Abordando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, “Fome zero”, 6, “Água limpa e saneamento”, e 12, “Consumo e produção responsáveis”, a última sessão do segundo dia de Reunião Magna da ABC 2019 aconteceu em 15 de maio, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Confira as apresentações dos palestrantes:

2030: consumo e produção responsáveis

Guiado pelo ODS 12, o agrônomo Élcio Perpétuo Guimarães, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Arroz e Feijão, realizou uma apresentação sobre a produção e consumo no Brasil, os efeitos e as perspectivas dessas ações para o futuro. Guimarães possui mestrado em agronomia/genética e melhoramento de plantas pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado pela Universidade do Estado de Iowa (EUA) em citogenética e melhoramento de plantas. Atua principalmente nos seguintes temas: arroz, brusone, arroz de sequeiro, melhoramento populacional e América Latina.

A palestra focou nas três primeiras metas do ODS 12: implementar a produção e consumo sustentáveis; alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais; e reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial. O agrônomo afirmou que falar de produção e consumo no Brasil não é muito difícil, considerando “a nossa capacidade de responder” ao tema.

A ONU afirma que a população mundial chegará em 9 bilhões até 2050, e, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a produção deve aumentar em 70% para atender a essa demanda populacional. Enquanto isso, o Brasil é o maior produtor agrícola dos trópicos. Nos últimos 40 anos, a produção nacional de grãos aumentou em cinco vezes, a área plantada em 60%, a produtividade no setor florestal em 115% e a produção de carne de frango em 59 vezes.

Nesse cenário, o país figura como uma solução, graças ao seu contingente de pessoas qualificadas e tecnologia, sua agricultura e disponibilidade de terra e água. Guimarães declarou que o Brasil deve responder de forma sustentável, equilibrada e responsável. Ele destacou o crescimento de 25% por ano da agricultura orgânica no território nacional, e destacou que já são 17 mil propriedades certificadas como produtoras orgânicas, correspondendo a 1 milhão de hectares com certificação orgânica.

No entanto, o crescimento da produtividade tem seus efeitos. A perda do solo, o uso de fertilizantes, pesticidas e o desperdício são alguns dos problemas resultantes, mas que o pesquisador ressaltou como oportunidades “para fazer melhor”. Um exemplo citado foi a da pesquisa que busca substituir fertilizantes por microrganismos benéficos que aumentam a absorção de nitrogênio.

“Nós podemos, no ODS 12, chegar lá em 2030. Temos conhecimento, ciência, tecnologia e temos gente como vocês para isso”, convocou Guimarães. Para ele, um sistema de produção integrado com o milho e a soja trazendo riqueza para o país, com o arroz, o feijão, a pecuária, adubos verdes, florestas, pastagens, a integração lavoura e pecuária, e a integração entre lavoura, pecuária e florestas, torna possível ser sustentável. E ele lembrou: “Esse não é um sistema imaginário, é o que já está acontecendo”.

 

Alimento, fome e sustentabilidade: desafios e oportunidades

Também pesquisador da Embrapa, Clênio Pillon possui graduação e mestrado em agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e doutorado em ciência do solo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador da Embrapa Clima Temperado, onde atuou por cinco anos como chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento e, desde 2011, ocupa o cargo de chefe geral. No Programa de Pós-graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), atua como orientador e co-orientador.

“Não há como a gente superar a fome, a miséria e a pobreza no mundo sem a gente considerar o componente de pesquisa, desenvolvimento e inovação” afirmou o agrônomo logo no início de sua palestra. Ele apresentou o estudo “Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira“, produzido pela Embrapa para discutir os sinais e tendências relacionados ao futuro da agricultura.

O pesquisador relatou algumas forças motrizes importantes da produção contemporânea: inovação aberta e novos paradigmas; ecossistemas de inovação; protagonismo dos consumidores; plataformas de inovação; sustentabilidade; captura e percepção de valor; e o ambiente digital.

Nesse novo contexto, o principal desafio é produzir comida e alimento de qualidade, com segurança e aspectos funcionais agregados. Foram observadas para o consumo de alimentos no Brasil as seguintes tendências: conveniência e praticidade; sensorialidade e prazer; confiabilidade e qualidade; saudabilidade e bem-estar, sustentabilidade e ética.

E nos últimos 40 anos, o país teve um significativo aumento de produção e produtividade, graças aos investimentos, públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação. Pillon destacou também que o Brasil tem a seu favor a diversidade de biomas, culturas e alimentar, que permite produzir em qualidade e quantidade ao longo de todo o ano.

Mas, segundo o agrônomo, “o componente tecnológico é importante, decisivo, mas não é o único”. Ele defendeu que o desenvolvimento passa também pela governança, pela articulação e pela séria construção de boas políticas públicas. A pesquisa, o desenvolvimento e a inovação devem levar em consideração: as mudanças climáticas; a sustentabilidade; os alimentos, a nutrição e a saúde; a geração e a agregação de valor; e as políticas públicas.

Os sistemas integrados de produção para os quais a agricultura brasileira se direciona, após a Revolução Verde, representam o futuro com a intensificação, a multidisciplinaridade, a commoditie-alimento, a eficiência e a pesquisa sistêmica. Segundo o pesquisador, “Não dá mais para gente pensar hoje na lógica da gente produzir alimentos com base em monocultura. Isso é insustentável, sob o ponto de vista social, econômico e ambiental”.

Esses sistemas agregam a produção de grãos com a animal e a de componentes florestais. Para além disso, a agricultura passa a produzir fibras, energia, matérias-primas para entrar na química verde e serviços ecossistêmicos que acabam por gerar oportunidades de renda no campo.

Para Pillon, a agricultura do futuro será muito menos com base em química, muito mais com base em conhecimento da biologia, da bioquímica, das interações solo, água, planta e atmosfera. E ele concluiu: “Não existe nenhum investimento melhor para ser feito hoje do que em instituições de tecnologia, ciência e inovação”.

 

Acesso a serviços energéticos e seu nexo com clima, alimento, bem estar social e água

Professor associado do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), foi lá que Alexandre Salem Szklo obteve seu doutorado, após a graduação em engenharia química pela Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Szklo apresentou o ODS 7, “Energia limpa e acessível”, destacando suas associações com o clima e o bem-estar social.

O engenheiro químico explicou que, apesar da disponibilidade de combustíveis fósseis suficiente para a produção energética do mundo, o consumo permanece desigual e boa parte da população mundial segue sem ter acesso a serviços energéticos modernos. Isto porque, dentre outros fatores, os impactos causados pelas emissões de derivados de petróleo, carvão e gás natural são de preocupação extrema para a comunidade científica, o ambiente e a sociedade no geral.

O Brasil, que tem um sistema energético fortemente baseado nessas três fontes fósseis, também passa pela questão do acesso a energia. Nesse contexto, o professor destacou o Programa Luz Para Todos, que teve seu início em 2003 com o objetivo de levar a eletricidade para domicílios rurais que não eram atendidos pela prestação de serviços de energia elétrica.

O programa atingiu 3,3 milhões de residências, o equivalente a 15 milhões de pessoas. Mais uma vez, Szklo reforçou o impacto da energia em outros aspectos sociais, como a educação, que neste caso, os estudantes passaram a ter mais tempo e qualidade de estudo graças a eletricidade.

No âmbito da produção científica e tecnológica brasileira, o professor apresentou os modelos de avaliação integrada desenvolvidos na Escola de Engenharia da Coppe. Esses modelos matemáticos tentam representar o sistema energético, de uso de solo, da água e produção de materiais, em busca de alternativas para se evoluir nesses sistemas e compreender como se daria a transição energética diante de um cenário de consistência tecnológica.

Foram desenvolvidos três grandes modelos matemáticos: dois de uso de solo mundial e um de detalhamento do sistema energético e uso do solo no Brasil. Os modelos rodam em cenários de longo prazo, não para prever o futuro, mas para fazer análises do tipo “what if”. O engenheiro deu o seguinte exemplo: se o interesse é a restrição de uma determinada quantidade de CO2 na atmosfera, elabora-se um modelo com a restrição e após a execução pode-se analisar como ele irá se reorganizar a partir dessa condição.

A Coppe possui o único modelo no mundo de representação do sistema energético mundial. Esse modelo roda em paralelo com outros modelos mundiais, e são uma das fontes de informação para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Em todos os resultados de modelos do sistema energético mundial, o Brasil surge como protagonista na área de produção de bioenergia sustentável e captura de carbono a partir da mesma. Para o professor, o país deve aproveitar essa oportunidade: “Não há uma dicotomia entre desenvolvimento sustentável e oportunidade para a economia brasileira. Aonde nós temos vantagem competitiva é exatamente aonde a gente vai ser bem valorizado do ponto de vista da competitividade internacional”.

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