Os participantes do 50º Webinário da ABC: Carlos Ourivio Escobar, Ana Tereza R. de Vasconcelos, Renato Janine Ribeiro, Ulisses Barres de Almeida, Luiz Davidovich, Ildeu de Castro, Marcio Portes de Albuquerque e Eduardo Barreto.
No dia 1º de fevereiro, a Academia Brasileira de Ciências deu início à série de webinários do ano de 2022. Em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Acadêmicos e pesquisadores convidados homenagearam Ronald Cintra Shellard, membro titular da ABC, morto no dia 7 de dezembro de 2021.
Organizado pelas Acadêmicas Debora Foguel (UFRJ) e Ana Tereza Vasconcelos (LNCC), o evento contou com a participação do presidente da ABC, Luiz Davidovich, os Acadêmicos Carlos Ourivio Escobar e Ulisses Barres de Almeida e os convidados Marcio Portes de Albuquerque, Ildeu de Castro Moreira e o empresário Eduardo Barreto, amigo de Shelard desde os seis anos de idade. Além de destacarem os feitos e o legado do pesquisador em sua carreira científica, os palestrantes ressaltaram as qualidades de Shellard como pessoa e como militante em prol da ciência brasileira.
O físico
O Acadêmico Carlos Escobar, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que conhecia Shellard há muitos anos, afirmou que era difícil separar o amigo do profissional. Após 52 anos compartilhando interesses e preocupações, ele contou um pouco da trajetória do cientista.
Shellard começou sua jornada na física em 1970, na Universidade de São Paulo (USP) e logo após a graduação fez o mestrado no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT/Unesp, 1973). Entre 1973 e 1974, o Acadêmico aperfeiçoou-se em física e astronomia na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA) e concluiu o doutorado na mesma área na Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA). Dedicou-se à quebra dinâmica de simetria de calibre. com a tese “Dynamical Symmetry Breakdown at Two Loop and Recap”. Em 1983, o cientista deu um novo passo na carreira: ingressou no Departamento de Física da PUC-Rio, onde iniciou pesquisas em teorias de campos.
Em 1995, Shellard foi um dos intermediários da Colaboração Auger, uma iniciativa de cientistas internacionais para construir um gigantesco observatório que investigaria a origem dos raios cósmicos de energias elevadíssimas. Em um evento com forte participação brasileira, realizado na sede da Unesco em Paris, foi tomada a decisão de construir dois observatórios, um no Norte e outro no Sul. O primeiro lugar escolhido foi a Argentina.
Depois de Auger, o cientista não abandonou mais a física de astropartículas, dedicando-se também ao projeto CTA (Cherenkov Telescope Array), projeto multinacional mundial para construir uma nova geração de instrumentos de raios gama, e ao Observatório de Raios Gama de Campo Amplo do Sul, projetado para detectar partículas de chuvas atmosféricas iniciadas por raios gama que entram na atmosfera da Terra.
Quando de seu falecimento, Shellard exercia o cargo de diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCTI).
Fotos de Shellard, do acervo pessoal de Carlos Escobar
O gestor
Marcio Portes de Albuquerque é vice-diretor e coordenador de Ações Institucionais do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCTI), onde trabalhou com Shellard desde 2015. Após seis anos de contato intenso, Albuquerque descreve o companheiro de trabalho como “um homem estratégico”. “Ele gostava de discordar, isso provavelmente o levou para a física. Sempre tinha uma estratégia para discutir com ministérios, para brigar por recursos”. Segundo Albuquerque, Shellard exercia um papel chave nas unidades de pesquisa, sempre discutindo questões relevantes, convocando especialistas para conversar e trazer dados concretos. Era um entusiasta da popularização da ciência, com atuação marcante nessa área e na formação de novos cientistas.
“Ele nunca fugia das hierarquias”, comentou Albuquerque. “Sempre assumia as responsabilidades que caíam sobre ele como gestor.” Uma prova disso foi como Shellard contornou as crises vividas enquanto estava à frente do CBPF: “Mesmo durante o apagão de recursos de 2017, uma das mais sérias crises já vividas no CBPF, Shellard nunca desanimava. Ele vestia a camisa da instituição e da ciência e, assim, valores pessoais dele se tornavam valores da instituição.”
Fotos de Shellard em eventos, compartilhadas por Albuquerque
O divulgador
Ildeu de Castro Moreira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou a atuação de Ronald Shellard como divulgador científico. Sua primeira ação de destaque foi como um dos idealizadores do projeto “SBPC Vai à Escola”, criado em 1995 e existente até hoje. À frente do CBPF, foi um dos idealizadores do Mural Grafite da Ciência, projeto de divulgação científica, projeto que une arte, ciência, enigmas e interatividade. Pintado no muro externo da sede do CBPF, o mural celebra a ciência como uma importante parte da cultura humana. Para Moreira, o projeto “expressa sua visão de ciência e arte e sua essência como ser humano”. Outra criação bem-sucedida de Shellard foi o programa “Físico por uma tarde”, que consistia em visitas guiadas de jovens no ensino médio à sede do CBPF. No ano de 2017, o balanço foi positivo: 16 visitas de escolas, presença de 508 alunos, participação de 12 palestrantes e 20 monitores. Mais de dez alunos que passaram pelo programa decidiram fazer física.
Enquanto editor da revista Ciência Hoje, Shellard escreveu dezenas de artigos, sempre destacando a importância da divulgação científica na formação de crianças e jovens. Além disso, sempre valorizava os institutos nacionais de pesquisa e investia na conexão das escolas com a ciência.
O mentor
Ulisses Barres de Almeida afirma que ter trabalhado com Shellard durante sua “maturação profissional” foi uma grande sorte, tamanho o aprendizado adquirido ao longo dos anos. Pesquisador associado do CBPF e membro afiliado da ABC, Almeida lembra que o professor assumia posições polêmicas para se manter em forma com o debate, mas nunca usou deboche ou superioridade para ganhar uma discussão. “Ele prezava pelas críticas construtivas, pela clareza. Sempre dizia que ‘aos trancos e barrancos, vamos dar um jeito’”, contou, recordando a positividade do professor. Das lembranças do mestre, ficou o legado de uma “escola de liderança”: “Nada o desviava de sua calma e determinação.”
O amigo
Eduardo Barreto teve a honra de conviver desde os seis anos de idade com Shellard. Sócio gestor da São José Fincorp, conheceu o cientista no Colégio Santo Américo, em São Paulo. Em sua breve apresentação, destacou o empenho do Acadêmico para trazer projetos científicos para a América do Sul.
Durante seus tempos de escola, Rony, como é chamado por Barreto, sempre manifestou claramente suas ideias e a sua obstinação às áreas de física e química – sinais do sucesso que ele alcançaria em sua trajetória. Os cientistas voltaram a ser próximos quando Shellard assumiu o comando do CBPF. Juntos, criaram algumas iniciativas, inclusive reunindo-se com ministros em busca de fornecedores para o projeto Auger.
Ronald Shellard foi um grande cientista, amigo e profissional. Seu trabalho em prol da física e da divulgação científica será lembrado por muito tempo.
Assista ao Webinário completo no YouTube.