Em artigo publicado no Jornal do Commercio, o Acadêmico e diretor do Inmetro, Wanderley de Souza, considera que o novo programa do governo federal é oportuno no cenário atual, mas sugere alguns ajustes. Leia o texto abaixo.

“Na última reunião do Conselho Nacional de Tecnologia, realizada em 25 de junho último, a presidente Dilma Rousseff anunciou um novo programa, designado como Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), com alguns objetivos principais.
A leitura do documento orientador do PNPC aponta claramente vários objetivos, mas com destaque especial para integrar de forma harmônica e consequente a pesquisa básica, a pesquisa aplicada e a inovação tecnológica, em um conjunto de áreas consideradas prioritárias para alavancar a produção industrial tanto para consumo internacional quanto para a exportação.
As áreas escolhidas foram: Aeronáutica, Agricultura, Amazônia, Energia, Manufatura Avançada, Oceano, Saúde e Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Para cada uma destas áreas foi elencado um conjunto de temas que serão apoiados prioritariamente.
Inicialmente considero importante discutir se o PNPC é oportuno no cenário brasileiro atual. Muitos acham que não. Eu acho que sim, desde que alguns cuidados sejam tomados. Primeiro que o PNPC surja com recursos novos que venham fortalecer o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), hoje coordenado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Não é aceitável que os recursos venham dos atuais fundos setoriais, parcialmente contingenciados nos últimos quatro anos, como está ocorrendo com o Programa Ciências sem Fronteiras, também lançado pela presidente Dilma e que vem desestruturando a Ciência brasileira que, inclusive, vem perdendo fôlego após oito anos (2003-2010) de crescimento constante. Segundo, que outros programas menores, mas extremamente importantes, que poderão, inclusive, atuar como base de apoio ao PNPC, tenham continuidade e sejam fortalecidos.
Refiro-me, especialmente, ao Programa de Núcleos de Excelência (Pronex), neste momento em fase de agonia no CTI do CNPq, e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), cujo edital para sua segunda fase foi lançado recentemente com maior apoio financeiro dos governos estaduais do que do federal.
Na concepção apresentada, cada projeto temático do PNPC deverá (a) contar com laboratórios bem estruturados (aqui é importante considerar tanto os equipamentos como o pessoal técnico especializado), (b) consórcio de equipes coordenadas por líderes com capacidade científica reconhecida internacionalmente, (c) instituições associadas à Plataforma (tanto instituições científicas como empresas), (d) empresas atuantes na área de atuação da Plataforma, e (e) uma instituição gestora que tenha flexibilidade suficiente para contratar pessoal, como uma organização social.
A análise mais pormenorizada da proposta lembra em muito os objetivos da recém-criada Embrapii, também vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Esperamos que não ocorra sobreposição e sim complementariedade entre as duas iniciativas.
Cabe, finalmente, uma consideração sobre o volume e a origem dos recursos para que o PNPC tenha sucesso. Quanto à origem, aponta-se para a orientação da aplicação dos recursos de P&D de agências reguladoras (Anel, ANP, Anatel) e recursos reembolsáveis e não reembolsáveis do Fundo Social, prevendo-se 10% para CT&I.
Quanto ao Fundo Social, criado há quatro anos para receber a parte da União relativa à exploração do pré-sal, os recursos vêm auxiliando no superávit fiscal primário. Este fundo ainda não foi regulamentado. Recente matéria publicada na imprensa indica a existência de cerca de R$ 2 bilhões parados na conta única do tesouro. Certamente estes recursos crescerão significativamente à medida que a exploração do pré-sal aumente. Por outro lado, as agências reguladoras contam também com recursos significativos.
Nesta fase, é fundamental que se amplie a discussão sobre o PNPC, tanto no mundo acadêmico como no setor empresarial. Instituições como o Inmetro e Senai, entre outras, que atuam na interface do setor acadêmico com o setor industrial, devem ser convocadas a participar ativamente deste programa.
A primeira chamada deveria abrir a possibilidade de apresentação de pré-propostas para cada área, além dos temas elencados e que foram escolhidos sem debate mais profundo com a comunidade científica e empresarial. Enfim, pequenos ajustes me parecem necessários para que o novo programa cumpra seus objetivos.”

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, diretor de Metrologia Aplicada às Ciências da Vida do Inmetro e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.