Nadya Guimarães, Ruben Oliven, Giovana Xavier e Elisa Reis

O último dia da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2021 foi encerrado com a Sessão Temática “O Brasil e suas desigualdades”. As convidadas foram a historiadora e professora da UFRJ Giovana Xavier, coordenadora do grupo Intelectuais Negras UFRJ e ativista científica; e a socióloga e professora da USP Nadya Guimarães, associada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e estudiosa dos campos da sociologia econômica e do trabalho. A moderação do evento ficou a cargo do antropólogo e diretor da ABC Ruben Oliven.

História intelectual de mulheres negras

A desigualdade social brasileira é fortemente marcada por cortes de raça e gênero, o que contribui para diferentes experiências dessa mazela por parte dos vários grupos marginalizados. Diante desse cenário, a palestra de Giovana Xavier trouxe a necessidade de reconhecermos as contribuições passadas e atuais das mulheres negras à produção intelectual brasileira.

A ocupação do espaço acadêmico por pessoas negras só começou a ser massificada com as políticas de inclusão da última década. Essa primeira correção de uma disparidade histórica no acesso ao conhecimento foi conquistada e não oferecida. Para Xavier, “a chegada dos negros às universidades tem muito mais a ver com lutas históricas do que com um posicionamento radical da comunidade científica”, e alerta que “nas estruturas de poder desses espaços permanece a marginalização e o apagamento da intelectualidade de mulheres negras”.

Essa expansão recente do acesso criou fenômenos interessantes que merecem atenção especial, como pessoas que são as primeiras das suas famílias a cursarem uma faculdade. Sobretudo quando se fala de mulheres nessa situação, é importante entender o valor da representatividade e dos conhecimentos que estas mulheres trazem consigo e que receberam de suas mães e avós. “Através das intelectuais negras criamos pontes entre as histórias que nos constituem e as histórias que produziremos”, destacou Xavier.

Para a palestrante, ainda falta aos espaços acadêmicos internalizar essa necessidade de expandir o conhecimento neles produzidos, a partir de políticas com base na equidade. “Não é sobre simplificar a linguagem, mas passar da teoria para a prática”, analisou. A partir de sua experiência como professora universitária, Xavier avaliou que é preciso compreender as práticas de extensão e diálogo com a sociedade como parte integrante da profissão. “Tem que ser um projeto político de construção de conhecimento conectado à história do povo negro, de criar uma comunidade científica negra no Brasil”.

Desigualdade de gênero: novas formas para antigos fenômenos

A entrada das mulheres no mercado de trabalho é um fenômeno relativamente recente no Brasil. A tendência de crescimento da participação feminina data dos últimos 60 anos, mas não significa que a igualdade de gênero tenha sido alcançada. “Ao mesmo tempo em que as mulheres aparecem trabalhando no espaço público cada vez mais, no espaço privado a desigualdade segue inalterada”, explica Nadya Guimarães.

A sobreposição das jornadas de trabalho se dá principalmente por causa das tarefas de cuidado – com crianças, idosos e dependentes -, nas quais, os números apontam, a participação masculina segue mínima. De acordo com uma pesquisa da Seade, publicada em maio deste ano, a proporção de mulheres que justificam a inatividade por conta de afazeres domésticos é 45%, ao passo que entre os homens é apenas 4%. Segundo a palestrante, “com a pandemia, observamos um retrocesso na tendência histórica de aumento da participação feminina no mercado de trabalho”.

Mas a desigualdade não se dá apenas na divisão de tarefas. Nos salários, a média recebida por mulheres segue menor que a de homens na mesma função, tendência que se agrava nos cargos mais altos e de poder. Entretanto a discrepância mais significativa nos vencimentos reflete outra inequidade histórica brasileira: a raça. “Homens e mulheres brancas continuam recebendo, de modo geral, muito mais que homens e mulheres negras”, expôs Guimarães.

Esses padrões se mantiveram durante períodos de crescimento econômico e recessões, com ou sem políticas afirmativas, e refletem uma desigualdade estrutural perene na história brasileira, que precisa ser superada. “Sexo, cor e classe se combinam num padrão particular de desigualdade”, finalizou a palestrante.

Questão indígena

Inicialmente, essa terceira Sessão Temática também receberia o líder indígena Ailton Krenak, que infelizmente não pode comparecer. Em seu lugar, o moderador Ruben Oliven, que é antropólogo, falou algumas rápidas palavras sobre as políticas de demarcação de terras indígenas brasileiras, criticando as tentativas recentes de se estabelecer o Marco Temporal.

 

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