Leia texto do Acadêmico Sergio Machado Rezende, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, promessor titular aposentado do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco:

O Brasil perdeu ontem Sérgio Mascarenhas de Oliveira (1928-2021), professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em São Carlos (IFSC). Além do ser humano generoso e grande educador e cientista que foi, Mascarenhas teve papel fundamental em vários aspectos e iniciativas para o desenvolvimento da Ciência no Brasil.

Sérgio Mascarenhas foi um dos fundadores da física da matéria condensada no Brasil. Foi aluno de Joaquim da Costa Ribeiro na Universidade do Brasil no Rio de Janeiro e publicou seus primeiros trabalhos sobre o efeito termodielétrico, descoberto por Costa Ribeiro. Foi Mascarenhas quem chamou o novo fenômeno de Efeito Costa Ribeiro, pelo qual passou a ser conhecido. Ele deu os primeiros passos em sua carreira acadêmica em 1955 ao se mudar do Rio de Janeiro, então capital e grande cidade do país, para uma pequena cidade do interior paulista, São Carlos do Pinhal. A Universidade de São Paulo (USP) estava expandindo suas atividades para além da cidade de São Paulo e São Carlos era sede de uma promissora Escola de Engenharia. Sergio foi contratado no Departamento de Física e implantou com muita dificuldade laboratórios de pesquisa para trabalhar nas áreas de pesquisa de seu mentor, mesmo com os limitados recursos experimentais disponíveis.

Ele também iniciou estudos de centros de cor em cristais iônicos usando técnicas ópticas e, em meados dos anos 60, todo o Departamento de Física do Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC) fazia pesquisas em física do estado sólido. O Instituto foi um spin off da Escola de Engenharia e Sérgio seu principal fundador. Em meados dos anos 70, Sergio estava interessado em usar as técnicas físicas que conseguiu estabelecer no instituto de física para estudar materiais biológicos e a biofísica molecular era uma área natural de abordagem. Ele começou a investigar o papel da água na matéria biológica. A água estava em uma estrutura amorfa ou seria organizada? Ele não gostou da ideia de que nós humanos, por ter 60% do nosso corpo composto de fluidos, seríamos como uma bolsa de água! Ele usou as mesmas técnicas empregadas para estudar eletretos, como a corrente estimulada termicamente (CST) para mostrar que os picos de despolarização ocorrerão em função da umidade, mostrando de forma muito elegante e simples que as moléculas de água não estavam aleatoriamente orientadas nas moléculas biológicas. Este foi o ponto de partida das pesquisas em biofísica molecular no IFQSC, onde surgiram diversos grupos de pesquisa em cristalografia de proteínas, ressonância magnética, física computacional aplicada a sistemas biológicos, entre outros.

No início dos anos 70 Mascarenhas foi um dos articuladores para a fundação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), e foi seu reitor pro-tempore até que fosse nomeado um reitor com mandato. O Departamento de Ciências dos Materiais e o Programa de Graduação em Engenharia de Materiais da UFSCAR surgiram de ideias suas, e esta iniciativa tornou-se a menina dos seus olhos. Este departamento foi pioneiro na área no Brasil e hoje é um centro de pesquisa de classe mundial em ciências dos materiais. Poucos anos depois ele convenceu a Embrapa a criar em São Carlos o Centro Nacional de Instrumentação Agropecuária, que se tornou uma unidade de referência internacional.

Além de ter sido o criador de diversas instituições, Mascarenhas foi um grande apoiador de novos grupos de pesquisa em todo o Brasil. Foi ele que, como membro do Conselho Deliberativo do CNPq em 1970, propôs a celebração de um convênio com a UFPE e participou ativamente da elaboração do plano para a implantação de um grupo de pesquisas no recém criado Instituto de Física, que originou o atual Departamento de Física, que este ano completa 50 anos de existência.

Nos últimos 10 anos o esforço de pesquisa de Sergio Mascarenhas foi o desenvolvimento de um método não invasivo para monitorar a pressão intracraniana (PIC). Novamente ele revolucionou a área mudando a Doutrina Monro-Kellie que estabelecia que o crânio humano seria indeformável. Como um bom físico ele sabia que todos os materiais podem ser deformados e uma relação tensão-deformação pode ser obtida e, portanto, se alguém conhece uma variável, a outra pode ser inferida. Seu instrumento foi patenteado no Brasil e nos EUA e ele criou uma empresa “start-up” para sua comercialização, que logo depois passou adiante.

Mascarenhas era Presidente de Honra da SBPC, membro titular da Academias Brasileira de Ciência e de academias de outros países, Doutor “Honoris Causa” por muitas universidades, dentre elas a UFPE (2013), e recebeu muitos prêmios, dentre eles o primeiro Prêmio Joaquim Costa Ribeiro concedido em 2019 pela Sociedade Brasileira de Física.

Mascarenhas sempre pensou na pesquisa como um empreendimento colaborativo e adorava compartilhar ideias e trabalhar com equipes de jovens. Ele tinha uma virtude muito importante, procurava ver nas pessoas suas qualidades, e ao mesmo tempo relevar seus defeitos. Por estas e outras razões, deixará muitas saudades em tod@s que com ele conviveram.

Querido Mascarenhas, você nos deixou presencialmente, mas seus exemplos e seus ensinamentos ficarão conosco. Muito obrigado.