Leia no Correio Braziliense artigo do Acadêmico Renato Cordeiro, publicado em 15/04/2019:
Além de fundador e primeiro presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o almirante Álvaro Alberto presidiu a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Considerado uma das grandes inteligências nacionais, foi um dos principais responsáveis pela implementação do Programa Nuclear brasileiro. Dada a brilhante e proativa trajetória, se estivesse vivo, Álvaro Alberto estaria perplexo com os cortes orçamentários previstos no escopo do Decreto 9.741, de 29 de março de 2019, que determinou a redução de recursos da ordem de 42% (R$ 2,158 bilhões) em ciência, tecnologia, inovações e comunicações (MCTIC); 31,7% (R$ 8,255 bilhões) em educação (MEC) e 79,5% (R$ 4,737 bilhões) nas atividades do Ministério de Minas e Energia.
Esse nível de contingenciamento afeta dramaticamente o orçamento do MCTIC e de toda sua estrutura, que inclui em conceituadas unidades de pesquisa, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), entre outros. Apesar de constituir a espinha dorsal da CT&I, a principal fonte de fomento à pesquisa no país, o CNPq já sofria redução orçamentária desde o governo anterior, com deficit de R$ 300 milhões. Na atual situação, além de não mais conseguir honrar o pagamento de auxílios à pesquisa, ficará impossibilitado de pagar as bolsas de estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado, até o fim de 2019.
Desde 1955 — quando Álvaro Alberto presidiu o CNPq — até o presente momento, o desenvolvimento científico e tecnológico no nosso país avançou significativamente em quase todas as áreas de conhecimento. O Brasil alcançou o 13º lugar na produção de artigos científicos indexados de nível internacional, superando países como Rússia, Holanda, Suíça, Suécia e os demais países latino-americanos. No período de 1998 a 2017, os programas de pós-graduação formaram o impressionante número de 225.207 mil doutores, 654.068 mil mestres e 72.529 mil mestres profissionais (GeoCapes).
Todo o investimento e esforço dedicados ao projeto de futuro e desenvolvimento da nossa nação, por meio do fortalecimento dos centros de pesquisa e formação de pessoas altamente qualificadas, poderá ser seriamente comprometido — ou até inviabilizado — pelo drástico e absurdo contingenciamento. O novo ministro de CT&I, o astronauta Marcos Pontes, foi recebido com grande esperança e entusiasmo pela comunidade científica. Entretanto, terá sérias dificuldades para conduzir a área de CT&I na atual situação de penúria. O documento elaborado pela ABC, SBPC e outras quatro entidades, encaminhado ao governo em 1º/4/19, deixa claro que o Decreto 9.741 “…atinge em cheio a ciência e a inovação tecnológica no Brasil, prejudicando a qualidade de vida da população e eliminando, por longo período de tempo, a possibilidade de protagonismo internacional do país”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, é PhD pela Universidade de Chicago, um centro de excelência em pesquisa e celeiro de Prêmios Nobel, medalhistas Fields, Prêmios Turing e Pulitzer no mundo. Tendo DNA de pesquisador, portanto, entende e valoriza a CT&I para o desenvolvimento econômico e social dos países e seus povos. Portanto, esperamos do pesquisador a sensibilidade para a edição do Decreto 9.741, evitando o sucateamento do setor. Ainda, esperamos que a razão do pesquisador prevaleça sobre a do ministro, cuja declaração recente desautoriza a realização de novos concursos nas instituições federais.
Com a crescente onda de aposentadorias no serviço público federal — decorrente da Reforma da Previdência elaborada pelo governo federal e sob discussão e tramitação no Congresso Nacional —, essa decisão seria desastrosa para o futuro das universidades e institutos de pesquisa, cujos quadros já apresentam contínua redução, uma vez que não há política efetiva de reposição de pessoal para todo o conjunto de instituições.
Diante da presente encruzilhada, temos dois caminhos a escolher: ou implementamos um projeto de nação, baseado em CT&I e fazemos o Brasil prosperar, a exemplo de outros países, ou corremos o risco de asfixiar toda uma geração de jovens cientistas, promovendo a sua diáspora para nações do Primeiro Mundo, ávidas por cérebros talentosos e produtivos.