Os participantes da 40ª edição dos Webinários da ABC: Almirante Ilques Barbosa, Edmo Campos, Luiz Drude, Luiz Davidovich e Jailson Bittencourt de Andrade

 

Os Webinários da ABC chegaram à sua 40ª edição no dia 20 de julho, reunindo Acadêmicos e pesquisadores para debater a conservação dos oceanos. Intitulado “Endosso da ABC à Década do Oceano”, o webinário reuniu os Acadêmicos Edmo José Dias Campos (USP) e Luiz Drude de Lacerda (UFC), além do Almirante Ilques Barbosa, da Marinha do Brasil. O evento foi mediado por Jailson Bittencourt, vice-presidente da ABC para a região Nordeste, e contou com a participação do presidente da ABC Luiz Davidovich.

O encontro celebrou o início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), conforme determinado pela ONU. Desde 2009, a ABC se posiciona frequentemente no debate sobre a preservação do mar territorial brasileiro – desde antes de isso ser considerado um problema pelas autoridades. A ABC participa ativamente da elaboração de documentos e manifestos internacionais e, mais recentemente, produziu seu próprio documento, que aponta os desafios para atingir as metas da Década do Oceano no Brasil. A elaboração do documento, intitulado “Década do Oceano: Declaração da Academia Brasileira de Ciências sobre a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”, foi coordenada por Luiz Drude de Lacerda

A necessidade da Década Oceânica

“Estamos no limiar de uma mudança planetária gigantesca, que os cientistas já haviam previsto há algum tempo”, disse Drude, logo no início de sua apresentação, antes de apresentar como surgiu a iniciativa da Década do Oceano.

Iniciada oficialmente em 2021, a Década do Oceano foi promovida pela ONU em 2018 e foi uma das pautas debatidas na edição de 2019 do Science 20 (S20), reunião anual com os presidentes das Academias nacionais de ciências dos países do G20. A Década foi pensada em função das ameaças aos ecossistemas marinhos, riquíssimos e pouco conhecidos. Nesses eventos, concluiu-se que a preservação dos oceanos é fundamental para o desenvolvimento da humanidade.

Segundo Drude, o que reduz a velocidade da mudança nas condições ambientais planetárias é a existência de um oceano relativamente saudável. “Entretanto, ultimamente, tem ficado claro que esse oceano já não tem mais a mesma capacidade que tinha antes – de servir como “tampão” para as alterações que a humanidade vem causando no planeta”, explicou o Acadêmico. Essa redução de capacidade acarreta em problemas como a acidificação oceânica, a desoxigenação dos mares, o superaquecimento e aumento do nível do mar. Diante desses problemas, não há vencedores: do transporte de pessoas e mercadorias à produção pesqueira, todas as áreas são afetadas. “A atividade mais prejudicada por essa situação é a pesca. Há queda na qualidade dos peixes e estagnação nos níveis de produtividade. Há três décadas, os índices da produção global extrativista não aumentam”, alertou Drude. “Inclusive, a Amazônia Azul, parte do oceano sob responsabilidade brasileira, é proibida de exportar pescados in natura para a Europa devido à precariedade na qualidade do produto, afetada também pela contaminação por mercúrio e pelas condições das embarcações de pesca”, relatou.

O Acadêmico afirmou que o Brasil ainda precisa resolver muitos problemas internos para que sua contribuição para as ciências oceânicas possa ser pelo menos paritária com o tamanho da área oceânica que o Brasil dispõe hoje em sua responsabilidade. Ele apontou três ações fundamentais que o governo precisa promover para melhorar a interação do país com o oceano:

  1. A governança da ciência oceânica no país, que ainda é muito fraca. Falta um grande instituto de pesquisa na área. As ciências do mar no Brasil ainda são muito dependentes da Marinha e realizadas quase em sua totalidade em institutos de pesquisa universitários.
  2. Ampliação da capacidade observacional, não limitada apenas à participação em programas internacionais de observação oceânica. Esses programas, no entanto, auxiliam na manutenção de uma observação eficiente no território gigantesco da Amazônia Azul.
  3. Criação de uma regulamentação urgente para reverter os níveis de degradação costeira brasileira. Atualmente, há diversos ambientes costeiros degradados por tratamento inadequado de resíduos sólidos urbanos, incluindo plásticos, e águas servidas, efluentes das principais cidades litorâneas brasileiras.

Segundo Drude, ao menos a questão da regulamentação não pode ser associada à falta de recursos: “É simplesmente uma questão de falta de ação política e falta de reconhecimento da importância dessas áreas.”

 

“Será que o aquecimento global é reversível ou já atingimos um ponto sem retorno?”

A pergunta que nomeou a apresentação do Acadêmico Edmo Campos, professor emérito do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), foi explorada ao longo de sua fala.

Campos apresentou uma breve introdução ao funcionamento do sistema climático, resultado das trocas de energia entre diferentes aspectos do ambiente. Dentre estes, o impacto humano desempenha um papel fundamental. O pesquisador destacou que, se a temperatura continuar aumentando no mesmo ritmo dos dias de hoje, em 2100 a temperatura média global será a maior registrada nos últimos 10 milhões de anos. Campos alertou: “As consequências das ações humanas estão se refletindo nas águas da região abissal, a mais profunda camada do oceano, que corresponde a 70% da biosfera do planeta.”

Se a emissão de gases estufa continuar, de acordo com Campos, a Terra poderá se tornar uma estufa em pouco tempo. Complementando a fala de Drude, Campos afirmou que o oceano é o “regulador do clima”. O cientista explicou: “Durante todo esse período em que o ser humano está injetando uma grande quantidade de gases estufa na atmosfera, o oceano está subtraindo a energia resultante desse processo.” O Acadêmico afirmou que, de 1900 a 2015, o oceano sequestrou carbono equivalente a cinco bombas de Hiroshima explodindo por segundo.

Campos explicou que o oceano controla o clima em todo o planeta através de um processo lento, causado por gradientes de temperatura e salinidade, intitulado circulação termohalina. O aumento de temperatura provoca alteração na salinidade do oceano, fatalmente alterando todo o padrão de circulação. A água doce resultante do derretimento de geleiras continentais e oceânicas no Atlântico Norte podem levar a um colapso da Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC), que é o componente zonalmente integrado de correntes superficiais e profundas no Oceano Atlântico. É caracterizada por um fluxo para o norte de água morna e salgada nas camadas superiores do Atlântico, e um fluxo para o sul de águas mais frias e profundas, que fazem parte da circulação termohalina. “A resposta sobre a estabilidade do clima está na AMOC”, apontou Campos.

O Acadêmico afirmou que a preservação dos oceanos só virá com investigações continuadas por décadas e com efetiva colaboração internacional. “A colaboração da sociedade é importante, mas os programas decadais não podem depender só da participação dos indivíduos”, defendeu o pesquisador.

Sobrevivência e prosperidade na Década do Oceano

O Almirante de Esquadras Ilques Barbosa fez sua apresentação voltada para os desdobramentos oceanopolíticos e questões de sobrevivência atreladas à Amazônia Azul.

Ele destacou a importância da Constituição sobre Direito do Mar produzida pela ONU em 1992, responsável por impor diretrizes e promover iniciativas por parte da Marinha e de instituições globais de pesquisa e proteção do mar. No entanto, após quase 30 anos de sua criação, novas políticas precisam ser criadas. O Almirante mencionou a urgência de um ordenamento jurídico adequado para regular mais de 60 mil navios cruzando os mares, de modo a controlar crimes ambientais, alterações de rumo e o crime organizado, como tráfico de armas e drogas. Em caso de contaminação ambiental, as correntes marinhas ainda transportam o contaminante para outras áreas, espalhando-o, como no recente episódio de contaminação por óleo ao longo de todo o litoral nordeste brasileiro. Esses exemplos mostram o quão indispensável é o acompanhamento geopolítico dos oceanos.

Barbosa destacou problemas à economia marítima devido à pesca predatória, promovida por países como China e Espanha, que exploram além da capacidade de sobrevivência de determinadas regiões do oceano, incluindo a costa da América do Sul. Na região Nordeste do Brasil, os pescadores, em grande parte artesanais, não contam com financiamento ou apoio científico para localização e preservação de cardumes.

Os oceanos também asseguram a soberania nacional, por reterem cabos submarinos que conectam os países a diversos centros financeiros internacionais. Assim, preservar os oceanos e esses cabos garante a segurança dos dados de milhares de cidadãos e a segurança econômica do país.

O Almirante prevê uma mudança do padrão energético do planeta nos próximos anos. O Brasil, por exemplo, tem alto potencial de produzir outros tipos de energia não provenientes de hidrelétricas, como energia eólica e maremotriz.

O Almirante destacou a necessidade de ações de conservação dos mares para diversos setores do país, desde a economia até o turismo: “É necessário aprimorar técnicas para melhoria das águas em algumas regiões de mar aberto e áreas costeiras – um exemplo disso é a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. A água chega em um estado tão ruim, tão corrosiva, que reduz significativamente a vida útil das bombas de navios mercantes, afetando a segurança das embarcações. Para progredir na vertente econômica, e também na vertente de turismo, é fundamental que a vertente ambiental seja atendida.”

Visando promover um maior controle sobre o mar territorial brasileiro, é necessário que a Marinha cresça exponencialmente. Para que isso ocorra, novas medidas precisam ser elaboradas. No Rio de Janeiro, o fruto dessa necessidade é a criação do Cluster Tecnológico e Naval do Rio de Janeiro, que possui grandes planos de expansão. Barbosa almeja que a iniciativa marque a retomada na indústria naval de turismo e lazer, além de estabelecer conexões com vários segmentos da sociedade civil. A ferramenta visa ser uma referência de articulação ordenada e sustentável das atividades econômicas relacionadas ao mar, através da reunião de empresas, governo e academia em prol da sociedade. Ele também destacou a importância apartidária do projeto. A ABC faz parte do conselho consultivo, científico e tecnológico do projeto.

O Boletim Geocorrente mencionado pelo Almirante pode ser conferido aqui.

 

Debate: One ocean, one planet, one health

Após a apresentação dos palestrantes, o moderador Jailson Bittencourt de Andrade comentou que “o homem conhece bem mais do espaço do que aquilo que está bem mais perto dele: os oceanos”. O vice-presidente da ABC para a Região Nordeste e Espírito Santo comentou que, apesar de haver a delimitação de sete continentes e quatro oceanos – agora, cinco, com o novo oceano ligado à Antártida –, no fim das contas, toda a porção de água da Terra forma apenas um grande oceano. O moderador pediu que os participantes comentassem o conceito “One ocean, one planet, one health”.

A interação do planeta com o oceano e a atmosfera foi destacada por Drude: a saúde dos oceanos está diretamente associada à saúde dos ecossistemas e dos seres humanos. “Há apenas um oceano no planeta.” O webinarista destacou que alterações no oceano global impactam no mundo todo, desde a indústria de pesca brasileira até as mudanças climáticas no Canadá. “Os oceanos acumulam calor há anos”, relatou. “Vai demorar para recuperar sua temperatura normal e a quantidade de oxigênio original.”

Segundo Edmo, “não existem vários oceanos, existe um. Mas infelizmente muitas pessoas ainda continuam com essa divisão arbitrária.”

Ilques Barbosa defendeu que essa denominação é muito mais terrestre do que oficial em si. “Nós estamos todos no mesmo barco”, disse. “O planeta Terra é um ser vivo que precisa ser cuidado por todos.” Em seu ponto de vista, de nada adiantam divisões que façam com que “um lado faça uma coisa e o outro não faça nada”. Isso claramente não dá certo, conforme disse o Barbosa, “é um exemplo disso a forma como o planeta lidou com a pandemia.”

Davidovich questionou os participantes acerca da falta de estudiosos da área de oceanografia no país.

Segundo Barbosa, a principal lacuna da área é em termos de densidade e oportunidade de trabalho. Apesar de haver programas de graduação e pós-graduação em oceanografia em praticamente todos os estados litorâneos brasileiros, falta um esforço político nessas áreas, que inclusive melhoraria a qualidade da pesca e do turismo. “Sem base científica não há como avançar politicamente”, ressaltou o Almirante.

Ele também destacou o envelhecimento dos oceanógrafos brasileiros de renome, que em breve não poderão mais exercer suas funções, e a falta de novos pesquisadores para assumirem esses postos: “O ideal é que haja mais cientistas e mais navios para consolidarem a nossa posição nessa área.”

Outro problema levantado por Edmo Campos é a má distribuição de profissionais pelas subáreas da oceanografia, apesar da formação de um número considerável de oceanógrafos. Reter os profissionais no Brasil, com as atuais condições de trabalho, também se tornou uma adversidade: Campos confidenciou que recebe com frequência pedido de colegas para indicar jovens cientistas brasileiros da área para oportunidades no exterior. “Precisamos de políticas para incentivar a permanência de jovens cientistas no país”, sinalizou o Acadêmico.

Drude mencionou que até 2005 havia três cursos de graduação em oceanografia no país, já hoje, são mais de 15. Resultado do esforço de instituições de ensino superior, da CAPES e do CNPq. Para o Acadêmico, entretanto, falta continuidade das ações que dificultam alavancar o estudo na área no país, planejando a criação de programas de pós-graduação para formar bons pesquisadores. “Ultrapassar o entrave de governança, criando políticas para o Brasil trabalhar e pensar nos oceanos em âmbito internacional também é outra alternativa”, observou o pesquisador. Ele referiu-se ainda ao Grupo de Pesquisa da ABC focado na Década do Oceano, cujo trabalho pode ser conferido aqui.


A cada duas semanas, a ABC traz um debate  inovador com pesquisadores de renome sobre diversos tópicos relacionado a ciência. Confira o evento completo em nosso canal do YouTube. Afinal, como disse o presidente da ABC, “se nós não cuidarmos dessa questão global, a civilização humana pode não sobreviver.”