diretamente as populações afetadas”, afirmou.

Ainda nesse processo de “auto-avaliação”, Fears comentou que o lema “repensando o amanhã” destaca a responsabilidade dos cientistas e profissionais da saúde em agir concretamente. Ele considera que as ações necessárias envolvem utilizar as evidências já disponíveis para orientar políticas climáticas com mais urgência, ambição e equidade; produzir novo conhecimento transdisciplinar, corrigindo desequilíbrios na geração e uso da pesquisa; fortalecer bancos de dados integrados sobre clima e saúde; concentrar esforços nos grupos mais vulneráveis; aprimorar a avaliação e ampliação das soluções existentes.

“Profissionais de saúde podem atuar como agentes de transformação e combate à desinformação, enquanto as Academias de Ciências têm papel central em catalisar ações nacionais, regionais e globais para fortalecer a pesquisa, a inovação e a capacitação científica em prol da sustentabilidade”, sumarizou o especialista Robin Fears.

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