A infância da laureada pelo programa Para Mulheres na Ciência da L’Oréal-Unesco-ABC Katiuscia Nadyne Cassemiro foi marcada por diversas mudanças. A pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) nasceu em Ivaiporã, no Paraná, porém só morou lá um ano. Morou em Brasília, mas ia constantemente a Goiânia e arredores, onde morava a família do pai. De vez em quando também visitava Assis, no interior de São Paulo, onde residia a família da mãe. “Mudamos muito: de Brasília para Anápolis, de lá para Porto Nacional, no Tocantins, depois Palmas, onde morei dos 11 aos 18. Aos 15, morei um ano em Fortaleza, no Ceará”, conta.

As constantes mudanças de cidade, escola, amigos e estilo de vida ocorreram devido às atividades profissionais exercidas pelo pai: desenhista técnico em empresas de construção civil, eletricista em uma companhia de eletricidade do Tocantins e gerente de planejamento em um consórcio de construção de hidroelétricas. Por fim, ele decidiu se dedicar ao geoprocessamento. Já a mãe de Katiuscia acabou se dedicando à parte administrativa, com especial enfoque à assistência das famílias atingidas pela construção das barragens das usinas.

A pequena – caçula de dois irmãos – era fascinada por cores: adorava tinta, lápis de cor e canetinha hidrocor. Também achava interessante a prancheta de desenhos, caneta nanquim e esquadros que o pai usava. “Eu era um tanto agitada, gostava de correr, pular, brincar com bola, nadar e jogar vôlei”, conta. No colégio, ela ia bem em todas as matérias, ajudando os colegas com os deveres de casa e lendo mais do que os professores pediam. “Em certa época tive um pouco de dificuldade com matemática e geometria, mas meu pai se encarregou de passar dias me ensinando, me dando condições para continuar sozinha”.

A escolha da carreira

Na juventude, a jovem cultivava especial interesse pelas revistas de divulgação científica e pelos temas ligados à tecnologia. Ela conta que o que mais a instigava era o fato do ser humano conseguir utilizar seu intelecto de modo lógico para desvendar o funcionamento de algo antes misterioso, como, por exemplo, os textos dos antigos egípcios. “Como gostava de todas as disciplinas, não tinha certeza da minha escolha profissional, mas sabia que seria física ou biologia”, diz. “Por algumas vezes recebi conselhos de uma professora da escola, que atentou para o fato de eu gostar da área de Exatas, algo raro para uma moça. Foi assim que acabei indo para a física”.

Ao final do primeiro ano de graduação na Universidade de São Paulo (USP), Katiuscia começou a trabalhar em um grupo de dosimetria, pelo qual não se apaixonou. Cogitou, inclusive, mudar para arquitetura. Na época conheceu o atual marido, que a avisou de uma vaga num grupo na área de óptica quântica. Foi quando decidiu escrever para o professor responsável, Paulo Nussenzveig, para marcar uma entrevista. “A secretária do departamento já foi logo me dizendo que o professor Paulo era super exigente e que eu teria que me esforçar bastante. Na entrevista, ele foi bem sério, disse que não teria muito tempo para mim e que minhas notas não eram uma ‘brastemp'”, lembra. “Ainda assim foi muito simpático quando me mostrou o laboratório. Acabei me desligando da dosimetria e comecei a trabalhar com ele.”

Como consequência, seu desempenho no curso melhorou muito, ela se divertia acompanhando os experimentos dos alunos do laboratório e, ainda, contava com sessões regulares de discussão sobre mecânica quântica com Nussenzveig. “Passei a lidar com tantos assuntos interessantes que de tanto conversar com o meu marido, ele acabou migrando da astronomia para o mestrado sob orientação do Paulo”, conta a cientista.

Ao final da graduação, Katiuscia não tinha certeza se deveria se dedicar à pesquisa, mas acabou sendo influenciada por Nussenzveig, que a convenceu de ir direto para o doutorado. Ao final do curso, o marido estava realizando o pós-doutorado na Áustria, o que dificultava que ambos conseguissem conciliar as atividades. Por conta disso, a pesquisadora optou por um pós-doutorado, a fim de ganhar mais confiança em seu trabalho. “Assim, em 2008, fomos os dois para Erlangen, na Alemanha, para trabalhar no Instituto Max Planck. Ficamos em laboratórios distintos e foi um período de grande aprendizado profissional, especialmente por se tratar de uma cultura tão diferente”, recorda.

Na etapa final do estágio de pós-doutorado, Katiuscia foi trabalhar por alguns meses em um grupo italiano, de 2010 a 2011, onde se aperfeiçoou. Segundo ela, foi quando confirmou seu talento para a pesquisa, bem como constatou o quanto o ambiente de trabalho pode influenciar no rendimento de um profissional. “Ainda assim, meu orientador e meu marido desempenharam um papel importante ao me convencer de que eu deveria seguir adiante na carreira”, afirma.

Fótons e energia solar

Em seu trabalho, as propriedades da luz são o foco de atenção. Seu grupo de pesquisa manipula a luz de modo a permitir troca segura de informação, obter imagens de objetos diminutos, realizar computação, entre outras iniciativas. Essencialmente, eles geram e controlam luz com propriedades especiais, quânticas, que permitem aumentar a eficácia das aplicações citadas, bem como propiciar avanços sobre a compreensão da mecânica quântica de modo mais fundamental. “Atualmente, estamos desenvolvendo uma fonte de fótons [partículas de luz] com capacidade de armazenar informação de modo mais denso, que terá um papel importante para a criptografia quântica”, explica.

Em outra vertente, os fótons podem ser enviados por uma rede com várias possíveis trajetórias, realizando o que se chama “passeio quântico”. Recentemente, expõe a física, tem sido debatida a a existência de uma conexão entre o processo de fotossíntese, ou seja, a captação de luz pelas plantas, e o passeio quântico. Katiuscia esclarece que investigações desse sistema podem levar a um melhor entendimento sobre como realizar um transporte de energia de alta eficiência, o que terá impacto na elaboração de novos sensores para a utilização de energia solar.

O princípio da lógica e resolução de problemas

A pesquisadora gosta de se atualizar e se surpreender todos os dias com a área na qual trabalha. Segundo ela, o dia a dia da física experimental é bastante rico, já que conhecimentos físicos gerais são utilizados para se atingir um objetivo bem específico. “É fascinante quando se calcula algo, observado em laboratório, e, aos poucos, novos efeitos vão surgindo. Quando finalmente conseguimos isolar o problema de interesse e observar o fenômeno procurado, é emocionante”, garante, afirmando que efeitos inesperados também podem acontecer, gerando tensão em certos momentos.

Na opinião de Katiuscia, cada cientista tem um jeito próprio de se expressar – uns mais racionais, outros mais emotivos. Mas o importante é ter método e gostar de desafios. “Na ciência é importante aprender a construir conhecimento, no lugar de apenas se ater ao que existe e decorar resultados”, ensina. “Além disso, um cientista não deve se apegar a tradições, mas sempre questionar: esse é o mecanismo que nos permite quebrar barreiras e evoluir.”

Independentemente da carreira científica, a pesquisadora diz que a ciência ensina pelo princípio da lógica e resolução de problemas. “Nosso país ainda carece de pessoas que se identificam, buscam e se encaixam dentro desse perfil. Além disso, quem gosta de fazer ciência deve ter a mente aberta e descobrir novas potencialidades com o tempo”. Katiuscia observa um ponto que considera relevante: a possibilidade de migrar de uma área para outra ao final da graduação. “O profissional com perfil multidisciplinar, que opta por mestrado e doutorado em áreas diferentes da que cursou na faculdade, é cada vez mais requisitado”.

Física e família

As conversas com o marido, devido à formação similar de ambos, acabam encontrando na física uma eterna fonte de diálogo. Por conta disso, a pesquisadora confessa que ainda mistura vida profissional e pessoal. “Quando estamos exaustos, sem cérebro, assistimos a filmes e vamos à praia. Ainda não encontrei maiores dificuldades, mas sei que certamente teremos quando os filhos vierem”, reflete.

A seu ver, o homem deveria ajudar tanto quanto a mulher quando um casal resolve ter filhos, de maneira que o ônus não recaia majoritariamente sobre a mulher. “Mesmo que o marido queira ajudar, a licença paternidade é muito limitada. Creio que a igualdade profissional almejada pelas mulheres não deve se basear apenas no salário, mas também no entendimento que um filho deve afetar a vida profissional do pai tanto quanto da mãe”, observa.

Para ela, os empregadores deveriam possuir a infraestrutura necessária, como creches e demais iniciativas, buscando reverter o quadro atual em que maternidade implica em renúncia da mulher a outros aspectos da vida. “Sinto que as pessoas simplesmente sequer pensam no assunto e acham natural que a carreira de uma pesquisadora seja gravemente afetada, sem buscar maneiras de suavizar o processo”.

Um grande reconhecimento para o início da carreira

A premiação da L’Oréal-Unesco-ABC veio em um ótimo momento para a pesquisadora, pois, de acordo com ela, coincidiu com o início da carreira na UFPE e, como jovem pesquisadora, nem sempre é fácil conseguir fontes de fomento. “Creio que a visibilidade ajudará nesse processo, não apenas para conseguir montar meu laboratório, mas também para atrair estudantes de pós-graduação. Os recursos associados ao prêmio são uma grande vantagem, pois se trata de uma verba flexível e de fácil uso, que traz agilidade ao processo de compra de suprimentos”, discorre. Além disso, Katiuscia enxerga diversos benefícios, bem como o reconhecimento pelo seu trabalho. “É uma contribuição extremamente importante para impulsionar o início de carreira dos jovens que se destacam”.