A Acadêmica Maria Fátima Grossi de Sá durante a 74ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

Nesta quarta-feira, 27 de julho, acontece o terceiro dia de atividades da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). A membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisadora da Embrapa Maria Fátima Grossi de Sá ministrou uma conferência sobre ativos biotecnológicos aplicados a pragas em culturas relevantes para o agronegócio, que foi coordenada pelo também Acadêmico Carlos Frederico Menck

Controle de pragas na agricultura brasileira 

Não é novidade que o agronegócio é a atividade de maior destaque da economia brasileira, e uma das grandes razões para o país manter uma balança comercial positiva. Em 2020, esse setor foi responsável por 26% do PIB nacional, e a necessidade de aumentar a produção deve se manter com o vertiginoso crescimento da população mundial. Entretanto, os impactos ambientais que essa atividade gera também são conhecidos, sobretudo quando avança sobre áreas protegidas ou realiza uma aplicação indiscriminada de agrotóxicos. Conciliar essas duas necessidades conflitantes é um dos mais importantes desafios do país para o século XXI. 

De acordo com a Food and Agriculture Organization (FAO), pragas agrícolas são responsáveis pela perda de 40% da produção mundial todos os anos, e seu controle gera um custo anual que gira em torno de 70 bilhões de dólares. A forma mais utilizada para controlar esse problema são os pesticidas, mas não sem consideráveis problemas colaterais. A organização estima que 64% da agricultura mundial esteja em risco de poluição por esses ativos. “Há a necessidade urgente de novas alternativas”, sumarizou Grossi. 

Mas para que essas alternativas se concretizem, é preciso muita ciência e tecnologia. A Acadêmica faz parte do INCT PlantStress Biotech, um dos 11 INCTs focados no desenvolvimento de inovações para a agropecuária. Esses institutos atuam no desenvolvimento de moléculas e também na criação de cultivares geneticamente modificados, visando aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais. 

O caso do bicudo-do-algodoeiro e RNAs de inteferência 

O Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de algodão, cuja produção se concentra, principalmente, nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia. Cerca de 96% do algodão brasileiro é geneticamente modificado, muito acima da média mundial, e, mesmo assim, 25% dos custos produção vão para o controle de pragas. 

Um dos maiores vilões é o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), um pequeno besouro capaz de destruir 70% da colheita em uma única safra. Ainda não existem cultivares resistentes ao bicudo, cujo controle acaba dependendo inteiramente de pesticidas. “Estamos utilizando hoje praticamente as mesmas toxinas usadas há 20 anos atrás”, conta Fátima Grossi. Essa situação gera um contínuo aumento na resistência desses insetos, que são combatidos pela utilização cada vez maior de agrotóxicos. 

Uma tecnologia promissora que vem sendo testada pelos INCTs é a de RNAs interferentes (RNAi), que são pequenas sequências de RNA que atuam no silenciamento de genes, e podem ser utilizadas para alterar diferentes mecanismos fisiológicos do inseto. Por serem moléculas naturalmente presentes nos seres vivos, esses RNAs são muito menos tóxicos para os seres humanos e para o meio ambiente. 

Os RNAi foram descritos apenas em 1998, e as pesquisas sobre suas aplicações ainda são muito recentes. “Até a regulação ainda é pouco desenvolvida”, explica Grossi, o que gera uma série de inseguranças jurídicas, sobretudo quanto à caracterização ou não de cultivares que internalizem essa tecnologia como geneticamente modificados. “Isso é crucial para a utilização em mercados como o europeu, que são muitos resistentes a organismos transgênicos”, explica a Acadêmica. 

Mas a maior parte da aplicação dos RNAi ainda é feita de forma tópica, ou seja, borrifados no exterior das plantas. Esse tipo de abordagem gera uma série de problemas, principalmente pelo fato dessas moléculas serem muito frágeis e facilmente degradadas pelo ambiente, pelos insetos ou mesmo pelas próprias plantas. No caso do bicudo-do-algodoeiro ainda existe uma complicação adicional, que é a variação de pH entre as diferentes partes do sistema digestivo do besouro, trazendo problemas para a solubilidade dos ativos. “Estamos testando diferentes estratégias, como a utilização de RNAs dupla-fita, o englobamento das moléculas em nanopartículas de lipídio, além do estudo da variabilidade genética dos insetos alvos para construirmos moléculas cada vez mais específicas”, contou a palestrante. 

Esse caso é elucidativo para mostrar como o investimento em ciência é crucial para o desenvolvimento de novas abordagens para problemas antigos, gerando soluções inovadoras e sustentáveis. Só através da pesquisa seremos capazes de aumentar a produtividade, ao mesmo tempo em que reduzimos impactos e custos desse importante setor da economia nacional. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC