Para se atingir um nível adequado de desenvolvimento sustentável aliado à segurança alimentar e hídrica, com amplo acesso à saúde e redução das desigualdades, o esforço conjunto da comunidade científica, agentes políticos e sociedade civil é fundamental. Os relatores das sessões da conferência internacional ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação”, promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Rede Global de Academias de Ciências (IAP) em Manaus, no começo de dezembro, comentaram os principais aspectos discutidos nesses temas.

Relator da sessão sobre segurança alimentar, o cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Charles Clement, norte-americano que vive no Brasil há 37 anos, afirma ter ficado evidente que a ciência tem muitas limitações para solucionar o problema da má nutrição. Isso porque ela tem um papel de ajudar a melhorar a produção, especialmente na adaptação às mudanças climáticas e novas demandas, mas segurança alimentar, acima de tudo, é uma questão política, cabendo ao cientista apenas recomendar.

”As recomendações que vêm da ciência, no entanto, muitas vezes não visualizam o mundo holisticamente”, diz Clement. ”Uma nutrição sólida precisa de micronutrientes e minerais que podem ser fornecidos por carne, frutas, legumes e verduras, e uma das recomendações na China, por exemplo, é comer mais carne. Mas as implicações desse consumo maior de carne são especialmente graves no Brasil, pois leva ao desmatamento.” Ou seja, muitos cientistas fazem sugestões nesse campo sem uma visão de desenvolvimento sustentável.

Para Clement, o desenvolvimento sustentável ”é um bicho de 49 cabeças, e todas devem ser consideradas ao mesmo tempo”. O problema é que, no Brasil – e em outros países -, esse conceito é de responsabilidade de apenas um Ministério, o do Meio Ambiente. ”O envolvimento deveria começar de cima – pela Casa Civil, Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda. Aí sim, os outros vão entrar nos eixos.” O relator ressaltou, ainda, que, enquanto muitas pessoas estão saindo da situação da insegurança alimentar, outras estão ficando obesas, deflagrando que há um problema de dosagem.

Outra situação que acontece no Brasil e foi apontada por Clement é que, apesar de as políticas de apoio à agricultura familiar começarem a surtir efeito, as ações de inclusão social não levam em conta esse setor. ”Os filhos dos agricultores estão recebendo uma educação nas escolas que visa transformá-los em pessoas urbanas, e não em dar continuidade à agricultura familiar, que é responsável pela produção de 50% dos alimentos das mesas dos brasileiros. E qual será o futuro disso se os filhos dos agricultores forem todos para a cidade? As políticas estão sendo pensadas no curto prazo, mas vão ter impactos em longo prazo.”

A geóloga Janaina Miranda, relatora da sessão sobre segurança hídrica, disse ter ficado bastante claro que o desenvolvimento nessa questão se dá pela educação, e que a água está diretamente relacionada à erradicação da pobreza pelo acesso ao saneamento, à saúde e todos os outros aspectos relativos ao desenvolvimento sustentável. ”O conhecimento científico só vai influenciar nas políticas públicas se as duas categorias – cientistas e políticos – trabalharem realmente juntos.”

Não por acaso, sua dissertação de mestrado em hidrogeologia tratará da avaliação da vulnerabilidade do aquífero de Alter do Chão, na região amazônica. ”Vou apresentar às autoridades locais um mapa de vulnerabilidade do aquífero que vai dar subsídios para a localização e instalação de indústrias nos locais e outras coisas.” O trabalho é de prevenção, bem mais barato que o de remediação. ”Despoluir um aquífero é infinitamente mais caro do que protegê-lo”, explica Janaina.

Wuelton Marcelo Monteiro, pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), foi o relator da sessão sobre acesso universal à saúde. Ele afirmou que os participantes deixaram clara a necessidade de integração dos sistemas de saúde antes de estender essas medidas à população.

”Essa ponte só vai ser construída se levarmos a informação gerada na academia aos profissionais que estão na outra ponta, atendendo ao público. Esse treinamento é muito importante.” Ele também comentou que o acesso universal à água ainda é uma área negligenciada pelos financiadores de pesquisa em saúde.

Também pesquisadora do Inpa, Cecilia Nunez, que foi membro afiliado da ABC de 2008 a 2012, foi relatora da sessão sobre políticas econômicas e sociais para a construção da equidade, que considerou fundamental por abordar a parte humana. Segundo ela, os palestrantes mostraram que o crescimento econômico, em si, não basta – é necessário haver política de distribuição de renda. ”Acho que a ABC foi muito feliz na escolha dos participantes, que mostraram os erros e, principalmente, os caminhos. Agora tem que haver um desdobramento para ir mais fundo nas políticas públicas.”

Segundo Cecilia, a questão não é só produzir, mas distribuir. ”A Ceagesp, maior entreposto comercial da América Latina, é também o maior produtor e desperdiçador de alimentos, pois não há uma logística eficiente de distribuição.” Ela também fez uma sugestão: ”Acho que a Academia deve propor um evento que dê continuidade a esse para ver como os países que participam da comercialização internacional de produtos deveriam se comprometer com distribuição de renda. Só entraria nesse mercado comum quem assumisse esse compromisso. Isso não me parece uma utopia”.