A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, participou na manhã desta quarta-feira, 28 de junho, de uma audiência pública no Senado Federal para tratar da percepção pública da ciência no país. O encontro foi convocado pelo senador Izalci Lucas (PSDB – DF), com base em estudos recentes que revelaram uma relação muito particular do público brasileiro com a área científica

Em 2019, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) divulgou uma pesquisa sobre percepção pública de C&T, mostrando que nove em cada dez brasileiros consideravam a ciência importante na promoção de oportunidades, mas não sabiam citar o nome de um cientista ou instituição científica nacional. Já em 2022, um survey feito pelo INCT de Comunicação Públicas de C&T observou que a confiança diminuiu pós-pandemia, sobretudo em segmentos e regiões considerados mais conservadores.

Mas outras avaliações, como a realizada pela empresa norte-americana 3M, também em 2022, desenham um cenário ainda favorável para a C&T brasileira. De acordo com os dados, a confiança do brasileiro nos cientistas continua alta, com 92% desejando saber mais sobre a área; e 86% acreditando nas mudanças climáticas, um dos maiores alertas globais da ciência atualmente.

Sobra curiosidade, falta informação

A Acadêmica Marcia Barbosa, secretaria do MCTI

O fato curioso é que, tanto a confiança quanto o desconhecimento do brasileiro sobre C&T são superiores às médias globais. Para o professor de comunicação científica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yurij Castelfranchi, os dados mostram que existe uma porta aberta para a ciência brasileira falar com o público, e que nem sempre a ignorância leva a refração de determinado assunto. “Precisamos pensar em processos que, ao mesmo tempo, façam as pessoas aprenderem sobre ciência e as estimulem a participar”, afirmou.

Na mesma linha, a Acadêmica Marcia Cristina Barbosa, hoje secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), lembrou da importância da diversidade na promoção de inclusão. “Enquanto a ciência for para poucos vai ser difícil difundir seus resultados”, disse. Ela defendeu o Projeto de Lei 840/2021, que torna política de Estado o incentivo a participação feminina em CT&I, mas disse que é preciso ir além. “Estamos trabalhando num projeto voltado especificamente para os jovens de periferia, para entender o que eles pensam sobre o trabalho e a ciência como carreira”, anunciou.

Negacionismo científico, um problema global

A diretora da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) Laila Salmen Espindola focou na questão das fake news, e disse que o combate ao negacionismo faz parte de uma retomada da dignidade do país. “Nunca houve no Brasil um período tão obscurantista, em que campanhas organizadas de desinformação gerassem tantas desordens, quanto nos últimos quatro anos”, criticou.

A presidente da ABC, Helena Nader

A presidente da ABC, Helena Nader, lembrou que o negacionismo é um fenômeno global. Um de seus efeitos mais urgentes é a queda na cobertura vacinal de vários países, entre eles o Brasil, que sempre foi referência global no tema. “Pais que não tiveram poliomielite na infância por conta das vacinas agora resolvem não vacinar seus filhos. É preciso que o Estado interfira por essas crianças”, alertou.

Nader criticou também outros pontos da ofensiva negacionista, como a tentativa de desmantelar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o lobby pelo ensino do criacionismo nas escolas. Para ela, enfrentar o negacionismo é uma tarefa complexa e de muitas frentes. “Não depende só do governo, mas de cada um de nós. E tudo passa pelo fortalecimento da educação básica”, afirmou.

A tomada das redes sociais

O influenciador digital e divulgador de ciência Átila Iamarino

O influenciador digital e divulgador científico Átila Iamarino, que ganhou notoriedade na pandemia participando do debate público na internet, também foi convidado para as discussões. Ele trouxe dados do Reuters Digital News Report 2023 sobre o Brasil, que mostram a transição para o consumo de notícias por redes sociais, que já são as principais fontes para as gerações mais jovens.

“Enquanto nas rádios e TVs o cientista muitas vezes é chamado para participar, nas redes sociais é preciso buscar ativamente o espaço, disputando-o com redes de desinformação que tem acesso a uma infraestrutura e suporte, muitas vezesm mais profissional do que as próprias instituições de pesquisa”, afirmou.

Iamarino defendeu que as instituições de pesquisa precisam começar a investir de forma mais robusta em seções especializadas em divulgação e comunicação de ciência, para que estas sejam capazes de se inserir em pé de igualdade no ambiente virtual. “Só assim conseguiremos ocupar esses espaços de forma efetiva”, finalizou.

Assista à audiência pública na íntegra pela TV Senado:


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