Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação entre os anos de 2005 e 2010, o Acadêmico Sergio Machado Rezende falou um pouco sobre os marcos históricos da ciência e tecnologia no Brasil e apresentou um resumo das iniciativas em seu mandato, que deu continuidade e ampliou o trabalho feito por seu antecessor, Eduardo Campos, falecido precocemente em 2014.
Na linha do tempo, referiu-se à fundação da SBPC (1948), do CNPq e da Capes (1951), do Funtec/BNDES (1963), à reforma universitária de 1968, a criação do FNDCT em 1971 e do MCTI em 1985. Relatou que o fim dos anos 80 e quase toda a década de 90 foram muito ruins para a área da ciência, e que a mudança veio no segundo ano do governo eleito em 2003, quando após o ano de mandato de Roberto Amaral, Campos assumiu a pasta, reuniu todos os órgãos da área e definiu uma política nacional em CT&I com quatro prioridades: expansão e consolidação do sistema, apoio à inovação nas empresas, pesquisa e desenvolvimento em 13 áreas estratégicas e ciência tecnologia e inovação para o desenvolvimento social.
Em 2007, com muito debate com a comunidade científica, foi implantado o Plano de Ação em CT&I 2007-2010, contendo 87 programas, cada um com objetivos claros, metas, justificativas e orçamentos. Um desses programas levou à criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), costurados pelo Acadêmico Marco Antônio Zago, atualmente presidente da Fapesp, com as fundações estaduais.
O programa Ciência sem Fronteiras
Ele falou sobre o maior projeto de cooperação internacional realizado pelo Brasil, que beneficiou em torno de 100 mil jovens brasileiros e brasileiras: o programa Ciência sem Fronteiras, implantado em 2011, que deu oportunidade para estudantes de graduação passarem um ano em qualquer país do mundo, além de oferecer bolsas de mestrado e doutorado fora do Brasil.
De acordo com artigo do então presidente do CNPq, o Acadêmico Glaucius Oliva, responsável pela gestão do programa, publicado na REVISTAq, comemorativa dos 70 anos do CNPq, publicada em julho de 2022, a ideia inicial era simples, com distribuição de 4.000 bolsas entre as universidades, priorizando estudantes de iniciação científica, envolvidos no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (Pibic). As universidades identificariam seus melhores alunos, que buscariam as melhores colaborações e o CNPq e a Capes financiariam. Na pós-graduação o sistema existente seria mantido, sendo apenas ampliado, abrindo mais oportunidades para quem quisesse bolsa de doutorado-sanduíche, pós-doutorado no exterior, doutorado integral no exterior.
Foi também criado um programa de Professor Visitante do Exterior para atrair pesquisadores seniores e jovens pesquisadores estrangeiros em programas de maior duração, de três anos. O convidado tinha que passar três meses por ano no Brasil, por três anos consecutivos, ganhava recursos para a pesquisa realizada aqui e bolsas de pós-doutorado e doutorado-sanduiche. Esse item do programa teve resultados muito relevantes, de acordo com o artigo.
No entanto, o programa sofreu mudanças de ordem superior e foi ampliado para 100 mil bolsas, sem uma estrutura adequada para esse porte. Com muito empenho e esforço do então presidente da Capes, o Acadêmico Jorge Guimarães, e do Acadêmico então diretor do CNPq Manoel Barral Neto, o programa Ciência sem Fronteiras foi colocado de pé e, apesar das limitações estruturais, foi uma experiência muito bem-sucedida, que deveria passar por ajustes antes de uma segunda edição. Porém, foi extinto em 2017.
Sobre as dificuldades encontradas e que requereriam um ajuste, o artigo destaca a falta de domínio de qualquer língua estrangeira por parte dos alunos de pós-graduação e falta de estrutura das universidades na área das relações internacionais. Nesse último tópico, o próprio programa deu solução, mudando a cara das universidades brasileiras. Hoje todas têm relação com o exterior, têm seus departamentos de relações internacionais, têm convênios próprios. Passaram a receber representantes de universidades estrangeiras interessadas em receber alunos brasileiros. Foi um programa transformador, inclusive, na reputação brasileira internacional.
Certamente, os maiores beneficiados foram os estudantes de graduação e o artigo aponta resultados perceptíveis na área de inovação, por exemplo. Desde o fim do programa, 60% das pessoas que são selecionadas em processos seletivos de trainees e contratados nas empresas participaram do Ciência sem Fronteiras. O mesmo tem acontecido com jovens empreendedores, que estão saindo das universidades e criando start-ups inovadoras.
Assim, o programa Ciência sem Fronteiras pode ser considerado um grande projeto de cooperação internacional na formação de recursos humanos para ciência. E Sergio Rezende apontou que em 2012, logo após o final do seu mandato, o Brasil esteve no mapa da ciência internacional publicado no vol. 490 da revista Nature.
Ainda assim, Rezende ressaltou que, até hoje, ouve o mesmo comentário: “ciência é coisa para os países ricos”, ideia de que discorda frontalmente e da qual outros cientistas muito antes dele também discordavam. “Em 1900, Oswaldo Cruz já dizia: ‘Meditai se só as nações fortes podem fazer ciência, ou se é a ciência que as torna fortes’”.
Para o próximo governo, o físico listou algumas propostas: remontar o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI); recompor e ampliar o fomento à CT&I; retomar o apoio à pesquisa, desenvolvimento & inovação em áreas e projetos estratégicos; ampliar as iniciativas de formação, qualificação, atração e retenção de recursos humanos; induzir a inovação no ambiente empresarial; criar e consolidar empresas intensivas em tecnologia; recuperar o apoio às ações de C&T para o desenvolvimento social; desenvolver a bioeconomia na Amazônia; e ampliar a cooperação internacional em ciência e tecnologia.
“Para aprovar tudo isso, o novo governo vai precisar de apoio do Congresso. Para tanto, estão sendo lançadas candidaturas de cientistas, com vistas à formação de uma bancada da educação, ciência, tecnologia e inovação.“
Sobre o manto cinzento de abatimento que vem envolvendo a comunidade científica, Rezende foi enfático: “O MCTI tem apenas 37 anos e já foi extinto ou renomeado diversas vezes. Os altos e baixos na política de CT&I, com a descontinuidade dos recursos, já ocorreram anteriormente. A crise atual será superada. É importante não desanimar: reagir, resistir e continuar trabalhando para reconstruir o Brasil.”
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