Promover discussões com grandes nomes da academia sobre a ciência no Brasil. É com essa proposta que a Pró-Reitoria de Pós Graduação (PRPG/UFG) está realizando o Seminário Avaliação, Desafios e Perspectivas da Pós-Graduação, com programação até sexta-feira (6).
Nessa quarta (4), o auditório da Biblioteca Central recebeu dois palestrantes: Luiz Davidovich, Presidente da Academia Brasileira de Ciências, e Ricardo Galvão, ex-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os convidados abordaram a atual situação da pesquisa nacional e os desafios do presente e do futuro, frente às ingerências do Governo Federal, o obscurantismo científico e a necessidade de revisões no funcionamento da pós-graduação.
Seminário reuniu comunidade acadêmica no auditório da Biblioteca Central (Fotos: Carlos Siqueira)
Para onde vamos?
“Essa é uma pergunta que ninguém tem a resposta”, respondeu Luiz Davidovich, se referindo ao cenário da ciência brasileira. Inclusive, a situação atual é de maior dúvida, já que o déficit orçamentário para a pesquisa tem dividido espaço com um novo problema: a ascensão de um movimento anticiência, de obscurantismo do conhecimento produzido na academia.
Além disso, existem problemas internos ao contexto dos cientistas. Um deles diz respeito à saúde mental (ou ausência dela) entre pesquisadores. Um estudo da Revista Nature, realizado com 6.300 jovens pesquisadores, constatou que 36% procuraram tratamento para depressão e ansiedade em virtude dos estudos. Na população geral, essa média é de 6%. Além disso, cerca de 30% deles procuraram ajuda fora da instituição de ensino, enquanto 18% buscaram na própria universidade e não foram bem atendidos.
Para o convidado, esse quadro de adoecimento faz parte de uma sobrecarga à qual os pesquisadores em programas de pesquisa são submetidos. Luiz Davidovich elencou esse como um dos grandes problemas atuais na pós-graduação, um desafio a ser superado. Outro gargalo é o financiamento precário e instável às atividades de pesquisa. “E mesmo com essa dificuldade, que existe também em outros países, o estudo apontou que 58% dos entrevistados pretendem continuar nas instituições”, adicionou.
A dificuldade de apoio às ideias inovadoras e o baixo estímulo à carreira docente também são pontos que precisam ser melhorados. “Um dos grandes problemas na atualidade é que temos um Ministério da Educação que não reconhece a importância da ciência. Ainda assim, precisamos estimular novas ideias, empenho e motivação dos jovens pesquisadores, especialmente com objetivo de aumentar o impacto do que produzimos”.
“Também podemos perceber uma departamentalização intensa das universidades, o que impede a conexão entre áreas do conhecimento. Isso diminui a potencialização de pesquisadores”. Um exemplo de iniciativa que tenta solucionar esse problema é promovido pela Universidade Federal do ABC, onde as unidades acadêmicas integram cursos de áreas distintas – como o Centro de Ciências Naturais e Humanas, ou o Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas.
Conquistas
Embora tenha levantado alguns desafios, Luiz Davidovich também destacou as conquistas possibilitadas pela pesquisa brasileira. “Temos uma pós-graduação forte, graças aos esforços de muitas pessoas ao longo de décadas. Uma das ações importantes para chegarmos até aqui foi a criação do Sistema de Avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em 1976. Hoje, formamos 22 mil doutores por ano no Brasil”.
Além disso, a pesquisa nacional possibilitou grandes parcerias com empresas públicas e privadas. A Petrobrás, por exemplo, contou com apoio de instituições públicas de ensino para gerir a exploração do Pré-Sal: Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é outro caso bem sucedido de organização que firmou parcerias com a academia pelo fortalecimento da produção de alimentos por meio da ciência.
A Embraer, 3º maior fabricantes de jatos comerciais do mundo, compartilha muito de sua trajetória com o Instituto Técnico de Aeronáutica (ITA), fundado em 1950. Referência no ensino e pesquisa em Engenharia, o ITA está vinculado ao Comando da Aeronáutica (Comaer).
Luiz Davidovich destacou conquistas e desafios na pesquisa nacional
Saiba mais: Parceria UFG-Embrapa cria método mais eficaz para análise de solo
Publicações
Ricardo Galvão apontou a importância das publicações científicas para sugerir políticas públicas. “A própria Academia Brasileira de Ciências (ABC) tem lançado vários trabalhos com dados e proposições de medidas para a preservação da Amazônia”, destacou, se referindo à organização da qual Luiz Davidovich é presidente. No entanto, o convidado criticou o Ministério do Meio Ambiente ao apontar que, para o titular Ricardo Salles, “os cientistas brasileiros não contribuem com o tema”, sendo que ele “apenas diz isso porque não se interessa em ler o que os cientistas publicam sobre o assunto”.
Um dos mais importantes documentos publicados com esse tema foi o Livro Azul, lançado em 2010 durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, com participação da ABC e de outras instituições em sua comissão organizadora. O Plano Amazônia Sustentável (PAS), publicado em 2008, também propõe medidas que “poderiam ter sido tomadas pelo ministro para solucionar a degradação do bioma”.
“O que percebemos é uma grande desconsideração do atual governo pelo trabalho de quem faz ciência e se dedica à preservação ambiental. Quando apresentamos algum desses livros para o ministro, ainda escutamos a desculpa de que se trata de ‘projeto político com viés esquerdista’”, lamenta. Em seu depoimento, Ricardo Galvão conta que haviam alertas sobre as queimadas que ocorreriam na Amazônia, mas todos foram ignorados pelo ministério.
Outra fonte de informação que permite posicionar ações ambientais é o Deter, alerta de desmatamentos. “Apenas no Parque Nacional do Jamanxim (Pará), recebemos 15 alertas entre abril e julho desse ano”, relata, se referindo às informações que tinha quando deixou a direção do Inpe.
Ricardo Galvão: alertas de incêndios foram ignorados