O membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências para o período 2013-2107 Marcelo Dietrich se lembra do primeiro projeto de pesquisa que, pelo início dos anos 2000, tentou desenvolver no Brasil, ainda na graduação de medicina. Queria testar como a atividade física atuava no cérebro de camundongos e, para tal, gastou do próprio bolso R$ 900 em argolas, caixas e equipamentos eletrônicos para os animais.
– Era complicado demais pesquisar no Brasil, e ainda é. Logo me dei conta de que não conseguiria fazer a pesquisa básica que queria aqui no país – comenta Dietrich, que palestrou, na segunda-feira (6), no Congresso Mundial de Neurociência, no Rio – que teve na comissão organizadora o Acadêmico Roberto Lent.
A notória dificuldade financeira e burocrática enfrentada por pesquisadores brasileiros foi o principal motivo para que Dietrich, ainda cedo, buscasse abrir portas no exterior. O gaúcho que se considera “inquieto” e diz que “os que seguem as regras nunca inovam” foi quebrando estereótipos do fechado círculo científico, que costuma enxergar com menos interesse quando os olhos interlocutores não são os “azuis” dos americanos e europeus.
Dessa forma, passou pela Espanha e instalou-se nos EUA. Aos 34 anos, Dietrich acumula publicações em revistas científicas reconhecidas, como a “Nature” e a “Cell”, e há um ano coordena um laboratório na Universidade de Yale, onde mostra, por exemplo, que não é somente o cérebro que comanda o corpo, mas que o próprio corpo pode enviar sinais ao cérebro e influenciar o nosso comportamento. Nesta tarefa, dos seis pesquisadores do grupo, apenas um não é brasileiro.
– Talvez eu favoreça os brasileiros por uma empatia, por querer que recebam um bom treinamento – conta ele, que defende a filosofia do projeto do governo federal Ciência Sem Fronteiras, apesar de ele próprio ter tido experiências negativas. – Dependendo do sistema, eles ficam jogados, festejando por nove meses; é um ótimo negócio para as universidades americanas, que recebem a taxa integral, mas são talentos desperdiçados, que voltam frustrados. E estou com três estudantes inscritos no programa que não receberam a bolsa do último mês, por isso temos que ajudá-los financeiramente, além de cobrir seguro de saúde e outros gastos.
Dietrich diz que “nunca foi embora” e ainda tem (mais do que) um pé na pesquisa brasileira. Agora monta, com o professor Diogo Onofre, um laboratório na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pouco antes, em 2013, desenvolveu uma pesquisa com brasileiros, num projeto financiado pelo CNPq. À época, com os recursos atrasados, o cientista pagou do bolso R$ 12 mil, valor que nunca foi reembolsado.
– Às vezes me pergunto por que ainda tenho o pé aqui – comenta. Mas volta atrás e lembra que, apesar da má gestão, há vários talentos.