Ao debater o tema “CT&I para o desenvolvimento urbano, sustentabilidade e inclusão”, duas pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresentaram análises e propostas enriquecedoras para o (sustentável) futuro das metrópoles. Realizada na última terça-feira (30/10), no auditório da Reitoria da UFMG – dentro da programação do 2º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência 2013 -, a referida mesa de discussões, cuja coordenação ficou a cargo de Renato Guimarães Neto, do Cefet/MG, reuniu as professoras Heloísa Soares de Moura e Jupira Gomes de Mendonça, ambas do Instituto de Geociências (IGC/UFMG).
Em sua palestra – intitulada “Espaços urbanos, modelos de cidades e cidades sustentáveis: novos desafios” -, Jupira Gomes realizou importante retrospectiva das principais tentativas (técnicas e científicas) de compreensão das problemáticas referentes ao desenvolvimento das sociedades em ambiente citadino. “Ciência e técnica são a fundamentação de uma série de modelos que busca intervir nas urbanidades. Pesquisadores pensam a cidade desde a nascente do capitalismo mundial”, comentou, ao citar as primeiras tentativas de “intervenção” no espaço de convívio entre indivíduos, que buscavam investigar a ocupação do território por volumosa aglomeração de pessoas.
Por muito tempo, na visão de uma série de pesquisadores, as tais “cidades das multidões” representavam o horror. “Afinal, os grandes centros eram produtores de grandes problemas. Daí o desafio: de que modo lidar com este mostro urbano?”, questionou, ao lembrar que a procura por resposta efetiva ao complexo dilema estimulou o surgimento de inúmeros modelos científicos – todos em busca de soluções dos crescentes desafios das metrópoles mundiais. Na transição entre os séculos XIX e XX, por exemplo, os modelos caracterizavam-se por concentrar ideias hierarquizantes, aptas a ordenar o temido “caos urbano”.
No referido período, desenvolveram-se, na verdade, o que Jupira Gomes chamou de “modelos utópicos de organização espacial”. Ao citar Robert Owen, a pesquisadora explicou, então, o desenvolvimento de contínuos processos científicos, que se arvoravam capazes, por exemplo, de superar – ou dissolver – a miséria. “Tal ciência investe em princípios como beleza, salubridade, ordem e higiene”, esclareceu. Com base em tais categorias de “normativa urbana”, a palestrante lembrou que muitas intervenções governamentais acabaram por promover a ordem… mas não a harmonia.
Ao longo do século XX, muitos foram os engenheiros que buscariam investir em modelos para concepção da cidade como ambiente da civilização. Trata-se, em certa medida, do espaço urbano como “máquina”, dotada de múltiplas funções. “Falamos da cidade a oferecer boas condições de moradia, recreação, trabalho etc.”, explicou Jupira, ao destacar que os ideais racionalistas baseavam-se em princípios igualitários. Pode-se falar, ainda, das proposições do novo urbanismo – que defendia cidades compactas, com bons serviços de transporte e por aí vai -; assim como das visões higienistas, ordenadoras e daquelas que enxergam a urbe como empresa/mercadoria.
Ao final de sua exposição, a professora comentou os próximos e principais desafios da prática científica, no que tange ao desenvolvimento sustentável das cidades. Em primeiro lugar, os especialistas precisarão, a seu ver, colocar-se a serviços das massas urbanas. “Estou falando do reencontro da ciência com o senso comum”, afirmou, ao citar a “segunda ruptura epistemológica” proposta pelo pensador português Boaventura de Sousa Santos. Ao final de sua exposição, Jupira Gomes buscou responder, a seu modo, a “vasta” questão: o que fazer, exatamente, para construir cidades sustentáveis? “Isso só será possível por meio de novos cotidianos, com ampla reforma urbana – o que implica a ampliação e a redistribuição de espaços públicos”, disse.
Formas complexas
Ao tratar, em seu depoimento, do tema “Metropolização: dimensão sócio-espacial da exclusão/integração nas metrópoles”, Heloisa Soares de Moura Costa atentou, já de início, para o “xis” da questão: “Conhecer a dinâmica metropolitana é partir da ideia de que temos, nas metrópoles, formas espaciais contundentes, complexas e presentes”. Na visão da pesquisadora, seria impossível acreditar no princípio de que haja dinâmica sócioespacial única, no que se refere ao desenvolvimento das grandes urbes. “Além disso, é preciso combater a ideia de que cidade seja um mal irreversível. Precisamos partir, ao contrário, de princípios positivos desafiadores”.
Que o diga a heterogeneidade da maioria das metrópoles, em cujo “seio” encontram-se inúmeras outras cidades. Como exemplo, lembremo-nos que, mesmo em meio ao “caos” cotidiano dos grandes conglomerados urbanos, há amplo espaço para o que a professora Heloisa Costa chamou de “imaginário rural” – expresso, por vezes, em áreas “disfarçadas” no território das urbes. Também a relação entre periferia e centro foi alvo dos comentários da pesquisadora: “Hoje, o modelo centro-periferia é bombardeado pela ideia de urbanização contínua, difusa, dispersa, tanto das zonas de riqueza, quanto de pobreza”.
Na visão da palestrante, o importante, na atualidade, seria pensar em “formas espaciais adensadas com qualidade”. Além disso, Heloisa destaca a relevância de se reconhecer os processos de informalidade como parte do desenvolvimento das metrópoles. “A cidade informal não é uma distorção. Daí a necessidade de se repensar a maneira de inventar soluções”, destacou, para, em seguida, chegar ao âmago de sua argumentação: “O mais importante é pensar a cidade ordenada a partir de sua diversidade e de seus setores – realmente – produtivos, mas não especulativos. Para tal, será imprescindível a instauração de novos processos de investimento de pesquisas que priorizem os processos de urbanização”.