José Francisco Soares

No dia 28 de maio, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organizaram mais uma edição do Fórum da Educação Superior ABC/SBPC, mas, dessa vez, o assunto principal foi a educação básica. O encontro contou com a participação do professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares, que foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) entre 2014 e 2016.

À frente do Inep, Chico Soares, como costuma ser chamado, considera que uma de suas contribuições foi ter trazido mais contexto aos dados de qualidade das escolas. “Quando observamos os estudantes por grupos socioeconômicos, mesmo considerando só as escolas públicas, existem diferenças médias significativas entre os resultados educacionais. Logo, o trabalho de uma escola precisa ser avaliado levando em conta a origem de seus estudantes. Não dá para falar de educação no Brasil sem falar de desigualdade”, resumiu.

Um problema das análises é que, desde 2019, os dados da educação deixaram de ser públicos, o que se torna ainda mais grave considerando que a pandemia teve um impacto grande na formação de toda uma geração de alunos. “A educação é um direito e, como tal, precisa ser monitorada a partir de indicadores quantitativos”, disse o palestrante, que enfatizou sua preocupação com o fechamento dos dados.

Outra preocupação é com o modelo de avaliação da alfabetização brasileira. Existe muita ciência sendo feita no mundo inteiro sobre educação, e os modelos teóricos mais consolidados dão conta de diversas camadas de cognição que precisam ser desenvolvidas na alfabetização. Não se trata apenas de ligar a grafia ao som e compreender uma palavra – há diversas camadas de sentido posteriores, ligadas à compreensão de contexto e do mundo ao redor. Para Soares, as avaliações brasileiras pecam ao parar na primeira camada de compreensão.

Exemplo de questão usada para avaliar a alfabetização brasileira

“O que temos de informação sobre o teste são duas perguntas de múltipla escolha – ou seja, não avaliam nem se a criança sabe escrever –, cuja resposta é uma palavra que já vem no texto. Sem mais informações sobre como são os modelos que estão por trás das avaliações sobre alfabetização, leitura e matemática no Brasil, nós não iremos longe”, alertou.

Foi com base nessa avaliação que o Ministério da Educação divulgou no dia 28 de maio, exatamente o dia do webinário ABC/SBPC, o último resultado do Indicador Criança Alfabetizada. De acordo com os dados, 56% das crianças brasileiras atingiram os patamares definidos pelo Inep para serem consideradas alfabetizadas. “Não vejo grandes mudanças com relação ao resultado que tínhamos em 2015”, resumiu Soares.

Chico Soares também é crítico das licenciaturas brasileiras, que, em sua visão, não apresentam de forma satisfatória a ciência do aprendizado. Para além do conteúdo, é preciso que a formação de docentes se dê com uma ênfase robusta nas teorias sobre didática. “Minha impressão é de que os currículos são muito ‘itemizados’ e conectam pouco uma coisa com a outra. Na matemática, por exemplo, se o professor não tomar cuidado o ensino se torna completamente artificial. Há uma dificuldade de colocar situações práticas. O procedimento não deve ser tudo”, avalia.

O palestrante reconhece que práticas pedagógicas precisam ser adaptadas por região, mas que, pelo menos numa mesma escola, os professores deveriam condensar um projeto comum. Ocorre que hoje, mais da metade dos professores da educação básica ocupam vagas temporárias, sem estabilidade.

Outra preocupação expressa por Soares foi com as licenciaturas à distância, e ele defende a exigência de pelo menos 50% da carga horária presencial nas licenciaturas EAD. “A tecnologia veio para ficar, mas não podemos achar que vamos formar um professor sem discussão e participação. Não há substituto para a interação humana na educação, hoje temos situações em que até o estágio pedagógico é online, é um exagero”, avalia.

Soares acredita que o fundamental para a educação básica brasileira é levar em conta as desigualdades e garantir maior estabilidade aos professores, criando oportunidades para formação continuada dentro de uma mesma escola. “Meu sonho é que os professores ficassem em tempo integral nas escolas, para construir um projeto pedagógico na troca entre os pares. Precisamos ter uma formação inicial muito melhor, mas isso não é suficiente porque ensinar vai exigir a incorporação do projeto pedagógico no âmbito da escola. Saber a matéria por si só não garante um bom ensino”, concluiu.

Assista ao Fórum completo:

OBS: A pesquisadora Sabine Righetti não pôde participar do webinário, como previsto, por motivos de ordem pessoal.