“Fratelli Tutti”: a mensagem social global do Papa Francisco foi o tema da última edição dos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde “José Roberto Ferreira”, realizada no dia 3/11. O encontro promovido pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz) contou com a presença do presidente da ABC, Luiz Davidovich, do teólogo Leonardo Boff e da pesquisadora emérita da Fiocruz Maria Cecília Minayo. O ex-presidente da Fiocruz Paulo Marchiori Buss foi o coordenador do evento.

Após oito anos desde sua eleição, o Papa Francisco escreveu uma nova encíclica, a Fratelli Tutti, uma carta dirigida a todos os povos do mundo. Inspirada e dedicada a São Francisco de Assis, o título do documento publicado no dia 3 de outubro deste ano é um citação direta das “Admoestações” do santo e quer dizer “Todos irmãos”. Em suas palavras, o Papa indica a fraternidade entre os seres humanos e a natureza como uma resposta às crises globais atuais e faz sintonia com a Laudato si’, outra importante encíclica de sua autoria.

Para Luiz Davidovich, a encíclica trouxe importantes indicações também para a ciência e seus desafios na atualidade. “A ciência não deve servir apenas a quem a promove, como fonte de dominação e desigualdade, ela deve impulsionar a humanidade”, afirmou o presidente da ABC. A COVID-19, segundo Davidovich, deveria ser uma lição, mas apenas evidenciou a ganância dos homens, que se sobrepõe ao bem da “casa comum”, provocando efeitos no clima, incêndios na Amazônia e no Pantanal e assim matando a riqueza da biodiversidade. “A humanidade não é apenas guerra, vemos a fraternidade se alastrando entre os homens. A questão é como fazer com que esse sentimento se difunda e conquiste mais corações e mentes”, disse. “Se alguém sofre em alguma parte do mundo, sofremos juntos”, destacou.

“É importante olharmos para o planeta e vermos o quão sintonizada a nossa humanidade está a ele”, apontou Davidovich, ao refletir sobre o documento do Papa. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), a interdisciplinaridade e a recusa do medo são, para o físico, caminhos possíveis para um mundo melhor. “Reaparece a tentação de fazer uma cultura dos muros, muros no coração, para impedir encontros entre as pessoas. Quem levanta um muro acabará escravo dos muros que construiu”, disse Luiz Davidovich, ao citar um trecho da encíclica que o comoveu. “É preciso mais gente sonhando junto, de uma humanidade que se nutra da esperança. Sonhos sonhados juntos se tornam realidade”, concluiu.

Reconhecido por sua defesa à teologia da libertação e pelos direitos dos mais pobres, Leonardo Boff citou trechos relevantes da encíclica Fratelli Tutti e revelou algumas das intenções mais importantes do Papa Francisco ao publicar essa carta. “Este documento é como uma lâmpada para iluminar os caminhos certos”, disse. O paradigma da fraternidade, questão central da encíclica, a forma como habitamos o planeta e a recusa ao neoliberalismo, à devastação da natureza e ao individualismo marcam as páginas do documento. “O Papa Francisco coloca alternativas, como o amor entre todos os seres humanos, a cooperação aberta a todos os países, pessoas e culturas. O cuidado começando por si mesmo e se expandindo por tudo o que existe e vive”, disse, depois de citar alguns trechos das reflexões papais.

Cecília Minayo acrescentou algumas reflexões da sociologia, uma de suas áreas de atuação, ao debate. Para ela, mais do que um documento religioso, o Papa conseguiu fazer um diagnóstico do que ocorre no mundo atual. “A violência contra a mulher é um dos pontos desse documento, há um sistema mundial sexista que reduz as mulheres à invisibilidade dos lares”, denunciou. “Por isso, temos que investir na inclusão por meio da educação, da saúde e da segurança. Trocar a violência pelo diálogo fraterno e  pelo reconhecimento dos direitos sociais, individuais e coletivos. Enquanto cientistas, temos que estar presentes nessas questões”, concluiu.

A série de eventos realizada pelo Cris/Fiocruz é uma homenagem ao seu cofundador, o médico José Roberto Ferreira, reconhecido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) como herói da Saúde Pública das Américas, e aborda temas relacionados à saúde global e à diplomacia em saúde.

Assista ao vídeo com a íntegra do encontro: