Evando Mirra, Ado Jório, Nivio Ziviani, Oswaldo Luiz Alves e Edleno Moura

Parte do evento “Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe”, a mesa sobre Ciências da Engenharia foi constituída pelos Membros Afiliados da ABC Ado Jório Vasconcelos e Edleno Silva de Moura e pelos Titulares Evando Mirra de Paula e Silva, Oswaldo Luiz Alves e Nivio Ziviani, que atuou como coordenador. Ziviani deu início ao debate apresentando dados sobre o cenário mundial de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que revelavam que o Brasil ainda está em uma posição insatisfatória: “Estamos muito abaixo dos Estados Unidos, Japão e outros países”.

“Universidades engatinham na transferência de conhecimento para a sociedade”

Em seguida, Ado Jório de Vasconcelos falou sobre o Sistema Nacional de Inovação (SNI), mencionando que este representa tudo que está sendo feito para que haja transferência de conhecimento para a sociedade em forma de produtos e serviços, levando em conta a sua relação com a universidade. “As universidades brasileiras tiveram um sucesso muito grande na evolução da produção de conhecimento”, relatou. “Elas são responsáveis por 2,7% da produção científica mundial, mas ainda engatinham na transferência desse conhecimento para a sociedade em forma de produtos, de inovação.”

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) afirmou que esse desfalque está sendo trabalhado com a criação de núcleos de inovação e diversas modificações na legislação. “O Brasil acordou em 2005, com a criação da Lei da Inovação. Hoje, toda universidade e instituto de ciência e tecnologia têm que ter o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), para estimular a relação do pesquisador com a empresa.” Depois da lei, o número de NITs começou a crescer, e atualmente são mais de 200. Mas, apesar de a UFMG, USP e Unicamp já terem NITs desde 1997, as universidades espalhadas pelo interior do Brasil ainda têm uma estrutura muito precária.

Vasconcelos afirmou também que Minas Gerais é o estado que mais tem NITs, devido a uma ação muito forte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que tem financiado a rede mineira de propriedade intelectual. Ele citou o bom exemplo da sua universidade que, em 2010, foi a instituição brasileira que mais depositou patentes. Além disso, a UFMG foi a única universidade citada em um artigo da revista Science sobre o Brasil.

“Empreendemos e incentivamos alunos a empreender”

Já o professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Edleno Silva de Moura contou as experiências de seus grupos de pesquisa da UFAM e UFMG em empreendedorismo nas universidades. “Temos que mostrar que a criação de empresas a partir de universidades é um caminho para o desenvolvimento do país. Devemos formar mestres e doutores para serem empregadores e não empregados”, declarou. Seus grupos trabalham, atualmente, com áreas como a de banco de dados e recuperação de informação, além de desenvolver novas tecnologias. “Temos um histórico razoável de publicações, constante execução de projetos de pesquisa e reconhecimento acadêmico internacional.”

Ele também mencionou que tais grupos formam muita gente para o mercado: “Empreendemos e incentivamos alunos a empreender”. Moura afirmou que seus grupos têm a intenção de aumentar sua contribuição à sociedade, estimular a interação entre a indústria e a academia, popularizar a ciência criando motivação para o estudo e fortalecer suas pesquisas a médio prazo. O Afiliado também citou duas empresas criadas por sua equipe. A primeira foi a Akwan, que fazia sistema de busca no Brasil. “Nossa empresa varreu a Google do mercado brasileiro e depois a Google a comprou em 2005”, revelou, acrescentando que a Akwan se tornou o Centro de Pesquisa da Google no Brasil. A segunda empresa foi a Zunnit, que faz a recomendação de produtos em lojas e é sócia da UFMG. Outra experiência de Moura é a Nhemu, que também conta com parceria da UFMG e precisará de 20 funcionários no próximo ano, sendo pelo menos cinco doutores.

O pesquisador enfatizou que os professores em geral preparam bons funcionários, não empreendedores. “Até porque não sabemos fazer isso, temos que aprender. Mas acredito no nosso potencial; se outros países conseguem fazer, nós também conseguimos. Mesmo que não haja nenhum modelo de retorno pra sociedade, pelo menos a universidade sai ganhando”, declarou.

“No Brasil, do pouco se faz muito”

O Acadêmico Evando Mirra comentou como o conhecimento, além de todo o seu valor cultural e pedagógico, também é um forte produtor de riqueza e empregos. Segundo o analista-sênior do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ideias geradas em um ambiente de pesquisa podem se transformar em uma empresa, o que significa ganho. “É possível fazer pesquisa de alto nível de interesse acadêmico e, simultaneamente, utilizar essa pesquisa na geração de produtos e serviços úteis pra sociedade. É importante mostrar como ganhamos muito ao investir em Ciência e Tecnologia (C&T).”

Ele acrescentou o dado de que, atualmente, mais da metade das riquezas geradas nos países avançados gravita em inovação. “Todos nós conhecemos o sucesso extraordinário que é a liderança brasileira em tecnologia de águas profundas da Petrobras. Isso é Pesquisa e Desenvolvimento.” De acordo com Mirra, mesmo casos mal sucedidos de investimento em P&D ainda assim são um ótimo negócio: “O ganho financeiro é sete vezes maior que o investimento, sendo mais ainda se o projeto fizer sucesso”.

O debatedor citou o exemplo da empresa Bematech contando que, há pouco mais de 20 anos, dois engenheiros eletrônicos desenvolvendo teses de pós-graduação criaram um sistema original de impressão matricial por impacto e decidiram transformar o projeto em uma empresa. Em 1990, já era a primeira empresa a fabricar mini-impressoras em larga escala e blocos impressores integrados para terminais de auto-atendimento. Hoje, está instalada em quatro países e sua receita líquida foi de 326 milhões de reais em 2010. Nesse processo, recebeu do Estado 30 mil reais e devolveu em impostos 120 milhões. “Não existe ainda, na sociedade brasileira, a visibilidade da dimensão de riquezas e empregos gerados pelos investimentos em C&T.”

Ele também mencionou a Embrapa, informando que, do lucro de 18 bilhões em 2010, apenas 2 bilhões ficaram para a empresa: “O restante foi distribuído pela sociedade, gerando postos de trabalho”. Segundo Mirra, cada real aplicado pelo governo federal gerou 9,35 reais. Mostrando-se otimista, o Acadêmico finalizou expressando a opinião de que o Brasil tem uma das melhores interações universidade-empresa do mundo. “Estrangeiros me contaram que valia a pena investir no nosso país por causa dessa relação, do crescimento do mercado interno e do fato de que em qualquer região tem uma boa universidade perto”, relatou. “Fora que, no Brasil, do pouco se faz muito. Por isso, varias empresas, estão deixando de participar em outros lugares pra participar aqui.”

“A ciência básica depende do mercado”

O Acadêmico e professor da Unicamp Oswaldo Luiz Alves falou sobre um caso completo de transferência de tecnologia, desde o laboratório ate o produto no mercado, passando pela prova de conceito e patentes. Junto com sua equipe, ele desenvolveu em seu laboratório um material para fazer a remediação ambiental de efluentes de indústrias papeleiras e têxteis. “Ou seja, é um produto que tira aquela coloração que atinge os rios quando há a entrega do efluente colorido”, explicou. O produto foi chamado de Dept® e se trata de um material sólido com elevada capacidade de sorção (adsorção + troca iônica). Ele é fruto de uma parceria entre o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES/Unicamp) e a empresa Contech , que agora está investindo na ampliação de negócios envolvendo tecnologias limpas, no acesso a tecnologias inovadoras em tempo e custo competitivo, no incremento da área de P&D, entre outras ações.

“É um caso que, de certa forma, tem suscitado muito o interesse das pessoas, sobretudo pelas experiências que nós ganhamos nesse processo”, comentou o pesquisador. “É um trabalho ligado à nanotecnologia, no qual nos indagamos se sistemas nanométricos poderiam ser colocados dentro de um contexto ambiental”. Alves comentou que a venda do produto teve início em janeiro de 2011, de modo que os primeiros royalties devem ser pagos em breve. “Uma grande empresa têxtil já está usando o Dept®”, contou.

No entanto, muitas pessoas acabam alegando que sua equipe está fazendo ciência aplicada e deixando de fazer ciência básica. “Se isso acontecesse, o processo morreria, pois ninguém compra nada feito em apenas um passo”, explicou. “É difícil compreender que a ciência básica depende do mercado”.

Por fim, Nivio Ziviani concluiu afirmando que o conhecimento gerado na universidade tem um potencial muito grande, mas ainda é incipiente no Brasil. “Precisamos criar mecanismos para transferir esse conhecimento para que as pessoas possam empreender, gerar tecnologias e produtos. A universidade pode passar a ser sócia da empresa.”