A sétima edição da conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe aconteceu entre os dias 5 e 8 de novembro na Academia Brasileira de Ciências. O evento reuniu diversas gerações de cientistas da região para relatarem os avanços do conhecimento em suas áreas de atuação.

As palestras sobre ciências sociais aconteceram no dia 7 de novembro, coordenadas pelo Acadêmico José Murilo de Carvalho, que selecionou antropólogos, sociólogos e cientistas políticos para fazer um panorama completo da área. “Escolhê-los foi uma tarefa difícil. Afinal os cientistas sociais formam uma comunidade extensa e heterogênea”, observou Carvalho.

Doutor em antropologia pela Universidade da Pensilvânia (EUA), Wilson Trajano Filho, professor da Universidade de Brasília (UnB), abordou aspectos desta área nas últimas décadas. O Brasil tornou-se a terceira maior comunidade de antropólogos no mundo, sendo essa área das ciências sociais definida como a disciplina da alteridade, ou seja, da diferença. Este vasto contingente de cientistas tem se dedicado a pesquisar grupos sociais e suas especificidades, principalmente campesinos, índios e negros. Trajano destacou que o antropólogo não estuda a população em si, mas uma particularidade dentro deste grupo. “Uma população de índios não é uma questão antropológica. O imaginário em torno de um rio, ou as estruturas de poder entre eles, isto é. E esta forma de ver o outro necessita de um método, teoria, descrição e análise, quer dizer, necessita de ciência”, explicou.

Doutor em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj, Renan de Freitas, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), expôs os avanços no campo da sociologia. “Um campo do conhecimento avança quando seus grandes trabalhos podem se tornar passado ou quando permanecem atuais”, salientou. Os temas de pesquisa mais estudados na área atualmente são criminalidade, religião e mobilidade social, cujos avanços se dão por características distintas. A mobilidade social tem aprimorado seus métodos de pesquisa relacionando modelos estatísticos e desenvolvendo bancos de dados, que são compartilhados entre pesquisadores, visado um aprofundamento dos temas. A religião, segundo Freitas, tem estudos “universalizantes”, na medida em que são desenvolvidos por legados teóricos de conhecimento bastante difundidos. ” É diferente da criminalidade, tema no qual os estudos fizeram surgir novas teorias”, ressaltou o sociólogo.

Doutor em ciência política pelo Iuperj, Renato Lessa, que é diretor-presidente do Instituto Ciência Hoje, analisou o estado da arte da ciência política. O principal tema da área é o comportamento político. E, neste sentido, a ciência política não faz uma justaposição com as demais ciências sociais, porque do seu repertório teórico para explicar fenômenos políticos é cobrada uma prescrição. “Um antropólogo ou um sociólogo não dizem como deveria funcionar uma tribo ou propõem uma reforma de sociedade de castas na Índia, por exemplo. Mas ao cientista político sempre pergunta-se Como se dá a política no Brasil? E como deveria ser?”.

Doutor em sociologia pela Universidade de Manchester (Inglaterra), Bernardo Sorj, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que o crescimento das ciências sociais ocorre em toda a América Latina com a instauração de novas pós-graduações, especializações e cursos de graduação. “Hoje os países da América Latina têm capacidade local de especialização, com o Brasil e o México capitaneando, se considerarmos número de publicações”, afirmou. Neste sentido, a região hoje oferece novas opções aos interessados e vocacionados, além de estar atraindo estudantes e pesquisadores estrangeiros e com isso estar gerando um ambiente muito fecundo para o avanço do conhecimento.

O diálogo entre os pesquisadores pode ser maior, embora exista interação. O caso brasileiro se explica, segundo os palestrantes, por uma exiguidade de estudos brasileiros sobre os países próximos e estrangeiros em geral, sendo privilegiado o foco no próprio país.

“Talvez seja uma falha de comunicação da comunidade científica, que possa ser resolvida com planejamento e gestão”, avalia Sorj. Ou então, considera ainda, esta ênfase na reflexão do Brasil tenha a ver com as expectativas da população acerca dos seus antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, o que gera algumas perguntas. Os antropólogos ao pesquisarem índios, negros, campesinos não estariam refletindo sobre o fracionamento da identidade nacional baseada no amalgamento e nas tradições? Os sociólogos ao pesquisarem mobilidade social, religião e criminalidade não estariam refletindo sobre o processo de modernização brasileiro que gerou o êxodo rural, formou as metrópoles e, com isso, radicalizou o contraste de costumes e as disparidades econômicas? Os cientistas políticos ao pesquisarem o comportamento político não estariam refletindo sobre os limites da cidadania no país, a corrupção desmesurada, o clientelismo e o favor que permeiam a cultura política nacional? “E das ciências sociais em geral, a expectativa da sociedade não seria que ela fizesse a prescrição de tudo isto? Algo que em outras áreas da ciência talvez fosse chamado de “ciências sociais aplicadas?”, questiona Sorj.

Para José Murilo de Carvalho, esta expectativa se estende às ciências sociais e às ciências humanas. “Como as apresentações demostraram, a prescrição é uma tradição. A demanda social pela aplicabilidade do conhecimento das ciências sociais é enorme”, ressalta o coordenador da sessão. Governo, mídia e a opinião pública apelam neste sentido: “Como se faz para melhorar? Como acabar com a corrupção? Como diminuir a desigualdade? Somos chamados ao debate público para este tipo de tarefa”. A explicação dos acontecimentos, então, se torna tarefa do cientista social na comunicação de massa. “A demanda é enorme, há uma grande demanda social pela intervenção do cientista social ou do historiador”, concluiu Carvalho.