Os participantes da mesa Jaqueline Godoy Mesquita, Paolo Piccione, Walcy Santos, Carlos Alexandre Netto, Alessandro Freire e Miriam Pereira.

Para além dos corredores da Universidade de Brasília, a 74ª Reunião Anual da SBPC contou também com uma série de paineis virtuais, que expandiram ainda mais os debates. Na terça-feira, dia 26/7, a mesa “Os impactos da pandemia na saúde mental nos programas de pós-graduação”, moderada pelo membro titular da ABC e presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), Paolo Piccione, contou com participação dos Acadêmicos Carlos Alexandre Netto (UFRGS) e Jaqueline Godoy Mesquita (UnB), além dos pesquisadores Alessandro de Oliveira Gouveia Freire (IDP), Miriam da Silva Pereira (UFPB) e Walcy Santos (UFRJ). A mesa foi organizada pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).

A relação entre academia e aluno 

O período da pós-graduação é naturalmente difícil para os alunos. É uma jornada extremamente desafiadora, que marca uma transição pessoal do estudante para se tornar um profissional. Além disso, é um momento de muitas incertezas quanto ao fazer científico – e conviver com a incerteza não é nada fácil.  

Durante a pandemia, com o distanciamento social e com muitos pesquisadores afastados de seus laboratórios, o sentimento de solidão acabou tornando-se universal: “Para algumas pessoas, o isolamento se transformou em abandono. E sentir-se sozinho numa situação de ameaça é das piores coisas que pode acontecer”, destacou Carlos Alexandre Netto. “Além disso, todos nós sofremos muitas perdas, algumas pessoas muito mais do que outras. Não apenas perdas afetivas, mas também perdas financeiras.” 

Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pressão pelo sucesso é um dos principais fatores que afeta a saúde mental dos estudantes da pós-graduação, constantemente empenhados em produzir um bom projeto que resulte em trabalhos publicados. “Às vezes, há uma grande competição numa determinada área de pesquisa, ou até mesmo dentro do próprio grupo de pesquisa. Com isso, o estudante acaba se isolando, o que obviamente não faz bem”, comentou o professor. A dificuldade financeira é outro dos principais desafios enfrentados pelos pós-graduandos. “Com os valores das bolsas congelados objetivamente desde 2013, é cada vez mais difícil que os alunos consigam se sustentar e sustentar suas próprias pesquisas”, observou Carlos Alexandre Netto

Apesar das dificuldades enfrentadas por alunos de todos os cursos, no campo da matemática a situação parece ter sido ainda mais complicada, de acordo com a membra afiliada da ABC Jaqueline Godoy Mesquita. A professora da UnB contou que, ao longo do isolamento, os índices de evasão no curso foram bem altos: a falta de contato com os colegas em sala de aula, algo que fazia a diferença na hora de solucionar problemas, foi um agravante. 

Segundo Mesquita, que atua também numa linha de pesquisa sobre gênero e parentalidade na academia, a pandemia escancarou ainda mais essa questão das desigualdades. Para o futuro, é importante pensar em ações focadas nos pós-graduandos, além de levar em contas as questões raciais, os deficientes visuais e auditivos – um desafio importante no campo da matemática.  

“Hoje sentimos bastante os efeitos da pandemia. Esses efeitos vão durar bastante tempo, então é importante que pensemos não apenas em ações para melhorar essa formação no dia de hoje, mas sim no longo prazo, quando teremos grandes desafios”, defendeu Mesquita, citando a importância da promoção de eventos e congressos. Para ela, esse é um fator chave para promover a interação entre os alunos de graduação e pós-graduação. 

De acordo com Netto, mesmo com os dois anos de pandemia o Brasil produziu poucas pesquisas sobre a saúde mental nas instituições de ensino superior, assim como também promoveu iniciativas insuficientes para acolher os alunos. Uma survey realizada com 2.200 alunos de mestrado e doutorado da Universidade do Texas durante a pandemia apontou que as alternativas assinaladas por 41% dos entrevistados foram compatíveis com ansiedade, enquanto 39% eram associadas a depressão. Netto destacou a urgência de estudos como este no Brasil. “Essa tendência preocupante deveria ser analisada também no Brasil pós-pandêmico, especialmente levando em conta a grande onda de negacionismo e fake news que esgotou mentalmente nossos cientistas.” 

Visando alterar este estigma, Paolo Piccone, presidente da SBM, propôs uma pesquisa institucional para analisar o que está acontecendo com os alunos da pós-graduação e como eles foram afetados pelo período de pandemia. A pesquisa está em andamento, mas alguns dos principais temas abordados – como o que fazer para tornar a pós-graduação um período mais agradável para os alunos – foi debatido durante a mesa redonda. 

Retomada ao presencial e perspectivas para o futuro 

Com o retorno gradual das atividades presenciais, Netto listou uma série de fatores que podem ajudar os alunos a reestabelecerem sua saúde mental enquanto conciliam o período pós-pandêmico e os estudos. Primeiramente, manter a vida social e afetiva, além de manter hábitos saudáveis, como a prática regular de atividades físicas e de redução do estresse, como meditação. “Tem uma frase traduzida do inglês que diz “é ok não estar ok’. E é isso mesmo, sabe? Ninguém precisa estar sempre bem a vida toda. Há momentos de crise, momentos de dificuldade. E se eu me sinto mal com isso, preciso procurar ajuda”, disse o professor, destacando o papel essencial dos orientadores no apoio à saúde mental dos estudantes. “O orientador precisa ouvir; mas não apenas isso. Precisa também observar e perceber o comportamento do seu orientando. É tentar entender, ou pelo menos vislumbrar, o que está passando na cabeça e no coração do seu aluno”, completou. 

Para Jaqueline Mesquita, é importante que as ações não estejam limitadas a um grupo de pesquisa. É necessária a promoção de ações locais, adequadas às demandas de cada grupo, assim como a integração com outras universidades e programas de pós-graduação.

No fim das contas, Netto afirmou que o importante é que os alunos de pós-graduação saibam que não estão sozinhos: “Seus sentimentos não devem levá-los a desenvolver pensamentos que o imobilizem, que atrapalhem suas vidas, tanto na pesquisa como nas relações pessoais.  Os estudantes precisam saber que podem buscar apoio, buscar ajuda. Precisam se sentir acolhidos, abrigados, também pelas instituições.” 


Assista à gravação completa da sessão.

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