Dentre as causas ambientais, não há nada que mate mais pessoas do que a poluição do ar. Estima-se que mais de 7 milhões de pessoas no mundo morrem, por ano, em decorrência do ar poluído, sendo que 600 mil são crianças. Esses foram os dados que pautaram a Conferência Magna do Acadêmico, Paulo Saldiva, na Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências. A palestra ocorreu no dia 16 de maio, no Museu do Amanhã. O médico mostrou as causas e consequências desse grande número de mortes, que já ultrapassou a quantidade somada de mortos por malária e diarreia.

As cidades cresceram e, consequentemente, a demanda por conforto também. Com isso, tornou-se necessária uma intensificação na queima de carvão e óleo, para abastecer a produção, e foi criado um padrão de consumo maior que o necessário. “Há uma obsolescência que nos faz consumir mais do que precisamos e que incorpora esse consumo excessivo no nosso conjunto de valores”, conta Saldiva.

As cidades mais consolidadas são aquelas em os serviços se concentram, e estes se instalam nos locais com melhor acesso e melhor mobilidade urbana. Aqueles que não conseguem se sustentar nesses lugares são deslocados para as periferias, devido a um processo que Saldiva chama de “tratar o solo urbano como uma commodity”.  Ao invés de ser tratado como uma mercadoria, ele acredita que o solo das cidades deveria ser considerado como um bem comum, assim como o ar, a água e o conhecimento.

 

Quais são os limites para os níveis de poluição no ar?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições estabeleceram alguns indicadores relativos aos padrões aceitáveis de qualidade do ar. Para o doutor em medicina, não é possível determinar um nível que seja totalmente seguro para a população, porque não se trata apenas da concentração de poluição nessa área, mas da vulnerabilidade dos receptores. “Uma mulher grávida deixa de tomar remédios que para ela não fazem mal algum porque aquele feto, em um momento de formação, é uma janela de vulnerabilidade, por exemplo”, apontou o Acadêmico, que é diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo desde 2016.

Em um corredor de ônibus em São Paulo, há picos de 120 a 300 microgramas de material poluente por metro cúbico, o que equivale a uma concentração de 6 a 15 vezes mais do que o padrão estabelecido pela OMS. “Saíram as chaminés das indústrias e as vias de tráfego se tornaram as próprias chaminés”, compara o Acadêmico. A emissão de gases dos veículos foi reduzida, mas o número de veículos e o tempo que se permanece no trânsito aumentou, devido à maior distância entre os lugares e a velocidade reduzida para encarar os engarrafamentos. “Isso tem um efeito perverso, porque quem é pobre vai morar mais longe e, consequentemente, vai receber mais doses de poluição, por mais que as regiões de moradia não tenham uma concentração muito alta no geral”, conta.

Nesse processo, há grandes perdas: perda de sono, porque esse cidadão acorda mais cedo e chega em casa mais tarde, perda de condicionamento físico e obesidade, uma vez que muitos empregos não envolvem esforço físico e o carro também trouxe certo sedentarismo. De acordo com o mapa de distribuição de dióxido de nitrogênio em São Paulo, retirado da Environmental Research” e apresentado por Saldiva, a poluição está concentrada nos locais onde há maior densidade de trânsito. Contudo, a pesquisa calcula que a população absorve doses dessa nuvem de poluição e, embora a maior emissão de gases poluentes seja no centro da cidade, as doses são maiores na periferia.

Um estudo do New England Journal of Medicine, apresentado por Saldiva, mostra que a expectativa de vida é reduzida à medida que a poluição do ar aumenta. Nos Estados Unidos, perde-se 1,2 anos de vida para cada 10 microgramas de material poluente por metro cúbico. O mesmo estudo concluiu que todas as cidades que melhoraram a poluição, aumentaram a expectativa de vida, independente da renda, faixa etária e diabetes. Logo, a questão proposta pelo médico é: “quanto estamos dispostos a gastar com saúde, considerando o nível de consumo que nós temos?”

O pesquisador acredita que a grande dificuldade está no convencimento de que é necessário consumir menos. “As pessoas dessa geração foram educadas em um ambiente de consumo excessivo de energia, então não adianta falar que para começar a estabilizar os efeitos da emissão dos gases do efeito estufa, ela precisa deixar o carro em casa, tomar banho de balde e canequinha, ficar no escuro à noite e comer menos carne. Com esses argumentos, elas enxergarão o urso polar como único beneficiado”, alega Saldiva, em tom descontraído.

Ele acredita que é mais eficaz informar que reduzir 20% do consumo de carne, reduz 14% do risco de desenvolver câncer no tubo digestivo; optar pelo transporte coletivo significa, na maioria dos casos, andar de quatro a cinco mil passos por dia até a estação, o que reduz o risco de doenças cardiovasculares. “É possível melhorar a qualidade do ar, se for realizada uma mudança na cultura, mostrando para as pessoas que se elas reduzirem seu consumo, terão a saúde diretamente beneficiada”, finaliza o Acadêmico.

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