No dia 28 de maio, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) recebeu o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o membro titular da ABC Ricardo Galvão, para uma conversa sobre “Os Desafios do CNPq no processo de reconstrução do País”. A coordenação do debate ficou por conta do também Acadêmico Renato Cordeiro.

Participaram do encontro a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rosana Onocko-Campos, o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinicius Soares, e os Acadêmicos Samuel Goldenberg (Fiocruz), Patricia Bozza (Fiocruz), Marie-Anne Van Sluys (USP) e Thaiane Oliveira (UFF).

Ricardo Galvão, presidente do CNPq e membro titular da ABC

Transparência

Durante a primeira parte, Galvão teve a oportunidade de apresentar os pontos que considera mais importantes de seu mandato. Escolhido no início de 2023 para o cargo, o Acadêmico afirmou que sua primeira dificuldade foi a falta de dados sobre o que o CNPq financiava. Por isso, considera um êxito a criação dos painéis sobre chamadas para bolsas de produtividade, currículos Lattes e alocação dos recursos para bolsas e projetos, além do mapa do fomento de CT&I nacional.

Bolsas e projetos

Sobre as bolsas de pesquisa, Galvão lembra que o tão esperado reajuste conquistado em abril de 2023 só foi possível graças às verbas da PEC da Transição, que permitiu ao governo um aporte adicional de R$ 145 bilhões no orçamento federal daquele ano. Para o CNPq isso significou mais R$ 430 milhões em bolsas e R$ 150 milhões em projetos.

Apesar da excepcionalidade, o presidente do CNPq garantiu o pagamento integral das bolsas nos próximos anos, mas alertou para a necessidade de incremento nos recursos do órgão. “O orçamento para 2025 já está sendo discutido e, se a comunidade cientifica não se movimentar pelo CNPq, ficaremos numa situação difícil. As bolsas estão garantidas, o problema é o fomento”, frisou.

Esse cenário é desafiador já que a visão de Galvão para o CNPq é de foco em fomento. Segundo ele, a missão original do órgão é o financiamento de projetos, mas outras demandas foram acumuladas com o passar das décadas. “Não queremos mexer nas diversas modalidades de bolsa, mas precisamos de mais orçamento para projetos. Sem isso, todo o sistema nacional de CT&I fica vulnerável”, argumentou.

Respondendo a uma crítica frequente sobre a diminuição no número de bolsas disponíveis, Galvão argumentou que alguns cursos tradicionais podem ter notado um recuo, mas que isso se deve a uma tentativa de atender também a cursos emergentes, muitos dos quais estão tendo acesso a bolsas pela primeira vez.

Chamada Universal

Um dos pontos que causou mais preocupação entre os debatedores foi a incerteza sobre a Chamada Universal do CNPq. De acordo com Galvão, os recursos atuais não lhe permitem garantir sua realização em 2024. Considerado o edital mais básico para o financiamento científico brasileiro, a chamada de 2023 pôde atender a apenas um quarto das solicitações, refletindo uma demanda represada graças à sua não realização em 2022.

Desde 2005, as verbas utilizadas na Chamada Universal eram provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o que, para o Acadêmico, ia contra sua missão de financiamento a projetos direcionados. Isso mudou em 2023, quando a chamada voltou a ser paga com verbas próprias do CNPq, o que a deixa ainda mais dependente da disponibilidade orçamentária do órgão.

Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT)

Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) são grandes redes temáticas de pesquisa que foram fundamentais para a consolidação de diversas áreas da ciência brasileira. Mas apesar de sua centralidade, os INCT passam por uma indefinição. Grande parte deles estarão vigentes apenas até novembro, e sua renovação passa pela realização de um novo edital.

Galvão garantiu que nunca cogitou acabar com o programa, mas que os INCTs oriundos do edital de 2014 terão de passar por uma nova avaliação e concorrer pela renovação. A verba para isso já existe – R$ 200 milhões oriundos do FNDCT – e a expectativa é de um novo edital em agosto. O Acadêmico também ventilou a possibilidade de extensão no prazo de execução dos recursos por três meses após novembro, mas sem aportes adicionais.

Interação com o setor privado

Respondendo a um questionamento de Renato Cordeiro sobre a indisposição do setor privado brasileiro para investir em pesquisa, Galvão se mostrou otimista. Ele afirmou que está em curso o Programa de Mestrado e Doutorado Acadêmico na Indústria (MAI/DAI), com investimento de R$ 76 milhões para que alunos desenvolvam projetos através de parcerias entre universidade e empresa. “Formamos 22 mil doutores todos os anos, enquanto a taxa de reposição na academia gira em torno dos 10 mil. Esses outros 12 mil precisam ir para o setor privado. Bolsa não fixa talentos, precisamos de mais posições permanentes”, analisou.

No Brasil, a maior parte dos doutores ainda está alocada no ensino superior, ao contrário da maioria das nações desenvolvidas. Por isso, Galvão defende o projeto de neoindustrialização do país, que deve ser feito com base em inovação para absorver esse contingente. “Acredito que as coisas estão mudando, muitos empresários já perceberam que não sobreviverão na economia do conhecimento se não forem disruptivos”.

Critérios de avaliação para bolsas e projetos

Em dezembro de 2023, o CNPq se viu em meio a uma polêmica quando uma pesquisadora teve sua aplicação para bolsa de produtividade negada por, segundo o parecer ad hoc, suas gestações terem ‘atrapalhado’ a realização de pós-doutorado no exterior. Após a repercussão do caso, o órgão desautorizou o parecer e estipulou que todos as análises deveriam estender em dois anos o prazo de avaliação em caso de gravidez ou adoção. Ricardo Galvão afirmou que essa recomendação já existia, mas que cabia aos comitês de assessoramento implementarem, o que se tornou obrigatório depois do episódio.

Outro ponto destacado foi a eliminação de algoritmos e critérios quantitativos para a exclusão de solicitantes antes da análise do mérito científico. Barreiras referentes a necessidade de ser bolsista de produtividade também foram derrubadas. “Se um bolsista de produtividade ainda tem preferência em editais, é um duplo benefício. Ele já ganha a bolsa, essa barreira adicional não se justifica”, avaliou Galvão.

Ciência Aberta: conquista ou ameaça?

Está em curso nos países desenvolvidos, sobretudo na Europa, uma transição para o acesso aberto de publicações científicas. Movimentos como o Plano S, que reúne financiadoras de ciência do continente, têm pressionado cada vez mais para que seus pesquisadores publiquem sem custos para o leitor. A consequência é que as grandes editoras científicas, como Springer e The Lancet, estão aumentando os preços para publicar em suas revistas, os chamados Article Processing Costs (APC).

Países de renda média, como o Brasil, estão sofrendo os piores impactos dessa transição. Grandes revistas, como a Nature, já estão com APCs que giram em torno dos €10 mil, ou seja, mais de R$55 mil. A pesquisadora Thaiane Oliveira, afiliada da ABC, afirmou que o impulso ao acesso aberto está excluindo a América Latina, que, paradoxalmente, é berço de iniciativas pioneiras de acesso aberto, como a SciELO. “Pouco falamos sobre o fortalecimento dessa infraestrutura”, cobrou.

Ricardo Galvão deixou claro que essas transformações ameaçam a ciência nacional, mas que é inconcebível para o CNPq assumir funções de repositório de dados e artigos. “Ciência aberta não é só sobre publicações em revistas, é sobre capacidade computacional e de curadoria de dados. Na Europa, as próprias universidades criam seus repositórios com apoio das agências. Precisamos avançar essa discussão no Brasil”, sugeriu.

Galvão também opinou que a mudança no modelo do Periódicos Capes deve representar um custo muito maior para o Brasil. “No modelo atual a Capes gasta cerca de 5 milhões de reais por ano para termos acesso aos artigos. Só o novo convênio com a Springer para subsidiar os APCs nessas revistas deverá custar R$ 17 milhões em 2029. Quem realmente está pagando pela ciência aberta?”, indagou.

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