O entendimento da biodiversidade de fauna e flora do país é essencial para conhecer e controlar doenças que afetam a população e tem origem em vetores naturais. Essa relação estreita entre doenças e diversidade biológica foi a pauta do debate que reuniu o médico, diretor do Instituto Evandro Chagas (IEC) e Acadêmico Pedro Fernando da Costa Vasconcelos; Lavinia Faccini, pesquisadora e professora da área de genética e biológica molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Márcia Chame, zoóloga e coordenadora da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e Paolo Zanotto, pesquisador em virologia da Universidade de São Paulo (USP). A sessão, intitulada “Singularidades da biodiversidade brasileira: patógenos e ressurgência de doenças humanas”, integrou o Simpósio Preparatório Brasil/França sobre Biodiversidade e foi coordenada pelo Acadêmico Samuel Goldenberg, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Diagnóstico em Saúde Pública.
Oropouche: possibilidade de nova epidemia?
vasconcellos.jpg Vasconcelos apresentou alguns dados sobre arboviroses comuns na região amazônica, dentre os quais a dengue, chikungunya, zika e febre amarela, além da encefalite causada por vírus e a febre de oropouche. Este último causou epidemias explosivas na Amazônia entre 1960 e 2009, mas, em 2017, o pesquisador da USP José Luiz Tadeu Moraes alertou a mídia sobre a possibilidade de haver uma epidemia do vírus este ano no país. “Este vírus explodiu no Brasil em 80, mas agora a preocupação aumentou. Ele tem quatro tipos genéticos, mas o mais comum é o tipo 1”, explicou Vasconcelos.
Para o Acadêmico, a tendência é apenas de aumento no número de epidemias causadas por arbovírus. Na Amazônia, seu terreno de pesquisa, o aumento populacional não planejado e o consequente desmatamento tiveram influência direta no crescimento desses casos. “Um dos principais vetores desses vírus são mosquitos, que saem da região de mata quando há esses desequilíbrios causados por pessoas, gerando as epidemias”, explicou.
Zika e microcefalia
faccini.jpgA pesquisadora da UFRGS Lavinia Faccini também conduz pesquisa relacionada a viroses, a mais recente focada no zika. Com a epidemia do vírus no Brasil, iniciado no fim de 2013, Faccini passou a estudar a relação do vírus com casos de microcefalia que começaram a ser notificados.
“Nós sabíamos que algo estava acontecendo no Nordeste. Não era a primeira vez que víamos a microcefalia, mas os casos tinham características específicas que eram novas”. A hipótese dos pesquisadores era de que a microcefalia seria resultado de um novo teratógeno, danos ocorridos durante a gravidez que afetam o embrião. O grupo foi um dos muitos envolvidos na força tarefa que descobriu a relação do vírus com a microcefalia. “A investigação mostrou que além da diminuição da circunferência craniana, havia outros danos cerebrais envolvidos, acúmulo de líquido no crânio e do volume de massa calcificada”, explicou a pesquisadora.
Doença de Chagas e sua transmissão
marica_chame.jpgAssim como Vasconcelos, Márcia Chame, pesquisadora da Fiocruz, tem trabalhado na influência dos vírus que tem origem na cadeia animal e afetam humanos. com as relações entre a saúde de animais silvestres e a saúde humana. Ela reforçou o impacto que as ações humanas empreendem sobre os ambientes naturais e favorecem a transmissão de patógenos entre animais e pessoas. “As alterações no habitat, nos indivíduos que compõem o ecossistema interferem na emergência de vírus”.
A pesquisadora apresentou a importância da diversidade biológica na diluição da transmissão de agentes infecciosos para os humanos mostrando, por exemplo, como a incidência de helmintos de importância epidemiológica em canídeos aumenta nas áreas antropizadas na Caatinga, quando comparada à incidência destas espécies em Unidades de Conservação. Chame abordou também um estudo do grupo da Dra. Ana Jansen da Fiocruz sobre a manutenção da biodiversidade de pequenos mamíferos, que facilita a diminuição do aparecimento dos casos de doença de Chagas no Pará.
A cientista coordena a Plataforma SISS-Geo – Sistema de Informação de Saúde Silvestre, que funciona com base em aplicativo móvel colaborativo e na web, no qual o usuário – especialistas ou público em geral – pode identificar a ocorrência de um animal silvestre no campo. As informações são enviadas em tempo real e quando, por análise automatizada, animais mortos, doentes ou com comportamento estranho são identificados, os registros são informados aos órgãos responsáveis. A colaboração de todos com o envio de registros contribui para a construção de modelos de alerta e de previsão. “Essas informações são comparadas com a ocorrência de casos de viroses por região, dando origem a modelos de previsão”, explicou Chame.
Genotipagem dos vírus
zanotto.jpgTambém envolvido com a pesquisa do dengue, Paolo Zanotto, da USP, usou a análise de genótipo para criar padrões de controle da incidência do vírus. “A análise filodinâmica do vírus é uma ferramenta muito importante e que funciona. As taxas de substituição e de recombinação em flavivírus são baixas e, portanto, análises de genealogias virais são informativas acerca de padrões de espalhamento viral no espaço e no tempo”, defendeu Zanotto.
O grupo dele analisou as incidências do vírus na região do Guarujá, município de São Paulo, fazendo um acompanhamento em tempo real da epidemia e traçando parâmetros de comportamento. “Essa análise em tempo real se mostrou útil para o controle, o caso de Guarujá foi uma prova disso. Acredito que precisamos incorporar genealogia viral e os dados de pacientes para entender melhor a evolução das epidemias”, comentou o pesquisador.