Na manhã de 4 de dezembro, no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), a Academia Brasileira de Ciências e a Rede Global de Academias de Ciências (IAP) abriram a terceira sessão da conferência ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e Desenvolvimento Sustentável”, que focou na necessidade e nos obstáculos para a construção de uma cobertura universal de saúde em todos os países.
A saúde de um indivíduo repercute imediatamente na economia e na sociedade como um todo. Cidadãos doentes ou com um quadro de saúde aquém do ideal apresentam performance reduzida no trabalho, não podem participar integralmente em seus círculos sociais e oneram o Estado com o tratamento de doenças cuja prevenção é mais eficiente e menos custosa.
Além disso, como o recente surto de ebola na África oriental demonstrou, uma infraestrutura insuficiente para a contenção de epidemias pode penalizar bastante a economia: segundo o FMI, a fuga das agências de turismo, cancelamento de linhas aéreas e rotas comerciais podem resultar em perdas de até 25 bilhões de dólares no PIB da região.
A luta da Nigéria
”Em relação ao ebola, nosso governo se saiu bem”, afirma Fola Esan, da Academia Nigeriana de Ciências. ”Obviamente, nós tínhamos mais recursos e pessoal treinado
que os outros países afetados], que estava preparado para lidar com a doença o mais rápido possível.” Para ele, além da atuação decisiva do setor privado, o bom desempenho da Nigéria no combate à doença coube ao ”sistema de saúde básica, que vem sido reformado e melhorado.”
Com um PIB superior a um trilhão e um PIB per capita de mais de 6 mil dólares (por poder de paridade de compra, ou PPC), a Nigéria se tornou em 2014 a maior economia da África, bem como uma das que crescem mais rápido no continente – desde 2008, a média anual de crescimento foi de quase 6%. Não obstante, o país ainda sofre com os problemas sociopolíticos característicos de tantas outras nações africanas, da corrupção crônica à péssima infraestrutura. Neste cenário, a Nigéria luta para garantir um sistema de saúde que supra satisfatoriamente as necessidades de seus mais de 170 milhões de cidadãos (2013).
”Devido às divisões étnicas, fatores como idade, sexo ou religião influenciam decisivamente na aceitação de um programa de saúde”, explica Esan em sua palestra. Com isso, o Esquema Nacional de Segurança de Saúde (NHIS, em inglês), ativo desde 1999, procura se adaptar às múltiplas realidades locais e aproveitar as transformações tecnológicas ocorridas desde os anos 2000.
”Vinte e um estados nigerianos aderiram ao NHIS e os programas comunitários estão prosperando. Também estamos testando um sistema de inscrições via celular e, adicionalmente, buscamos alcançar os cidadãos desde cedo: até janeiro de 2014, esperamos que 24 milhões de crianças na educação primária tenham aderido ao Esquema”, ele celebra, sem se esquecer, claro, dos desafios. ”A desigualdade social e inconsistência entre as políticas estaduais dificultam a implementação. Também temos que lidar com praticantes de medicina alternativa e curandeiros, que ainda têm muita influência nas comunidades rurais.”
Saúde para todos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o objetivo da cobertura universal de saúde é ”garantir que todas as pessoas obtenham os serviços de saúde de que necessitam sem sofrer dificuldades financeiras pagando por ele”. Como declarou a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, ”a cobertura universal de saúde é o mais poderoso conceito na área de saúde pública.”
Contudo, é um princípio ainda distante de se materializar: segundo a agência da ONU, cerca de 1 bilhão de pessoas não tinha sequer acesso a serviços de saúde adequados; das que tinham, mais de 150 milhões passavam por extrema dificuldades financeiras para arcar com os tratamentos, e cerca de 100 milhões foram movidas para abaixo da linha de pobreza (1,25 dólar por dia) por causa dessas dificuldades.
Agravando o quadro, a tendência dos custos no setor de saúde é ascendente, devido à pesquisa de doenças mais complexas e maior especialização dos profissionais de saúde. Segundo Garry Aslanyan, do Programa Especial sobre Pesquisa e Treinamento de Doenças Tropicais da OMS, outro problema é que a pesquisa para aprimoramento dos sistemas de saúde tem que lidar, mundialmente, com uma vasta gama de instituições.
”A OMS não financia pesquisas, mas ajuda governos a promover políticas propícias às pesquisas”, ressalta. ”No mundo, nós temos uma variedade imensa de iniciativas de saúde, públicas e privadas. Entretanto, elas não possuem uma coordenação centralizada, o que leva à falta de uniformidade nos relatórios e à falta de dados importantes comuns a todos.”
Ajudar a coordenar este universo de organizações, diz ele, está se tornando uma das missões centrais da OMS no campo das pesquisas de saúde. Outros desafios incluem a angariação de dados em instituições públicas de países fora do grupo OECD, que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo, e a promoção de maior transparência no setor privado.
A desigualdade que adoece
Para a co-presidente do Painel Médico InterAcademias (IAMP), Lai-Meng Looi, os avanços da ciência nas pesquisas de saúde enfrentam o obstáculo adicional da desigualdade: ”Apenas 10% dos gastos globais
nessas pesquisas] se destinam às doenças que afetam 90% das regiões do planeta”, um fenômeno a que ela se refere como 10/90. ”Países pobres e emergentes foram deixados para trás.”
Além disso, ”a mudança climática afeta os determinantes sociais e ambientais da saúde”. Países economicamente vulneráveis têm menos condições de lidar com catástrofes ambientais ou o aparecimento de novas patologias. Com a queda dos custos do transporte e o nascimento do que Looi chamou de ”sociedade cosmopolita”, facilitou-se também a transmissão global de doenças.
É por esta miríade de dilemas que o IAMP procura coordenar os esforços de profissionais médicos em todo o planeta. ”Cientistas vestem muitos chapéus, ou seja, lidam com diversas causas simultaneamente.” Atualmente, o Painel trabalha na formação de profissionais e especialistas voltados para a parte desvalorizada na equação ”10/90”.
Citando Gro Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, Looi concluiu sua apresentação lembrando que ”não se pode erradicar a pobreza, a doença ou a fome sem antes prover as pessoas com um ecossistema saudável, onde suas economias possam crescer.” Uma lição para países que, como o Brasil, ainda batalham para que seus cidadãos não se sintam desamparados ao contrair uma doença.