O primeiro dia do VII Seminário Nacional do programa “ABC na Educação Científica” colocou em debate os problemas e desafios do ensino de ciências no Brasil, a educação básica e a avaliação educacional. A sessão inaugural e as mesas contaram com a participação dos Acadêmicos Diógenes Campos, Luiz Bevilacqua e Ernst Hamburger.

Sessão inaugural

Representando a secretária de Educação de Niterói, Claudio Mendonça abriu o VII Seminário Nacional do programa “ABC na Educação Científica” relatando as dificuldades enfrentadas pelos diversos órgãos envolvidos no ensino de ciências no Brasil, especificamente em Niterói. Ele discorreu sobre o intenso empenho, durante 2011, na construção de laboratórios de ciências em toda rede de ensino público do município, visto que um espaço bem equipado é fundamental para a prática do ensino de ciência.

Mendonça destacou o novo desafio que se impõe: a formação dos professores. “Em vez de se sentirem no próprio habitat, os professores de ciência se sentem desconfortáveis em seu espaço profissional, no caso, o laboratório.” A necessidade de maior qualificação e profissionalização dos professores, portanto, é urgente, para que o processo de ensino de ciências nas escolas possa ser um estímulo para a criatividade, para o pensamento científico e uma oportunidade para a inserção dessas crianças na sociedade brasileira.

Em nome da ABC, o Acadêmico Diógenes Campos ressaltou que a preocupação da instituição com o ensino de ciências em âmbito nacional não se limita apenas à educação infantil, mas também à graduação e pós-graduação. “A atuação da ABC é constante para o aprimoramento do pensamento científico no Brasil e, por isso, a importância em estimular encontros nacionais para que professores de cada região do país possam relatar suas experiências, suas frustrações e sucessos”, afirmou. “Isso possibilita a existência de um debate acadêmico, o que é vital para o desenvolvimento do conhecimento científico brasileiro.”

Também em nome da ABC e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Acadêmico Luiz Bevilacqua agradeceu gentilmente a oportunidade de participar daquele projeto, cuja importância é inegável. Professor de graduação e pós graduação do departamento de Engenharia Civil, o pesquisador reconheceu a importância do estímulo à prática de ciência desde cedo. “Esse é o primeiro passo para que a área científica seja mais valorizada e mais ativa, tanto no cenário doméstico quanto internacional.”

Coordenadora de um dos polos do Programa “ABC na Educação Científica”, a pesquisadora da Fiocruz Danielle Grynszpan se emocionou ao contar o desenvolvimento das crianças menores durante as aulas de ciência do ensino básico. Segundo a professora, a grandeza deste programa pode ser resumida pela frase de um aluno na aula: “Não somos mais máquinas copiadoras”. Esta frase reflete a essência do programa, cujo objetivo é estimular o pensamento crítico e criativo por meio da prática de ciências. Conforme o relato de um dos professores da rede de ensino público de Niterói, observou-se um aumento do interesse das crianças em estudar ciências, especialmente após a disponibilização dos laboratórios.

Por fim, a secretária da Fundação Municipal de Educação de Niterói, Maria Inês Azevedo de Oliveira, e a subsecretária Cléa Rocha e Silva agradeceram a oportunidade de participar do evento e enfatizaram as dificuldades enfrentadas, relatadas por Claudio Mendonça. Maria Inês destacou o significado dessa empreitada, pois “uma vez iniciado este caminho, ele não tem mais volta”. Contudo, ela afirmou ser fundamental que o Programa ABC na Educação Científica não seja deixado de lado e que, ainda com eventuais desafios, ele possa permanecer ativo no seu maior objetivo: criar cidadãos pensantes e criativos.

Ensino de Ciências no Brasil: problemas e desafios

A mesa sobre os problemas e desafios do ensino de ciências no Brasil teve como coordenadora Angelina Sofia Orlandi, da Estação Ciência de São Carlos, e os palestrantes foram os Acadêmicos Ernst Hamburger – também da Estação Ciência-, Luiz Bevilacqua e a professora da Fiocruz Tânia de Araújo-Jorge.

Ao problematizar o ensino de ciências no país, Tânia contou a história da Fiocruz na formação e educação de profissionais na área, com cursos de formação de professores, programas de mestrado e doutorado, estágios para iniciação científica, formação para SUS e outros. “O objetivo é estimular a área científica como um todo. Contudo, uma das primeiras dificuldades que se apresenta nessa empreitada é a formação dos próprios profissionais”, relatou.

A palestrante destacou que universidades e centros de formação interagem pouco com os sistemas de ensino e os cursos de formação inicial estão distanciados da realidade de educação básica. Observou que as metodologias de ensino estão ultrapassadas e centradas na memorização, sem potencializar a criatividade do aluno. Para agravar ainda mais este cenário, considerou o advento da tecnologia no cotidiano das pessoas, que requer uma preparação específica do professor. “Daí o desafio de preparar profissionais numa sociedade em mutação, de forma que tenham compromissos sociais, éticos e uma abordagem interdisciplinar.”

O professor Ernst Hamburger detalhou a evolução do ensino de ciências no Brasil, iniciado pelo surgimento de universidades nos anos 30, como a Universidade de São Paulo (USP), e a criação do Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE) em 1951. “O que aconteceu entre a década de 50 e 60 até os anos 2000 foi que aumentou consideravelmente a quantidade de escolas e alunos, mas não houve um programa anterior de preparação e formação de professores”, explicou. “Com os salários baixos e a profissão desvalorizada, não foi possível oferecer ao professor uma formação de excelência para que houvesse uma educação de qualidade.”

Hamburger citou exemplos de tentativas voltadas para a reestruturação da prática de ensino, como o programa francês “La Main à La Pâte” e o programa ABC na Educação Científica. Para Hamburger, porém, o problema mais grave é garantir a constância da atuação desses programas. Como exemplo, ele citou o contrato entre a Estação Ciência e a Secretária Municipal de Educação de São Paulo. Apesar dos avanços visíveis obtidos entre 2007 e 2008, o contrato não foi renovado em 2009 devido à mudança de governador. Como garantir, portanto, a continuidade das ações desses programas e como conscientizar que é um projeto a longo prazo?

Luiz Bevilacqua argumentou, por sua vez, que vivemos em um tempo de choque cultural, pois, ao mesmo tempo em que temos entre nós elementos do passado muito arraigados em nossa relação com mundo, também vivemos em tempos de grandes avanços tecnológicos. “O século XXI foi capaz de apresentar novos modelos de universidade, seja na Europa com o modelo de Bologna, nos Estados Unidos com o estímulo à iniciação científica e na Ásia com a implementação de modelos próprios adequados às próprias realidades, enquanto que a América Latina ainda se mostra estagnada.”

No caso do Brasil, faltam cursos profissionalizantes qualificados no conjunto de instituições de ensino superior, escala apropriada de salários que remunerem não o título, mas a competência e, ainda, dificuldade de reconhecimento das novas competências profissionais nos respectivos órgãos de regulação. Apesar de tudo, determinados setores – aeronáutica, biotecnologia e agronegócio – começam a ter produção avançada em termos tecnológicos e está sendo construída uma agenda própria de C&T, sem atrelamentos coercitivos à agenda dos países mais desenvolvidos.

O Ensino de Ciências e a Educação Básica

Esta mesa-redonda teve como conferencistas o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Filocre e a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Nilda Alves. Filocre buscou estabelecer um panorama do corpo docente da Rede Estadual de Minas Gerais. Em 2010 foram quantificados cerca de 157.405 professores, sendo 5.800 nas áreas de biologia, física e química e, destes, 2.932 atuantes no Ensino Médio. Para lidar com a questão da qualidade da formação dos professores foi criado o Programa de Avaliação da Aprendizagem (PAAE), realizado duas vezes por ano no 1º ano do Ensino Médio, que consiste em 30 questões. Posteriormente, o professor corrige a prova e lança as notas no sistema. Contudo, as piores notas obtidas são relativas às disciplinas de biologia, física e química, relevidenciando a necessidade de se colocar maior ênfase na qualificação dos professores na área de ciências.

Nilda Alves, por sua vez, se preocupou em analisar as relações de desigualdade desenvolvidas na prática de ensino. Primeiro, ela observou que o formato de currículo escolar utilizado atualmente é bastante influenciado pela escola napoleônica, dada a clara hierarquia e progressão nos conhecimentos refletidos nas disciplinas escolares. “É importante questionar a perpetuação de determinadas hierarquias de conhecimento que atribuem significado às instituições e práticas sociais”, comentou. “Isso se torna mais visível no acesso diferenciado, não só de meninos e meninas à educação, mas também de classes sociais.”

Avaliação Educacional e a Experiência do Ensino de Ciências em Niterói

Nesta mesa, a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Maria Teresa Esteban do Valle diferenciou a mensuração e a compreensão no processo de avaliação dos professores. Enquanto a mensuração se foca no desempenho observado, valorizando o aspecto técnico e uniformizando procedimentos, o método da compreensão prioriza as dimensões ética, sócio-cultural e política, além de reconhecer a importância da reflexão e diálogo. “Em um ambiente caracterizado pela diferença e desigualdade, é interessante o uso de uma abordagem mais interdisciplinar para superar dificuldades, especialmente com exposição de diferentes processos de aprendizagem e percursos de vida para poder criar, assim, diferentes expectativas, perspectivas, projetos e interesses.”

Para tanto, é preciso valorizar a significância do próprio sujeito conhecedor e qual seu lugar na sociedade, na visão de Nilda. Ela considera que uma abordagem mais compreensiva deverá levar em consideração que erro e acerto são expressões de conhecimento e não categorias fixas. “Saber e não saber são situações simultâneas e complementares, e o erro é um desafio para que o processo de conhecimento possa ser ampliado. Sobretudo, deve-se considerar que a diferença é um elemento de enriquecimento à vida em comunidade.”