O desenvolvimento da ciência para a solução de problemas globais requer colaboração global. E o Brasil não pode ficar fora da ciência mundial: pelo contrário, precisa ampliar sua participação. Essa foi a premissa básica da sessão “Grandes Projetos de Cooperação Internacional da Ciência Brasileira”, no segundo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, na Universidade de Brasília (UnB).

Os palestrantes foram o físico Luiz Davidovich, ex-presidente da ABC e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),  o biólogo Aldo Malavasi, professor titular aposentado do Departamento de Genética da Universidade de São Paulo (USP) e o Acadêmico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende. A apresentação de Rezende estará detalhada em outra matéria no site da ABC

Aldo Malavasi, Paulo Artaxo, Luiz Davidovich e Sergio Rezende

Atuação internacional de longo prazo de instituições brasileiras: agricultura e saúde

Luiz Davidovich ressaltou a atuação internacional de longo prazo de instituições brasileiras em áreas diversas. Na agricultura, citou a Embrapa, empresa voltada para a inovação, que foca na geração de conhecimentos e tecnologias para a agropecuária brasileira e tropical de modo geral, fundada em 1973.

Mantendo permanente diálogo com produtores, organizações científicas e lideranças do Estado e da sociedade civil, a Embrapa se pauta por excelência científica em pesquisa agropecuária, qualidade e eficiência produtiva em cultivos e criações, sustentabilidade ambiental, cuidado com aspectos sociais e parcerias com o setor produtivo. Conta com Unidades Mistas de Pesquisa e Inovação em todo o país e com 43 unidades descentralizadas, dedicadas áreas específicas. Conheça todas aqui.

Hoje a Embrapa está no mundo, com 78 acordos bilaterais com 89 instituições em 56 países, acordos multilaterais com 20 organizações internacionais, assim como redes de pesquisa.

Na área da saúde – que seria apresentada pelo Acadêmico Carlos Morel, impedido de comparecer – Davidovich destacou a atuação do Instituto Butantan e da Fiocruz. Esta última, “casa” de Morel, mantém intercâmbio com instituições de saúde e de ciência e tecnologia em diversos países. Essa atividade é coordenada pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris), que mantém um boletim internacional de notícias. “Quem imaginaria que aquelas duas instituições fundadas no início do século XX dariam origem ao maior sistema de saúde do mundo, o SUS, que está sendo atacado constantemente por negacionistas contra ciência. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, de acordo com a Constituição brasileira”.

Referiu-se também ao INCT BioSyn, um consórcio formado por cerca de 200 cientistas de 100 instituições e empresas em 15 países diferentes. Este projeto tem participação da Embrapa, da Fiocruz e do Instituto Tecnológico Vale. Seu objetivo é o desenvolvimento de plataformas tecnológicas para geração de ativos e agregação de valor à biodiversidade, por meio da biologia sintética, a qual demanda integração multidisciplinar, com vistas a projetar e desenvolver a engenharia de componentes bionanomoleculares, rotas e sistemas biológicos e reprogramar organismos. A engenharia de organismos e sistemas biológicos deverá ter implicações importantes socioeconômicas e ambientais. A engenharia de circuitos genéticos, biológicos e módulos de vias sintéticas está começando a solucionar alguns dos desafios cruciais e sendo usado em aplicações práticas em diferentes setores de produção.

Davidovich apontou ainda o trabalho do Centro Brasil-China de Genômica, liderado por Morel, colaboração envolvendo o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz com o Projeto Viroma Global, a Fundação para Novos Diagnósticos Inovadores (FIND, na sigla em inglês), a Academia Chinesa de Ciências (CAS, na sigla em inglês) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) da China.

Atuação internacional de longo prazo de instituições brasileiras: física

Na área da física, Davidovich destacou alguns grandes centros brasileiros produtores de conhecimento de nível internacional, como o Sirius, equipamento de grande porte usa aceleradores de partículas para produzir um tipo especial de luz, chamada, luz sincrotron. Essa luz é utilizada para investigar a composição e a estrutura da matéria em suas mais variadas formas, com aplicações em praticamente todas as áreas do conhecimento.

O Sirius permite que centenas de pesquisas acadêmicas e industriais sejam realizadas anualmente, por milhares de pesquisadores, contribuindo para a solução de grandes desafios científicos e tecnológicos, como novos medicamentos e tratamentos para doenças, novos fertilizantes, espécies vegetais mais resistentes e adaptáveis e novas tecnologias para agricultura, fontes renováveis de energia, entre muitas outras potenciais aplicações, com fortes impactos econômicos e sociais.

Satélites e grandes telescópios: parcerias internacionais

O Brasil faz parte de diversas iniciativas em satélites e grandes telescópios. As pesquisas nessas áreas envolvem a busca de planetas extra-solares, pesquisa em química e população estelar, entendimento do processo de construção de galáxias, estudo do crescimento dos buracos negros e a física cosmológica, entre outros.

Davidovich citou o projeto China-Brasil de Satélites de Pesquisa da Terra (CBERS, na sigla em inglês), coordenado por Ricardo Galvão; o projeto Plato, da Agência Espacial Europeia, uma parceria entre o Brasil e mais 13 países europeus para promover a descoberta de exoplanetas; a Rede Nacional de Física de Altas Energias (Renafae), que envolve projetos em parceria com diversas agências e centros internacionais de pesquisa; quatro experimentos do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), que é o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo;  o Observatório Auger, que é a maior instalação do mundo voltada para a detecção e o estudo de raios cósmicos de altíssima energia; o Telescópio Bingo, colaboração que envolve Brasil, Arábia Saudita, Reino Unido, Suíça e Uruguai e tem como motivação científica a detecção de oscilações acústicas que permitem medir a expansão do Universo; o Deep Underground Neutrino Experiment (DUNE, sigla em inglês): estudo da física de oscilação de neutrinos, relacionado à estrutura da matéria e à evolução do Universo, que conta com mais de 1000 colaboradores de 175 instituições e 32 nações diferentes; o Grande Arranjo Milimétrico Latino-Americano (Llama, na sigla em inglês), radiotelescópio construído em parceria do Brasil com a Argentina, entre outros.

CBERS, LHC, Auger e Bingo
DUNE

Por fim, Davidovich destacou que, apesar de tudo a que a ciência brasileira vem sendo submetida, o país tem pesquisadores engajados em diversas pesquisas internacionais, como demonstrou. Porém, é preciso apoiar e desenvolver essas parcerias. “Sinto falta de redes de pequenos projetos integradas aos grandes projetos. Sinto falta de projetos em outras áreas e com países latino-americanos. “Uma colaboração maior com esses países nas áreas de ciências sociais, por exemplo, seria muito importante, dadas as afinidades que temos”, concluiu Davidovich.

Energia nuclear

Doutor em genética pela Universidade de São Paulo (USP), onde atuou como professor titular de Genética e Biologia Evolutiva até 2005, Aldo Malavasi é vice-diretor geral e chefe do Departamento de Ciências Nucleares e Aplicações da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, sigla em inglês), sediada em Viena, na Áustria. A agência é responsável por grandes projetos de cooperação técnica internacional em energia atômica

De acordo com Malavasi, as aplicações nucleares fazem parte da vida de vários países. Dentre elas, podem ser destacadas a utilização em produtos de consumo que usam pequenas quantidades de radiação – desde detectores de fumaça até fotocopiadoras e relógios; o uso de radiação para ajudar a preservar diferentes variedades de alimentos e erradicar espécies de insetos de pragas; uso industrial de materiais radioativos em processos e produtos de empresas do setor automotivo, aéreo, de mineração, petróleo e construção civil; em medicina nuclear; na exploração espacial, pois as naves não tripuladas usam calor do plutônio para gerar eletricidade; e na dessalinização da água, que extrai o sal da água do mar para produzir água potável, usando energia nuclear.

As aplicações nucleares são embasadas em três pilares: segurança, ciência e tecnologia.  Um produto de muito interesse para o Brasil são os pequenos e os micro reatores modulares (SMR, sigla em inglês), que por meio de fissão nuclear produzem eletricidade suficiente para abastecer pequenas cidades de modo sustentável e não poluente. “São fáceis de construir, transportar e instalar em locais de pouca acessibilidade, e podem conectar a Amazônia”, explicou o palestrante.

Com relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a energia nuclear, a energia nuclear conversaa com o ODS 7 (energia limpa e acessível), com o ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e com o ODS 10 (ação climática).

Em 2020, a IAEA estabeleceu parceria com 24 países em projeto que vai até 2024. Os países parceiros são Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, China, Croácia, Estados Unidos, Espanha, Finlândia, França, Gana, Indonésia, Japão, Jordânia, Marrocos, Paquistão, Polônia, Reino Unido, República da Coreia, República Tcheca, Sri Lanka e Turquia.


Leia a matéria Grandes Projetos de Cooperação Internacional da Ciência Brasileira II


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