Leia artigo do presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), Fábio Guedes Gomes, que é também é secretário-executivo da ICTP.Br:
O ano era 2018 e a sociedade brasileira já sentia as consequências dramáticas dos contingenciamentos e cortes orçamentários e financeiros em várias áreas muito caras ao desenvolvimento social e econômico do país. Eram reflexos de quando, em 2015, a tesoura do Ministério da Fazenda havia sido afiada para moldar a política de austeridade fiscal que jogou a economia brasileira na realidade de uma depressão. Para cumprir a missão foi convocado o economista Joaquim Levy, conhecido pela sua competência em entoar “cânticos” ao mercado financeiro. Sua gestão jogou a economia brasileira em uma crise ainda mais séria.
Quando estudante de economia, escutava muito um ditado entre os meus professores que sintetizava muito bem a diferença entre recessão e depressão: “quando seu vizinho fica desempregado por muito tempo tem-se uma recessão; quando ele e você estão desempregados trata-se de depressão”. E, de fato, a taxa de desemprego medida pelo IBGE passou de 6,6% no último trimestre de 2014 para 13,9% no primeiro trimestre de 2017.
O projeto intitulado Ponte para o Futuro, lançado pelo curto governo de Michel Temer, nos empurrou para o passado, pois várias de suas reformas, especialmente a trabalhista, somente acentuaram a queda da atividade econômica e precarizaram as relações de trabalho. O financiamento público à educação e o fomento à ciência brasileira foram atingidos duramente. O contingenciamento orçamentário passou a ser uma prática comum aos Ministério da Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) não foi diferente. Mesmo tendo sido criado com o objetivo de financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico com vistas em promover o desenvolvimento econômico e social do País, entre 2016 e 2022 deixaram de ser investidos R$ 25,3 bilhões do FNDCT, o equivalente a 90% de sua arrecadação. Somando esses recursos com os valores contingenciados no MCTI, CNPq e Capes, chegamos a algo em torno de R$ 95 bilhões que deixaram de ser aplicados no desenvolvimento da ciência brasileira. Não estão nessa trágica conta os valores que foram desviados das universidades e institutos federais ao longo do período.
Foi nesse contexto que em 8 de maio de 2019 oito importantes entidades nacionais lançaram, no plenário 13 da Câmara dos Deputados, a Iniciativa para a Ciência no Parlamento Brasileiro. A ICTP.Br é uma espécie de holding que hoje congrega a Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), o Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas & Sustentáveis (Ibrachics) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A ICTP.Br se constitui, assim, em uma inédita união formal entre as principais organizações da ciência brasileira. Uma coalização que, com harmonia, leva para o parlamento federal vozes das mais representativas da ciência brasileira.
Mesmo com o cenário muito adverso para a ciência brasileira, conquistas institucionais importantes foram alcançadas, tais como: a aprovação da Emenda Constitucional No85, de 26.02.2015 que adicionou dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de CT&I no país; a aprovação da Lei No 13.243, de 11.01.2016, o chamado Novo Marco Legal de CT&I, que aprimora as medidas de incentivo à inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo; e a sanção presidencial, em 07.02.2018, do Decreto No 9.283, regulamentando o Novo Marco Legal. Já sob a condução da ICTP.Br, duas outras conquistas fundamentais foram frutos de muita luta e mobilização: a edição da Lei Complementar No 177, de 12.01.2021, que proíbe o contingenciamento dos recursos não-reembolsáveis do FNDCT que se destinam ao fomento à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico, e a aprovação no parlamento do Projeto de Lei No 01/2023, que reconstitui em R$ 4,1 bilhões o orçamento do FNDCT.
Em 2022, o principal desafio foi a coesão das entidades em torno da oposição ao governo Bolsonaro e suas investidas contra a ciência brasileira, retratadas na Medida Provisória 1.112/2022, apelidada de MP da Sucata, que instituía o Programa Renovar financiando-o com recursos destinados à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no setor de petróleo e gás, e na Medida Provisória 1.136/2022, que contingenciava o FNDCT, ficando válida na LOA de 2023. Graças a Lei o01/2023 isso foi revertido.
Além dessas duas pautas centrais, foram várias as audiências públicas realizadas tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal que a ICTP.Br teve participação ativa. Essa lista de conquista não encerra a importância da ICTP.Br nesses últimos quatro anos. A sua história está em franca evolução e o aspecto mais importante dela é sua intransigente e organizada defesa de uma sociedade mais justa, democrática, desenvolvida e soberana no plano internacional. Parabéns a todos e todas que ajudaram a construir essa institucionalidade.