Confira trechos da matéria do Valor Econômico, publicada na última quarta-feira (25/08), a partir de entrevista com o presidente da Academia Brasileira de Ciências Luiz Davidovich. Os trechos selecionados destacam as sucessivas tentativas de contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Para saber tudo que foi discutido, confira a live na íntegra no canal do Valor Econômico no YouTube.

Físico laureado e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich não poupou a equipe econômica do ministro da Economia na live do Valor desta quarta-feira. O cientista define as seguidas estratégias da pasta para não liberar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) como “sabotagem” ao desenvolvimento da ciência no país. Para ele, a fixação em limitar gastos a qualquer preço limita a recuperação econômica a longo prazo.

“A economia é importante demais para ficar só na mão de economistas. É uma questão nacional. Precisamos urgentemente de uma política que aponte para o futuro, de um governo que tenha um planejamento, que indique uma direção. E não é o caso do governo atual, certamente não é”, disse Davidovich ao esmiuçar os seguidos movimentos do governo para impedir a liberação de recursos à ciência.

Com perspectiva de arrecadação de R$ 7,3 bilhões em 2021, o FNDCT é formado por 16 fundos que arrecadam impostos de empresas de diferentes setores para utilização em subvenção e financiamento de ciência e tecnologia. Esse é o motivo do cabo de guerra entre o ministro da Economia, cientistas e empresas de inovação. Curiosamente, ao seu lado, os estudiosos contam com parte importante das forças militares, que têm voz dentro do governo.

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Segundo Davidovich, em 2021, a primeira investida do governo foi contingenciar R$ 5 bilhões desse montante no orçamento. A iniciativa só intensificou o hábito de outras administrações que, nos últimos dez anos, transferiu mais de R$ 28 bilhões ao Tesouro Nacional para superávit primário ou cobertura de gastos do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI). A estratégia, no entanto, se viu frustrada pela aprovação da lei 177/2021 pelo Congresso, nos mesmos dias em que se discutiam o orçamento. No texto, os parlamentares proibiram contingenciamentos ao FNDCT e o converteram de fundo contábil a financeiro, o que permite rendimentos de aplicação e acúmulo ao longo dos anos.

Ao ser obrigado por lei a liberar os valores à empresas e centros de pesquisa por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o governo passou a utilizar outras táticas, afirma o físico. Enviou ao Congresso, um projeto de emenda constitucional para garantir a devolução ao Tesouro dos recursos não utilizados de fundos federais e para aumentar a parcela prevista para crédito do FNDCT de 25% para 50%. Segundo Davidovich, como as condições desses empréstimos, realizados a juros mais altos que os de mercado, não são interessantes para as empresas de inovação, elas não tomam os valores emprestados e eles ficam parados ou, na ótica do governo, “protegidos” no FNDCT.

“A estratégia é ‘ótima’. [Membros do governo] estão dando com uma mão para tirar com a outra. Esses créditos não são usados. Os juros são altos e eles não interessam à indústria. A indústria inovadora está contra [esse aumento da parcela reembolsável dos recursos] porque não usam. Encontram crédito mais barato em outros lugares”, diz Davidovich.

Retirados esses 50% reservados à empréstimos desinteressantes e mais a parcela referente à equalização de juros, sobraria para subvenção pura de empresas, institutos federais e universidades R$ 2,7 bilhões, os quais o governo mostra pouca inclinação a liberar. Estratégia antiga, lembra o presidente da ABC noutras entrevistas, é liberar os valores no apagar das luzes do exercício, nos meses de novembro e dezembro, para dificultar sua execução.

Ainda completaria a lista de “sabotagens”, segundo Davidovich, a retomada de um processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) para desobrigar empresas de pagarem a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), imposto que responderia por 40% da arrecadação do FNDCT. O processo é movido por empresas da indústria de informática, sob a alegação de que os recursos não encontram a sua finalidade original, e teria sido trazido à baila por um procurador do Ministério da Economia.

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“Uma política econômica tem de contemplar o futuro do país e não só o equilíbrio. Precisamos de uma estrutura que permita recuperar a economia e isso passa pelas universidades e institutos federais de pesquisa, que estão sendo enormemente sacrificadas “, diz.

Ao fim da conversa, o físico destacou a importância do investimento na ciência básica, que está por trás da ciência aplicada e do desenvolvimento de produtos pelo setor privado, e citou como possível norte o livro Projeto de Ciência para o Brasil, editado pela ABC e que reúne as proposições de 180 cientistas brasileiros para o futuro do setor.

 

Confira outros tópicos debatidos na entrevista.

Confira a entrevista completa com Luiz Davidovich: