Durante a 74ª Reunião Anual da SBPC, a Sociedade Brasileira de Bioquímica (SBBq) organizou a mesa “A importância da ciência e da tecnologia para a independência do país”, que aconteceu de forma remota no dia 27 de julho. Foram convidados o vice-presidente da ABC a para a Região de São Paulo, Glaucius Oliva (IFCS-USP); o Acadêmico e presidente da Embrapii, Jorge Almeida Guimarães, e a Acadêmica Alicia Kowaltowski (USP), também membros titulares da ABC. A moderadora foi Lena Vieira (UFMG), presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica (SBBq). 

Ciência jovem e poucos cientistas 

Para a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil, deve também ser levado em conta o saldo de iniquidades que se acumularam e que as políticas públicas foram incapazes de resolver. Entre elas, está a distorção da distribuição de renda: tal circunstância e o descuido na educação inviabilizaram o desenvolvimento econômico e social do país, de acordo com o Acadêmico Jorge Almeida Guimarães. “Isso resultou também no dramático fracasso na educação. 7% de analfabetos absolutos, 29% de analfabetos funcionais e a ‘geração nem-nem’”, aponta o pesquisador, mencionando que os números são ainda mais altos quando se analisa apenas a população negra. Enquanto isso, na Coreia do Sul, 70% da população entre 25 e 34 anos tem nível superior.  

No entanto, mesmo jovem – a Academia Brasileira de Ciências, por exemplo, existe desde 1916 – e com pouco investimento, a ciência brasileira já conseguiu produzir impactos importantes. No entanto, o caminho para atingir a excelência ainda é longo. Apesar de perder no quesito qualitativo, no ranking quantitativo de pesquisas científicas, o Brasil ocupa a 13ª posição; estabelecendo um alto contraste com os números de inovação, onde ocupa o 57º no índice global publicado em 2021.  

De acordo com o Acadêmico, isso tem a ver com o afastamento entre as universidades – onde ocorre a pesquisa científica – e as indústrias – que poderiam transformar esse conhecimento em produção tecnológica. Além disso, há também a demora de mais de quatro séculos para a implantação das atividades científicas no país. Hoje, o Brasil conta com 880 pesquisadores a cada 1 milhão de habitantes: um número irrisório para atender as demandas do país.   

Oliva afirma que, nos países que estão se tornando referência em produção científica, quem mais emprega pesquisadores em tempo integral são as indústrias: na União Europeia, por exemplo, 55% dos pesquisadores dos 27 países são empregados pela indústria; 72% nos Estados Unidos; e 82% na Coreia do Sul. Nos dados mais recentes, de 2014, a indústria brasileira empregava apenas 27% de seus pesquisadores. 

O novo normal dos cientistas 

Para Oliva, um dos principais empecilhos para o avanço da ciência no país é a falta de estabilidade nos recursos. “A pessoa pode até ter poucos recursos, mas se souber que vai poder contar com eles efetivamente, vai buscar uma maneira de se planejar. O problema que tem acontecido no Brasil são essas oscilações graves. Em setembro de 2018, por exemplo, os bolsistas de pós-graduação e de iniciação científica do CNPq não sabiam se suas bolsas dos últimos meses do ano seriam pagas.” 

No atual cenário científico brasileiro, muitas coisas preocupam o cientista: desde o bloqueio dos mais de R$2,5 bilhões do FNDCT (que supostamente serão liberados em breve) até a forte onda negacionista (que inclui fake news, terraplanismo e inúmeras teorias da conspiração), que são os novos desafios da ciência dentro da própria sociedade brasileira. Oliva aponta o caminho a seguir nesse período conturbado: “O que nós, como comunidade científica, podemos fazer, é resistir. Temos que sobreviver nesse cenário, não deixando que esse complexo sistema nacional de ciência e tecnologia, construído ao longo de décadas com o esforço de inúmeras pessoas, se acabe.”  

Oliva destacou que antes, o normal para um cientista era encarar sua missão: estar no laboratório, fazer boa ciência e orientar os alunos. “Mas o ‘novo normal’ vem exigindo nossa participação ativa em todos os espaços possíveis da sociedade”, apontou, ressaltando a necessidade de divulgar a importância da ciência no cotidiano. Ele também alertou para a necessidade de maior engajamento político – tanto através de ações constantes junto a parlamentares, como por meio do voto em candidatos comprometidos com pautas de CT&I ou educadores. 

Desafios para publicações 

Um problema internacional que afeta os cientistas atualmente diz respeito às publicações de acesso aberto. Democratizar o acesso a conteúdos científicos é um sonho para muitos pesquisadores; no entanto, segundo Alicia Kowaltowski, o que tem acontecido até agora é uma transição impensada e muito rápida para as publicações de acesso aberto. “Esse é um problema internacional, que está se tornando uma barreira para publicação”, comentou a Acadêmica. “Isso vem de uma ganância do mercado editorial associado a um problema de ego nosso, dos cientistas. Estamos querendo publicar em determinados lugares, que têm mais qualidade, o tempo todo.” 

Para a pesquisadora, a rápida expansão do open access tem a ver com os altos valores para ler e conseguir publicar artigos. As cobranças, que chegavam a ultrapassar 2 mil dólares, se tornou insustentável para muitos pesquisadores, assim como pagar assinaturas de diversos periódicos para conseguir acessar o conteúdo sem paywall. Visando driblar esses fatores, o open access cresceu sem se importar com fatores importantes, como os altos índices de pirataria . 

. “A situação que estamos vivendo hoje é inaceitável. Precisamos repensar onde vamos publicar os nossos artigos”, apontou Kowaltowski. Por um lado, pesquisadores querem boas carreiras para os estudantes, mas, por outro lado, não podem – e nem devem – aceitar o preço abusivo para enviar artigos para revistas. Uma sugestão oferecida pela pesquisadora, já proposta para a Capes, é a assinatura das revistas em troca do direito de que qualquer pesquisador brasileiro poder publicar artigos open access sem pagar. 

Assista à gravação completa da sessão.