A Sociedade Brasileira de Química (SBQ) promoveu, nos dias 18 e 19 de outubro, o 6º Encontro de Coordenadores de Cursos de Graduação. Na ocasião, os pesquisadores Fernando Galembeck, professor e pesquisador do Instituto de Química da Unicamp, Membro Titular da ABC e membro do Conselho Consultivo da SBQ, e Luiz Carlos Gomide Freitas, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), discutiram a formação dos profissionais da química.

Conhecer as mudanças vividas pela indústria mundial nas últimas décadas e situar o atual potencial do país em relação às demais economias pode ser um caminho para delinear qual o melhor perfil do profissional de química no futuro.

Ao alinhar um conjunto de fatos relevantes, a partir do início do século passado, Fernando Galembeck convidou os participantes do encontro a refletir sobre eles para que interagissem com o tema de sua palestra: “O Profissional do Futuro”.

Qual é o químico que precisamos no Brasil, indagou o palestrante. Entre os fatores que pesam nas respostas está o reconhecimento das áreas onde o país conquistou competência e se mostra bem sucedido, como as indústrias de alimentos, de petróleo, equipamentos de transporte, metal mecânica e de produtos químicos. Outro fator a ser levado em conta é a importância de satisfazer necessidades locais não atendidas pelos fornecedores internacionais de tecnologia.

Galembeck observou que o país vive um momento sem precedentes, com a perspectiva de tornar-se um dos maiores produtores de petróleo, ao mesmo tempo em que se afirma como o principal produtor de combustíveis derivados da biomassa. Recuperando a evolução mundial dos anos recentes, notou que, ao contrário de algumas previsões enunciadas, os países ricos não exportaram suas indústrias químicas para os parques industriais dos países menos desenvolvidos.

Hoje, a produção da indústria química mundial, um negócio de US$ 3,7 trilhões por ano, está presente mais do que nunca no PIB das principais economias, como os EUA, Japão, China, Alemanha, França e Reino Unido. Um dos sinais que mostra a evolução vivida por esses países está no desaparecimento das chaminés, imagem emblemática da indústria do século passado. Elas deram lugar a unidades fabris com um novo perfil, com novas técnicas de produção e rígido controle de qualidade, voltados à proteção do meio ambiente e empenhados na sustentabilidade.

No caso do Brasil, ao mesmo tempo em que o país apresenta ótimas condições para ocupar um lugar de destaque na indústria mundial, convive com limitações no que se refere à formação de profissionais especializados, entre eles os químicos.

Um ponto de partida para mudar esse quadro é reconhecer a necessidade de que ciência deve ser ensinada desde o início da escolarização. O país mantém, além disso, um sistema educacional muito desigual no ensino médio e superior, às vezes com componentes curriculares desconexos; não dispõe de informações sobre o destino dos egressos dos cursos de graduação e não estimula o domínio do inglês, ferramenta básica para ter acesso ao conhecimento.

Contribuir para o sucesso desse químico dos próximos anos implica, no momento atual, também, em questionar conceitos cristalizados sobre a forma de ensinar ciência. É preciso contestar hierarquias de conteúdo que hoje são aceitas naturalmente, ponderou, e abandonar a visão reducionista de ciência que induz à rigidez e à falta de reflexão.

A formação do profissional do futuro precisará ser capaz de responder às demandas atuais das empresas com competências amplas e visão abrangente. Para cumprir seu papel não poderá abrir mão, entretanto, de um forte compromisso com o aprendizado e domínio dos conteúdos de química, assinalou Galembeck.

Diversidade e evolução devem sustentar a formação profissional

As causas que limitam um melhor desenvolvimento do ensino no país já foram bastante debatidas e analisadas nos últimos anos. Cabe, agora, aos profissionais da educação empenhar-se na busca de novos caminhos para conseguir avanços nesse quadro.

O conjunto de possibilidades que se abre aos interessados em participar do processo de mudança pode incluir, por exemplo, a utilização das ferramentas recentes de tecnologia da informação, como os mecanismos de busca da internet ou as redes sociais. Mas, independente do instrumento, o que deve orientar a mudança é a incorporação da mentalidade que acione o impulso criativo do estudante.

Essa visão foi ampliada pela palestra “A formação do profissional em Química: as exigências da modernidade”, apresentada por Luiz Carlos Gomide Freitas, do Departamento de Química da UFSCar.

Com base em modelo da termodinâmica, Gomide definiu civilização com “um mínimo em uma superfície de Energia Livre x Tempo”. O sucesso de uma civilização, avalia, “está relacionado com a incorporação de atitudes que contribuam para manter e aprofundar o mínimo de potencial, para o qual a educação é fundamental”.

O pesquisador listou o que considera ser os antecedentes históricos para explicar, na educação e em outras áreas, o “engessamento do processo criativo”:
– passado escravocrata, que moldou o conceito de dono do tempo e da vontade do outro, ao que atribui a vocação para cursos longos e detalhados. O nome “grade curricular” é um ato falho para a falta de liberdade de escolha;
– argumentou que a formação positivista da direita e marxista da esquerda coincidem na proposição da ordem como necessária para o progresso. O exagero na procura da ordem moldou uma sociedade pouco afeita à diversidade de opiniões e gestão.

Na educação, considera, esta característica é traduzida no exagero de normatizações. Como conseqüência, analisa que qualidade (da formação) e quantidade (de estudantes) seguem o comportamento análogo à lei de Boyle: o aumento de uma variável implica no decréscimo da outra.

Gomide colocou-se diante da questão sugerida pelo título da palestra, de saber quais são as habilidades necessárias ao profissional do futuro. E avaliou ser impossível ter respostas precisas para a pergunta, dada a diversidade de interesses e a complexidade cultural e tecnológica atual. Das gravuras rupestres ao Google, observou, a tendência é a disponibilização crescente da informação.

Assim, a melhor forma de aparelhar o estudante para esse futuro é contribuir para que ele incorpore de forma efetiva o modo de pensar cientifico, um aprendizado consistente de conceitos básicos, formação ética e cultura geral. Com esses recursos ele dispõe do lastro para ser bem sucedido nas escolhas científicas da carreira e também conta com a base intelectual para ser um cidadão participante.

O pesquisador sugeriu, no âmbito dessa mudança, que a divisa “ordem e progresso” seja substituída por “diversidade e evolução”, com o objetivo de estimular a criatividade e a busca de respostas para além dos padrões estabelecidos.