A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2016-2019, lançada em maio, foi tema de debate numa mesa-redonda realizada na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O tradicional encontro, que é o maior evento de divulgação científica da América Latina, aconteceu em julho, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro.
Jailson de Andrade, Luiz Davidovich, Helena Nader, que coordenou a mesa-redonda, Francilene Garcia e Gianna Sagazio
O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Acadêmico Jailson de Andrade, falou sobre o documento, que foi trabalhado e chegou a uma nova versão após receber contribuições de toda a sociedade e comunidade científica. No dia 25 de janeiro deste ano, a proposta da ENCTI foi apresentada pela primeira vez e aberta para debate na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A discussão contou com a participação do então ministro de CT&I, Celso Pansera, e de muitos professores e pesquisadores.
A ideia da ENCTI é estabelecer ações para ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para mitigar os desequilíbrios sociais do país. É um documento que o ministério faz a cada quatro anos e que tem quatro pilares: a promoção da pesquisa científica básica e tecnológica; a modernização e ampliação da infraestrutura de CT&I e do financiamento para o desenvolvimento da CT&I; a formação, atração e fixação de recursos humanos; e a promoção da inovação tecnológica nas empresas.
Jailson de Andrade lembrou que a ENCTI é como o meio do caminho, que levará aos planos setoriais de CT&I, com as metas desmembradas. O Ministério, ele ressaltou, não é o único responsável por ciência e tecnologia no país. “É a cabeça do sistema. A Estratégia se reflete nas agências reguladoras, governos estaduais e municipais, academia, setor empresarial etc., pautando esses atores. O objetivo é a expansão, consolidação e integração do sistema nacional de ciência e tecnologia.”
A estratégia precisa ter pelo menos três dimensões: social, econômica e a científica e tecnológica. Leva em conta a qualidade de vida da população e alguns temas destacados, como água, alimentos, energia, clima, saúde, biomas e bioeconomia, economia e sociedade digital, tecnologias convergentes e habilitadoras, aeroespacial e defesa, nuclear e ciências e tecnologias sociais. “A ENCTI implica em posicionar o Brasil entre os países com maior desenvolvimento em CT&I, reduzir assimetrias regionais, aprimorar as condições para elevar a produtividade a partir da inovação e fortalecer as bases para promover desenvolvimento sustentável.”
Metas da ENCTI
Entre as metas da ENCTI, inclui-se recompor os recursos do Ministério (o orçamento do MCTIC, atualmente, é o mesmo de 2001) e ampliar os investimentos em CT&I para 2% do PIB até 2019 – esta última uma proposta da ABC. “Esse documento inova pouco”, disse Andrade. Ele informou que a ENCTI consolida outros documentos, como o Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e as recomendações que a ABC entrega aos candidatos à Presidência da República a cada quatro anos.
Uma outra meta é aprofundar o processo de desconcentração de universidades e institutos federais, fortalecendo a estrutura dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) em todo o território nacional. “Os INCTs envolvem cerca de 2 mil instituições, quase 7 mil pesquisadores, já formou quase 11 mil pesquisadores. Foram 79 programas de pós-graduação criados.”
Mais uma meta da ENCTI, proposta pelo Movimento Empresarial pela Inovação (MEI), é de ampliar o dispêndio empresarial em CT&I em relação ao PIB de 0,52%, em 2013, para 0,9% até 2019. Além disso, a Estratégia também visa à meta de 2.100 pesquisadores por milhão de habitantes em 2019, contra 709 em 2010, sendo esta também uma proposta da ABC. Já a taxa de inovação nas empresas deve aumentar de 35,7%, em 2011, para 48,6%, para daqui a três anos.
A urgência dos investimentos em CT&I
O físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), mostrou que o Brasil vai na contramão do mundo em termos de valorização de CT&I. Os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,8% do PIB em P&D. A União Europeia tem um acordo para chegar em 2020 investindo 3% do PIB nessa área. A Suécia, em 2015, atingiu o patamar de 3% e a Coreia do Sul e Israel investem mais que 4%.
Em plena crise econômica, em 2012, o primeiro ministro da China anunciou que ia aumentar o financiamento da pesquisa básica em 26%. Mencionou que também expandiria o investimento nas 100 melhores universidades. “Ou seja, alimentar a pesquisa básica para sair da crise, porque ela garante as futuras inovações que mudam nosso cotidiano”, resumiu Davidovich. A Rússia fez a mesma coisa e o feito se repetiu nesses dois países em 2014. O gasto da China com P&D aumentou 23% por ano na última década. Esse país quer alcançar 2,5% do PIB investidos nessa área até 2020.
“As estruturas de apoio a pesquisa acabam ficando irrelevantes se as autoridades do país não colocarem na cabeça que CT&I são estratégicos para o desenvolvimento”, afirmou o presidente da ABC, afirmando que o contingenciamento está prejudicando o empreendedorismo no país. Além disso, nos outros países, o percentual investido em P&D é apoiado pelo setor empresarial, enquanto no Brasil é governo que financia. Enquanto o dispêndio governamental em P&D cresceu até 2013, o empresarial decaiu a partir de 2010.
Em 2015, houve corte no orçamento do MCTI de 26% em relação ao valor inicial, chegando ao valor final de 5,291 bilhões de reais. Já em 2016, o orçamento chegou a menos 38% do valor inicial: 3,2 bilhões de reais. Davidovich comentou diversos projetos que estão parados no Brasil por falta de recursos. Entre eles, o navio oceanográfico, o INPOH – Instituto Nacional de Pesquisas Oceanográficas e Hidroviárias, que trabalharia junto com o navio e ainda não saiu do papel, atividades espaciais, o Reator Multipropósito e os radiofármacos.
A visão de outros setores
Gianna Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional de Indústria (CNI), falou sobre o MEI – Movimento Empresarial pela Inovação, grupo de empresários pensando pró-inovação, articulado pela CNI. Participam ativamente do MEI cerca de 150 líderes das maiores empresas que operam no Brasil, em um universo aproximado de 300 grandes empresas envolvidas. Foi lançada em 2008 com o objetivo de dar foco e valorizar a inovação no país, dando suporte para que as empresas aumentem a inovação e insiram-na em suas estratégias. É um espaço de diálogo entre o setor empresarial e governo.
Gianna ressaltou que o Brasil ocupa a 75ª posição no ranking da competitividade – está abaixo de Botsuana. Um relatório do FMI de 2014 colocou o Brasil como a 7ª economia do mundo, 61º país mais inovador; em 2015, era a 9ª economia, e o 70º no ranking da inovação. “O país precisa ter um olhar para fora, se comparar, trazer experiências.”
O MEI atua com propostas no ambiente político, regulatório, de ensino superior, pesquisa e desenvolvimento e outros, e trabalha pelo aprimoramento das ações de CT&I no país. “Isso é essencial para superar a crise e promover um desenvolvimento de longo prazo”, afirmou Gianna. “A ENCTI permite alinhar esforços nacionais.” A rede entregou uma proposta de aperfeiçoamento da Estratégia com 18 objetivos e 33 indicadores, que incluem, entre outras sugestões, modernizar legislações e preceitos institucionais para fomentar a colaboração de P&D e fortalecer a colaboração internacional para CT&I do setor produtivo brasileiro.
A presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), Francilene Garcia, comentou que a fusão dos Ministérios, bastante criticada na 68ª Reunião Anual da SBPC, leva à descontinuidade na política nacional de CT&I e é um retrocesso. Ela também afirmou que a área de CT&I deve ter uma grande participação da sociedade, mas não conseguimos expor a riqueza desse diálogo. “Pressupõe-se que existe uma agenda conjunta dialogada e uma gestão compartilhada, mas as próprias agências agem sem dialogar entre elas.”
Francilene apontou, ainda, a necessidade de uma articulação maior com o setor industrial, e disse que os planos regionais de CT&I, uma das experiências mais ricas na Consecti, vai favores a ENCTI. “A batalha para manter CT&I dentro das secretarias é diária. Temos tentado trabalhar regionalmente e nacionalmente para dar uma robustez aos sistemas locais. É fundamental continuar perseguindo a agenda mínima de 2% e olhar para as parcerias internacionais.”