Nesta quinta-feira, 28 de julho, aconteceu o penúltimo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). O membro titular da Academia Brasileira de Ciências Alexander Kellner esteve junto à membra afiliada Taissa Rodrigues e ao professor Antonio Alamo Feitosa Saraiva, da Universidade Regional do Cariri (Urca), para uma importante mesa-redonda sobre Descolonização da Paleontologia Brasileira

O Brasil possuí um patrimônio riquíssimo em fósseis e aqui foram feitas algumas das mais importantes descobertas de seres vivos que habitavam a Terra há muitos milhares de anos. Esse registro é inestimável para o estudo da evolução biológica e até geológica do planeta, além de gerar um fascínio ímpar no público em geral. “Não é preciso lembrar do gosto que as crianças têm por dinossauros e outros animais de grande porte. Isso é porta de entrada para os estudos, principalmente em regiões carentes”, disse Kellner

Tráfico de fósseis 

Mas não são apenas crianças que são atraídas por fósseis. A demanda de colecionadores e até mesmo instituições de pesquisa do exterior, aliada à fraca fiscalização, criam um tráfico intenso desse patrimônio para fora do país. Para se ter uma ideia, em 2022 a França está trabalhando na devolução de 999 fósseis brasileiros do período Cretáceo que foram encontrados em uma loja particular. Outro exemplo foi um colecionador que pediu para ser enterrado com um fóssil de Archaeopteryx, um patrimônio valiosíssimo que poderia ajudar a ciência a entender mais sobre a ligação entre os dinossauros antigos e as aves modernas. “Sem dúvida as coleções particulares são os casos mais graves, pois esses materiais simplesmente somem”, alertou Taissa Rodrigues. 

 

 

O professor Antonio Alamo Feitosa trazendo um questionamento crucial para o debate

Os três palestrantes foram unânimes em condenar o comércio de fósseis e os pesquisadores brasileiros que facilitam essa prática. Também foram tecidas duras críticas à Agência Nacional de Mineração (ANM), que é o órgão responsável pelo controle desse patrimônio brasileiro. Para os cientistas, é um erro ter uma agência responsável apenas pela extração, sem maiores preocupações com defesa e fiscalização quando o fóssil sai da rocha. “Hoje a ANM tem apenas três paleontólogos contratados e não é como se faltasse mão-de-obra qualificada no Brasil”, resumiu Rodrigues. 

Regulação ainda deficiente 

O fluxo de patrimônio paleontológico para o exterior é histórico e remete ao Brasil Colônia e Império. O dinamarquês Peter Lund, considerado pai da paleontologia brasileira, enviou uma coleção inestimável de ossadas para o Museu de Copenhague na década de 1820, que foi inclusive citada por Charles Darwin no livro “A Origem das Espécies”. Naquela época, essa era uma preocupação compreensível, dada a falta de condições adequadas para armazenamento no Brasil. O problema é quando esse fluxo continua, mesmo quando o Brasil passa a formar seus próprios paleontólogos e instituições de pesquisa. “Precisamos urgentemente descolonizar a paleontologia brasileira e nos comportarmos como país soberano”, afirmou Alamo Feitosa. 

A primeira regulação brasileira sobre o tema data de 1942. Trata-se de um Decreto-Lei assinado por Getúlio Vargas, que determina que depósitos fossilíferos são propriedade nacional e outorga o controle da extração de fósseis ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual ANM. Em 1973 o país ratificou a Convenção da Unesco para o combate do tráfico de bens culturais e, em 1988, com a nova Constituição, definiu sítios paleontológicos como patrimônios culturais brasileiros. Entretanto, Taissa Rodrigues afirma que a definição legal de vários termos ainda é vaga, e que faltam normas que regulem melhor coleções privadas e o transporte de fósseis. 

Alexander Kellner defendeu a liberdade que a legislação atual confere aos cientistas nacionais e concordou que ainda faltam, principalmente, punições mais rígidas para quem facilita o tráfico de fósseis. “Por sua posição privilegiada, os pesquisadores devem ser mais rigorosamente punidos quando auxiliam na retirada desses materiais do Brasil”, enfatizou. 

Papel dos periódicos 

O tráfico de fósseis vem ganhando visibilidade desde os anos 2000 e são vários os casos que apareceram na mídia gerando algum tipo de comoção. Alamo enfatizou a necessidade de paleontólogos se engajarem nesse debate, denunciando práticas antiéticas de pesquisadores estrangeiros e periódicos científicos, e trazendo o debate para além da comunidade científica.  

Para Kellner, o mais eficaz é retirar do ar as publicações feitas com material traficado. “Isso dói no cientista”, afirmou. “É muito constrangedor ter um artigo retraído, ainda mais por questões éticas e legais”, lembrou, citando casos de fósseis que só foram recuperados mediante ameaça de despublicação. 

A mensagem que ficou da mesa-redonda foi que defender a paleontologia brasileira é lutar por mais investimento na exploração dos riquíssimos sítios que possuímos, combatendo o tráfico e repatriando fósseis brasileiros no exterior. Só assim aumentaremos as coleções nacionais e tornaremos nossos museus ainda mais atrativos, fazendo rodar economias locais baseadas no turismo e na cultura e estimulando crianças e jovens a escolherem a ciência e a educação como motores de transformação do futuro. 


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