É comum ouvirmos hoje de pediatras e nutricionistas que o bebê deve se alimentar exclusivamente do leite da mãe desde o nascimento até os seis meses de vida. Os médicos sugerem ainda que a amamentação siga até que a criança complete os dois anos, acompanhada de outros alimentos. A recomendação parece comum hoje, mas nos anos 80, quando o epidemiologista César Victora liderou o estudo que levou a essas conclusões – hoje recomendações oficiais da Organização Mundial da Saúde – a recepção dos médicos da área quanto aos seus resultados foi permeada por dúvidas. Na última conferência da Reunião Magna da ABC 2017 o Acadêmico apresentou seus estudos.

Victora é formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e PhD em Epidemiologia da Assistência Médica pela Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres. Os estudos do pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) sobre nutrição materno-infantil começaram em 1982, quando iniciou na cidade de Pelotas, junto do Professor Fernando Barros, uma coorte de nascimentos – atividade que acompanha a saúde de indivíduos de uma região e período de tempo determinados. A iniciativa foi uma das primeiras feitas no país. “A maior dificuldade que encontramos foi a falta de infraestrutura em Pelotas, onde não havia tradição de pesquisa epidemiológica. Não tínhamos computador, nem biblioteca e nem laboratórios na Universidade”, conta Victora.

As análises feitas pelos médicos de óbitos infantis mostraram que, nas mortes causadas por infecções, as três principais razões eram diarreia, infecções respiratórias e outros tipos de infecções. Mais do que isso, o estudo mostrou que essas infecções estavam diretamente ligadas à alimentação das crianças. As que não receberam leite materno tiveram 14,2 vezes mais chance de morrer por diarreia e 3,6 vezes mais por infecções respiratórias do que as que foram alimentadas exclusivamente com o leite da mãe. Além disso, a adição de outros alimentos como chás e sucos também interferia no risco de mortalidade.

A razão para isso, afirma Victora, está em três principais razões. “Primeiro, o leite materno contém dezenas de substâncias com propriedades antimicrobianas e imunológicas. Segundo, o estômago de uma criança pequena tem um volume muito reduzido, e quando ela recebe outro alimento sobra menos espaço para receber a quantidade adequada de leite materno. Terceiro, as mamadeiras e a água usadas para preparar chás e o leite em pó, particularmente em famílias pobres com abastecimento de água e saneamento precários, podem estar contaminadas com bactérias patogênicas”, explica o pesquisador.

As pesquisas do grupo de Victora foram adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Unicef como base para a recomendação oficial do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses. A medida passou então a ser uma prática nas sociedades de pediatria de todo mundo. “Atualmente temos cerca de 40% das crianças brasileiras menores de seis meses recebendo aleitamento exclusivo, o que ainda é pouco mas é muito superior ao que ocorria nas décadas de 1980 e 1990”, calcula Victora. Estima-se que, se o aleitamento em crianças menores de dois anos fosse feito corretamente por todo mundo, 820 mil mortes infantis poderiam ser evitadas.

Os estudos do grupo, no entanto, não pararam na influência do aleitamento na mortalidade infantil. As pesquisas mais atuais de Victora mostram que a duração da amamentação materna tem influência no QI e no grau de escolaridade e renda dos indivíduos durante a sua vida. O médico explica que o valor nutricional do leite materno tem influência direta no desenvolvimento de órgãos como cérebro, pâncreas, fígado, rins e outros. “Crianças com nutrição e crescimento adequados terão menor risco de várias doenças cardiovasculares e metabólicas, e também apresentarão melhor desenvolvimento cognitivo, e se tornarão adultos mais inteligentes e produtivos para a sociedade”, explica ele. “Investir nos primeiros mil dias (da concepção até os dois anos de vida) é investir em uma sociedade mais saudável e produtiva”, argumenta Victora.

A pesquisa de Victora lhe rendeu este ano o Prêmio Gairdner, importante premiação científica do Canadá e uma das mais respeitadas na área da saúde. Cesar foi o primeiro brasileiro laureado, na categoria Saúde Global, com o prêmio-título John Dirks Canada Gairdner Global Health Award, que reconhece avanços científicos que produziram profundo impacto para a saúde em países em desenvolvimento. O Prêmio Gairdner é considerado um “pré-Nobel”. Dos já agraciados pelo prêmio até hoje, 84 ganharam o Nobel de Medicina ou Fisiologia.

Confira aqui a apresentação em pdf do professor Cesar Victora.