O Brasil enfrentou quatro anos de profundos ataques contra a ciência. O governo anterior não representava apenas austeridade orçamentária, mas oposição ideológica ao conhecimento científico e as instituições de ensino públicas. Logo em 2019 a comunidade científica brasileira percebeu a necessidade de mobilização junto ao Congresso para enfrentar os ataques, e então foi criada a Iniciativa pela Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP).
O grupo é composto por nove associações representativas da ciência nacional, entre elas a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Para debater o papel da ICTP, foi organizada uma mesa redonda na 75ª Reunião Anual da SBPC. O debate contou com a presidente da ABC, Helena Nader, a diretora da SBPC Fernanda Sobral, o reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ex-presidente da Andifes, Ricardo Marcelo Fonseca e o deputado federal Aliel Machado (PV-PR).
O deputado Aliel Machado (PV-PR), que presidiu a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) em 2021, destacou o papel que a comissão teve na luta contra bloqueios do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), na proibição do cancelamento de bolsas na pandemia e na garantia de recursos para as universidades federais. “Apesar do momento grave, a comissão, composta por parlamentares de vários partidos, foi unânime na defesa das vacinas e dos recursos para a ciência”, afirmou.
A comissão foi dividida em 2023 e agora Ciência e Tecnologia tem uma comissão permanente própria na casa. Como a maior parte das deliberações no Congresso não se dão em plenário, ter uma comissão temática própria para a área é uma vitória da comunidade científica.
As lutas no Congresso se deram graças à ação coordenada das instituições que compõem o ICTP. A então vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, listou os inúmeros posicionamentos do grupo desde agosto de 2022, como os posicionamentos contra os bloqueios do FNDCT, contra a MP da Sucata – a medida provisória que retirava recursos de pesquisa e aplicava no desmonte de caminhões – e contra a retirada de R$ 500 milhões das universidades.
Com a transição, o grupo continuou atuando, dessa vez na luta pela reconstrução da ciência brasileira e na elaboração de propostas e prioridades. Dois exemplos são as notas pedindo que a ciência ficasse de fora dos limites impostos pelo novo arcabouço fiscal e a defesa da permanência de Luciana Santos à frente do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “Passamos de uma atuação de redução de danos para um papel mais propositivo”, disse Sobral.
O reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, que presidiu a Andifes durante o período, disse que o novo momento pede que a comunidade científica se mobilize não apenas pela recuperação orçamentária das universidades, mas também pela recuperação simbólica. “O governo mudou, mas o discurso de ódio contra as universidades persistiu em alguns setores da sociedade. Temos que trabalhar para recuperar a imagem dos cientistas e professores, eles têm que ser vistos como heróis”.
Fonseca defendeu o aumento nos recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sobretudo no aumento das bolsas. Mas lembrou que as universidade também precisam ser contempladas. “As universidades federais também pagam bolsas de iniciação científica, de extensão e de assistência estudantil. É preciso atender a todos. Já tivemos reitorias ocupadas em alguns lugares do Brasil por causa disso”, lembrou.
A presidente da ABC, Helena Nader, foi a última a falar e tratou do futuro. Ela argumentou a favor da inclusão da pós-graduação e pós-doutorado na contagem previdenciária, como já ocorre na maioria dos países desenvolvidos. Para ela, o papel do ICTP agora é trabalhar prioridades. “A próxima Lei de Diretrizes Orçamentárias está chegando e precisamos ter clareza de para onde queremos ir”, afirmou.
Nader ressaltou a importância de se investir nos jovens. “A janela demográfica do Brasil está se fechando, essa nova geração é a nossa última chance de nos tornarmos um país desenvolvido antes de nos tornarmos um país envelhecido”.