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Margaret Martonosi: desenvolvimento de IA requer pegada de carbono acoplada

No dia 8 de maio, como parte de sua Reunião Magna 2024, a Academia Brasileira de Ciências teve a honra de receber no Museu do Amanhã a cientista da computação Margaret Martonosi, professora da Universidade de Princeton, EUA, para falar sobre inteligência artificial – tema da reunião deste ano – do ponto de vista dos computadores e chips. Martonosi é especialista em arquitetura de computadores, com ênfase em eficiência energética, tema central para o desenvolvimento de IA.  De 2020 até 2023, Martonosi foi diretora da área de Ciências da Computação, Informação e Engenharia da National Science Foundation, principal órgão federal de fomento à ciência nos EUA.

A palestrante iniciou lembrando que em 1950, quando os computadores ainda eram máquinas gigantescas com pouca capacidade de processamento, o pai da computação moderna, Alan Turing publicou um artigo em que ponderava: “Podem as máquinas pensar?” Mais de sete décadas depois, essa pergunta continua mais atual do que nunca com a evolução das IA.

Martonosi comparou os diversos elementos, ou camadas, que compunham os computadores de 1950 e hoje em dia.  Esses elementos vão desde os transistores, na camada inferior, até as linguagens de programação e os algoritmos nas camadas superiores. Todas essas partes trabalham juntas para a máquina funcionar. “Cada vez mais vemos camadas intermediárias nesse bolo sendo substituídos por sistemas otimizados para aplicativos e o mesmo pode ocorrer para sistemas de IA. Talvez daqui a uma ou duas décadas a arquitetura computacional predominante seja outra”, observou.

Margaret Martonosi durante a Reunião Magna 2024 (Foto: Marcos André Pinto)

Entre os desafios do desenvolvimento de hardware moderno está aumentar a eficiência energética. Num mundo que exige cada vez mais sustentabilidade, conservar energia é fundamental. Para se ter uma ideia, a maior parte das operações realizadas na internet hoje em dia depende de grandes datacenters que podem chegar a uma demanda energética de 100 megawatts, suficiente para abastecer uma cidade com 60 mil domicílios. “A boa notícia é que a capacidade computacional dos datacenters está aumentando de forma muito mais rápida do que a demanda energética. De 2010 a 2018, a primeira aumentou em 550% enquanto a segunda apenas 6%”, contou a palestrante.

Mas desde 2018 a computação, e em especial a inteligência artificial, evoluiu bastante, elevando o custo energético. “Em especial, a pegada de carbono acoplada, isto é, a demanda energética envolvida desde a manufatura até o descarte dos equipamentos, é ainda maior que a demanda operacional. Precisamos pensar em ferramentas que quantifiquem melhor e ajudem engenheiros a colocar essa pegada de carbono na equação quando desenvolvem sistemas”, alertou Martonosi.

Um exemplo de evolução no hardware é o descrito pela “Lei de Moore”. Em 1965 o engenheiro Gordon Moore observou que o número de transistores – um tipo de semicondutor – em um chip dobrava a cada dois ou três anos. Longe de ser uma lei universal, a “Lei de Moore” acabou se mantendo verdadeira por muito mais tempo que seu próprio autor acreditou que seria. Mas, de acordo com a palestrante, isso começou a mudar nas últimas duas décadas. “Podemos continuar empilhando transistores, mas não ganhamos mais a mesma performance. Começamos a atingir limites energéticos ou mesmo físicos”, analisou. “Chips hoje em dia estão ficando tão quentes quanto lâmpadas, é algo que precisamos que considerar”, completou.

Outro desafio referente a IA tem a ver com a própria sociedade. Muitos analistas observam com preocupação a capacidade que essa tecnologia tem de criar abismos sociais ainda maiores. Para a palestrante, mitigar isso passa por um letramento em IA para todas as idades – “do jardim de infância aos cabelos brancos”. Ela acredita também que quanto mais inclusivo se tornar o corpo profissional em IA, problemas como vieses de dado diminuirão naturalmente. “Inclusão não é necessária apenas para quem se beneficia diretamente. Conseguimos melhores soluções de engenharia e pesquisa quando temos uma diversidade de mentes trabalhando. Isso é particularmente verdadeiro para IA, que depende de bancos de dados ainda muito concentrados em conteúdo de alguns países”.

Assista a palestra a partir de 2h40m:

Nick Couldry: “IA não é inteligência, nem é artificial”

O sociólogo Nick Couldry trabalha na London School of Economics and Political Science, no Reino Unido. Seu trabalho é voltado principalmente para estudos de mídia e comunicações, cultura e poder, e teoria social. Ele apresentou uma Conferência Magna intitulada “IA como Mito e Colonialismo de Dados” na Reunião Magna da ABC 2024, no dia 7 de maio.

Couldry descreve a inteligência artificial (IA) como uma evolução da computação. “Não é inteligência, nem é artificial, porque depende do trabalho humano para treiná-la. É apenas probabilística, não é criativa”. E vai além: afirma que é uma descrição equivocada, que cria um reconhecimento equivocado. “No mínimo, é um exagero de marketing que serve aos interesses de algumas grandes corporações de tecnologia.”

O sociólogo entrou on-line, do Reino Unido

Couldry defende que as práticas e discursos que chamamos de “IA” representam uma redefinição fundamental do conhecimento e de suas relações de poder. “E se impõe com a nossa participação, que incorporamos a IA na vida cotidiana sem entender o que está em jogo”, alertou.

Nossa ordem socioeconômica está sendo transformada através da IA, aponta Couldry, transformando a vasta capacidade de computação expandida em algo que chamamos de “inteligência”, mas são os resultados matemáticos de vasta e direcionada computação interativa que é… eficaz. “Mas não pode explicar por que é eficaz!” Ele citou Vint Cerf, que diz que a IA generativa gera previsões cujo único critério de eficácia é “credibilidade gramatical”. Couldry alerta que “confundir” os resultados da IA com conhecimento é cometer um erro de categoria profundo. “Se os resultados da IA, por mais eficazes que sejam como hipóteses, não podem explicar por que são plausíveis, então a IA é fundamentalmente diferente da inteligência humana”, observou. 

E essa é uma questão importante, de acordo com Couldry, porque nossa percepção da IA pode reconfigurar o que chamamos de “conhecimento” e como ele estará incorporado à vida social. O que a IA entrega é uma produção acelerada de resultados ‘suficientemente bons’. E isso é uma mudança na construção social do conhecimento”, afirmou.

As consequências podem ser impactantes para a liberdade social, se esse poder cognitivo for continuamente aplicado e ocorra um aumento da “espionagem em massa” através da IA em grande escala. E podem impactar também nas instituições de conhecimento de todos os tipos: como, e em que termos, elas podem confiar no conhecimento baseado na experiência humana se ele se torna um ativo financeiro?

Assim, Couldry considera que vivemos uma nova fase nas relações entre colonialismo e capitalismo, que é o colonialismo de dados, uma ordem emergente para a apropriação da vida humana, de modo que os dados possam ser continuamente extraídos dela, com valor agregado. “O colonialismo de dados prepara o terreno para um novo modo de produção capitalista e organização socioeconômica, enquanto coexiste com o legado neocolonial. É uma continuação da tentativa do Ocidente de impor uma única versão de racionalidade ao mundo”, explicou o sociólogo.

Para o palestrante, estamos reimaginando o conhecimento em prol do poder computacional comercial massivo controlado, enquanto imaginamos os limites inerentes à computação. “E essa visão de conhecimento produz ignorância”, pontuou.

E Couldry propõe uma tomada de posição. “Se o ‘risco existencial’ da IA reside nas transformações sociais que se desdobram em torno dela, o papel das ciências sociais não deveria ser a aceitação, mas sim a crítica da IA.”

Ranveer Chandra: agricultura de precisão feita com smartphones

Desenvolver uma agricultura mais produtiva e de menos impacto ambiental é um dos grandes desafios do século 21. Como parte do último dia da Reunião Magna 2024, a Academia Brasileira de Ciências teve a honra de receber no Museu do Amanhã o diretor de Pesquisa para a Indústria e Chief Technology Officer (CTO) de agricultura e alimentos da Microsoft, Ranveer Chandra. Ele compartilhou algumas das experiências da empresa no desenvolvimento de soluções para o setor nos EUA, no Brasil e na Índia.

Chandra lembrou que a agricultura do futuro é a de precisão. Mas mesmo que esse conceito tenha sido introduzido há 40 anos, ele ainda não decolou. Os motivos para isso giram em torno de custos proibitivos e dificuldades de inserção dessas tecnologias entre os fazendeiros. “Nossa meta é a democratização no acesso a soluções baseados em big data e inteligência artificial de forma que qualquer agricultor possa utilizar”, disse.

Ranveer Chandra, CTO em AgriFood da Microsoft

Mas para isso, existem alguns desafios. O maior deles é o da conectividade no campo. A maior parte das propriedades rurais possui sinal de internet nas casas, mas isso não é necessariamente verdade para todo o resto. O problema é que para se ter um acompanhamento continuado da produção agrícola é preciso a coleta de informações justamente onde o sinal é escasso. “Estamos trabalhando para levar sinal de wi-fi através de sinais de televisão, mais precisamente de frequências vagas que não possuem um canal associado. Também estamos tentando métodos similares para fazer isso por satélite, sem precisar de antenas”, contou Chandra.

Diminuir a dependência de infraestruturas nas fazendas é importante, pois um dos gargalos é o custo de equipamentos necessários à agricultura de precisão. Cada vez mais fica claro que o ideal é que os agricultores possam fazer a maior parte das medições utilizando seus próprios celulares. Chandra vem trabalhando numa forma de possibilitar medições de umidade do solo através de smartphones, e mostrou-se esperançoso de que a tecnologia permita um dia também medições de taxas de carbono.

Outras inovações apresentadas são o uso de chatbots, ou seja, sistemas de IA generativa de texto, como verdadeiros “assistentes agrícolas”. Essas plataformas podem utilizar os dados da fazenda para definir pontos ótimos para instalação de sensores, detectar pragas e doenças, ajudar o fazendeiro a navegar em questões de regulação e até mesmo guiar a manutenção de tratores. “Como experimento, fizemos nossas plataformas realizarem exames de agências reguladoras da agricultura nos três países, e elas tiveram notas suficientes para a aprovação. São tecnologias que não substituem o agrônomo, mas podem servir como uma segunda opinião”, contou Chandra.

Como resultados iniciais, Chandra apresentou a visão de alguns fazendeiros que colaboram com a empresa na utilização e testagem dessas soluções. Em um caso de sucesso, uma propriedade rural nos EUA pôde diminuir o uso de agrotóxicos em 38%. Esse é um exemplo de como tecnologias disruptivas podem contribuir para reduzir custos e gerar uma produção mais sustentável.

Assista a palestra a partir de 2h55m:

Confira a galeria de fotos da Reunião Magna 2024:

Brasil precisa multiplicar investimento em IA por dez, diz Virgílio Almeida

O Brasil pode perder a onda da inteligência artificial e ficar para trás em inovação se não mudar de postura, diz o professor de ciência da computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Virgilio Almeida, que está no grupo de especialistas chamados ao Palácio do Planalto para falar sobre os impactos da IA na economia, no mundo do trabalho e o desafio regulatório.

Almeida foi convocado para aconselhar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a tecnologia e avalia que o investimento em pesquisa precisa subir dez vezes.

Segundo ele, o país precisa definir os incentivos corretos para prevenir que IAs desenvolvidas no exterior não tenham “efeitos indesejados” como a substituição descontrolada do trabalho.

Embora Lula tenha eleito a IA como uma prioridade para o encontro do G20 em julho, o Estado brasileiro avançou muito pouco desde novembro, quando a ABC (Academia Brasileira de Ciências) divulgou um estudo coordenado por Almeida com um alerta: o país está dez anos atrasado na pesquisa em inteligência artificial.

“Nada mudou”, diz Almeida, que passou pelo Berkman Klein Center for Internet and Society na Universidade de Harvard.

(…)

Leia a matéria completa na Folha.

Faperj, ABC e Mast formalizam colaboração para digitalizar acervo da Academia

Matéria original no site da Faperj*

A história da Academia Brasileira de Ciências (ABC), fundada em 1916 e sediada hoje no Centro (Rua Anfilófio de Carvalho, 29), se confunde com a própria trajetória de desenvolvimento da pesquisa nacional. Para resguardar o acervo dessa instituição centenária, a Faperj irá financiar, por meio do Programa de Apoio às Academias Nacionais Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, o projeto “Memória Histórica da Academia Brasileira de Ciências”.

A iniciativa tem o objetivo de tratar e digitalizar os arquivos da ABC, em parceria com profissionais da área de Arquivologia do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). Para isso, foi formalizada na manhã desta quarta-feira, 8 de maio, a assinatura do Protocolo de Intenções de Colaboração entre a ABC e o Mast para a execução do projeto. A solenidade ocorreu durante uma das atividades da Reunião Magna da ABC, realizada de 7 a 9 de maio, no Museu do Amanhã, com o tema “Inteligência Artificial e as Ciências – Oportunidades e Riscos”.

Participaram da assinatura do Protocolo o presidente da Faperj, Jerson Lima; a presidente da ABC, Helena Nader; e o diretor substituto do Mast, José Benito, que é historiador e atua na área de Pesquisa e Arquivo no museu. De acordo com Benito, a parceria é uma oportunidade de fortalecimento entre os laços das instituições envolvidas. “Nós do Mast estamos honrados em poder ajudar a ABC com a nossa expertise em organização de arquivos relevantes para a história da Ciência e Tecnologia brasileiras”, disse. “O objetivo do projeto é tratar, organizar e posteriormente disponibilizar esse material histórico pela internet ao grande público, em um grande acervo virtual, que servirá como matéria-prima para diversas pesquisas e ajudará a difundir o conhecimento sobre a atuação dessa instituição tão importante para a sociedade”, acrescentou.

O presidente da Faperj destacou a relevância do Programa de Apoio às Academias Nacionais Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, que destinou ao todo cerca de R$ 4 milhões para incentivar atividades de editoração, publicação, aquisição e manutenção de acervo, divulgação por via impressa ou eletrônica, e melhoria organizacional e de infraestrutura das academias nacionais sediadas em território fluminense. “O programa de apoio às academias está gerando frutos significativos, e um deles é o projeto ‘Memória Histórica da Academia Brasileira de Ciências’, que envolve essa parceria entre a ABC e o Mast. A ABC é uma instituição centenária com um arquivo extremamente rico da história científica do nosso país”, afirmou Lima, acrescentando que a ABC foi outorgada com recursos da ordem de R$ 1 milhão.

A presidente da ABC reconheceu a necessidade de se resgatar a memória da Academia e elogiou o trabalho conjunto entre as três instituições. “Para mim é um sonho que se tornou realidade. Uma coisa que me deixava triste é que a Academia Brasileira de Ciências, que vai fazer 110 anos em 2026, não tinha a sua história devidamente documentada, catalogada. Agora, a Faperj, com esse edital para as academias, permitiu juntar o desejo com o fato de termos o material, e, mais ainda, um outro parceiro, o Mast, que sabe tratar a memória. Sabe pegar documentos e deixar em boas condições. Se você olhar, é triparte. A ABC com o desejo e tendo os documentos; o Mast, que sabe fazer; e a Faperj, que, tendo uma visão estratégica, financiou”, refletiu.

Estiveram presentes na solenidade os membros da ABC Diogenes de Almeida Campos, naturalista e paleontólogo; Maria Domingues Vargas, química; e Patrícia Torres Bozza, médica, entre diversos outros representantes da comunidade acadêmica fluminense.

Helena Nader assina termo de cooperação para criação de acervo histórico da ABC (Foto: Marcos André Pinto)

Sessão Plenária II: avanços da computação e inteligência artificial

No dia 8 de maio, a segunda Sessão Plenária da Reunião Magna 2024 da Academia Brasileira de Ciências (ABC) tratou dos avanços da computação e da inteligência artificial. A sessão reuniu o Acadêmico e cientista da computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Edmundo de Souza e Silva, o professor titular de computação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Altigran Soares da Silva e Clarice Sieckenius de Souza, professora emérita da PUC-Rio especializada linguística computacional, retórica digital e filosofia da tecnologia.

A corrida em IA: desafios e estratégias para reduzir a lacuna tecnológica 

Edmundo Souza e Silva, Coppe/UFRJ

Membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Engenharia, Edmundo de Souza e Silva é doutor em Ciência da Computação pela Universidade da California (UCLA/EUA) e professor titular do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Suas pesquisas abrangem a modelagem e análise de sistemas de computação, redes de comunicação de dados e aprendizado de máquina. Ele contribuiu significativamente para a expansão da internet no Brasil.

“Estamos vivenciando uma nova era tecnológica em andamento, impulsionada pela computação, comunicação de dados e inteligência artificial”, apontou Edmundo. Segundo ele, desde 2019 já estava claro que haveria um ponto de inflexão, que está ocorrendo agora.

Ele abordou inicialmente os Grandes Modelos de Linguagem (“Large Language Models” ou LLMs), que são modelos de inteligência artificial (IA) capazes de interpretar e gerar texto de forma análoga à humana. “LLMs tentam prever as respostas baseando-se no contexto do diálogo e na sequência das frases anteriores”, explicou. Entre as aplicações mais usadas estão o ChatGPT-4 (OpenAI), o Gemini (Google) e o LLaMA 2 (Meta), Edmundo comentou que o teste de Turing, para tentar diferenciar um humano de um computador a partir do diálogo com ambos, já foi “quebrado” (ou “ultrapassado”)  pela IA.

Edmundo comentou que IA é um conceito amplo, objetivando fazer com que  o computador imite a inteligência humana.  Para tanto, a IA usa modelos de “aprendizagem de máquina”, que são métodos que possibilitam a detecção automática de padrões em dados, ou ainda “métodos úteis para fazer com que sistemas de computação possam realizar cada vez melhor uma determinada tarefa, através da experiência. O sistema ‘aprende’ parâmetros de um modelo que representa os dados”.

O poder computacional no mundo aumentou exponencialmente a partir de 2010. “Isso custa caro, requer máquinas poderosas e não se deu repentinamente”, ressaltou o pesquisador. “Requer investimento contínuo e crescente, e é isso que as grandes economias fazem”, destacou.

Em 2022, as agências governamentais de suporte à pesquisa dos EUA alocaram US$ 1,7 bilhão em IA para pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que representou um aumento de 13% em relação ao ano anterior e um aumento de 209% em relação a 2018. Além do enorme investimento do governo, o setor privado investiu US$ 67.2 bilhões em 2023, quase nove vezes mais do que a China, que estava em segundo lugar no ranking.

Mas máquinas poderosas não bastam. É preciso ter massa crítica de pessoas altamente qualificadas que saibam desenvolver a tecnologia – e os EUA vêm investindo de forma crescente em recursos humanos devidamente qualificados mostra o gráfico apresentado por Edmundo sobre o número de professores e graduados em computação.

No Brasil, o Acadêmico avalia que haja em torno de três mil docentes em computação e 17 programas de excelência (avaliação Capes) nessa área nas universidades federais. “Acredito que formamos pouco menos de 400 doutores por ano em 2019. É preciso aumentar a nossa força de trabalho – e com qualidade”, ressaltou. Porém, ao aumentar a formação de recursos humanos precisamos pensar também na empregabilidade dos egressos. A capacidade de gerar empregos na área aumentou enormemente nos EUA entre 2011 e 2023. “Isso não acontece no Brasil, e por isso muitos dos nossos alunos de computação são contratados por empresas de outros países ainda nos cursos de graduação.”

De modo geral, a IA pode trazer vários benefícios ao processo de ensino e aprendizagem, facilitando a compreensão de conceitos em diferentes áreas, resumindo literatura num tema específico, possibilitando que alunos e professores interajam com tutores virtuais, estimulando o desenvolvimento de análise crítica durante a escrita, facilitando a análise de dados e outros benefícios que vão sendo descobertos com a experiência.

No entanto, para que seu uso seja eficaz é preciso que haja um certo nível de “alfabetização” digital, tanto da parte dos alunos como dos professores. “A disparidade na alfabetização digital pode aumentar as desigualdades educacionais. Os conteúdos precisam ser personalizados para refletir diversos contextos culturais e linguísticos. Se usarmos soluções prontas de IA, podemos criar mais problemas do que obter benefícios”, alertou o cientista. E ressaltou que é preciso reformular a maneira de ministradas as aulas, dando também suporte adequado para os professores – que continuarão indispensáveis.

Em suma, para que a IA tenha impacto positivo na educação, é preciso planejar como integrar os recursos que ela oferece em sala de aula, em todos os níveis educacionais. “E refletir sobre o que queremos com a educação, pois é fundamental formar jovens que tenham espírito crítico”, observou Edmundo. O pesquisador afirma que os LLMs não conseguem substituir a criatividade de um profissional com conhecimento. “A IA não é exatamente ‘inteligente’. Essa é uma palavra que ajuda a difundir a ideia, mas não é como um humano.” E sim, você pode ser enganado. A IA apresenta textos convincentes, mas, eventualmente, com erros. É preciso cautela e planejamento cuidadoso no uso. E, nesse quesito, os países com mais recursos levam vantagens.

Considerando, portanto, que a IA já está impactando a sociedade de muitas maneiras, é urgente que sejam feitas considerações éticas, entendendo benefícios e riscos. “A IA pode criar oportunidades de empregos em tecnologia. Porém, os empregos com mão de obra menos qualificada serão impactados. E quais as estratégias para requalificar mão de obra? Como promover redes de apoio social? Como promover as reformas educativas necessárias para acompanhar os avanços tecnológicos e gerar frutos para o país? Devemos também preservar nossos bancos de dados para que possamos resolver nossos problemas. Temos banco de dados riquíssimos e são eles que alimentam os algoritmos de IA.

O palestrante avalia que o uso de IA na solução de problemas sociais, especialmente, exige uma abordagem multidimensional. “Por isso, é fundamental engajar a sociedade, engajar estudantes para que desenvolvam soluções alimentadas por IA que abordem questões sociais nas suas comunidades”. Para Edmundo, temos uma janela de oportunidade pequena. “Mais do que nunca, precisamos unir ciência, legisladores e empreendedores para agir rapidamente.”

Reflexões Sobre o Desenvolvimento da IA no Brasil 

O tema de reflexão seguinte foi sobre a relevância de criação de um LLM brasileiro, dado que as Big Techs detêm liderança na área. Elas mantêm atualizações contínuas e lançamentos de novos modelos, enquanto os centros de pesquisa brasileiros possuem recursos restritos em financiamento, infraestrutura e de acesso a grandes volumes de dados.

Para o professor titular do Instituto de Computação da Universidade Federal do Amazonas (IComp/UFAM) Altigran Soares da Silva, é essencial que o Brasil e a academia brasileira não aceitem passivamente as soluções “prontas” de IA. “Devemos assumir o protagonismo no desenvolvimento de tecnologias e aplicações de IA que sejam verdadeiramente adaptadas nossa realidade sociocultural. Isto inclui investir em pesquisa e desenvolvimento locais, expandir os centros de inovação e formar parcerias estratégicas dentro do país.”

O professor amazonense, que foi cofundador de empreendimentos de tecnologia, como a Akwan, adquirida pela Google, a Neemu, adquirida pela Linx Sistemas, e a Teewa, adquirida pela JusBrasil, ressaltou a importância de o país desenvolver uma agenda de pesquisa autônoma, visando liderar inovações em áreas críticas, e estabelecer parcerias estratégicas e interdisciplinares que ampliem o impacto e a aplicabilidade da pesquisa em IA dentro do contexto nacional.

“Competir com Big Techs é impraticável, mas podemos reorientar investimentos para áreas onde o Brasil pode oferecer contribuições únicas e relevantes. Devemos investir em nichos específicos, buscando desenvolver soluções adaptadas às necessidades locais e maximizar o impacto social”. Altigran reforçou a importância de utilização dos recursos existentes de maneira estratégica, para liderar em áreas menos exploradas, gerando inovação sustentável. “E podemos utilizar LLMs abertos como base para o desenvolvimento dos nossos”, apontou.

A adaptação de LLMs ao português é um passo importante, especialmente para línguas com recursos limitados, como as indígenas. Altigran exemplificou possíveis aplicações da IA em dados públicos brasileiros, como os do SUS, INEP e CadÚnico, ressaltando a necessidade de parcerias entre universidades, indústrias e governo.

Os exemplos envolvem ações que já estão sendo realizadas por parcerias entre universidades, como uma no âmbito do CI-IA Saúde (CPA) envolvendo UFMG e UFAM. “A hipótese é de que é possível utilizar IA para permitir o pareamento eficiente, efetivo e escalável de dezenas ou centenas de bases médicas do SUS e do setor privado de seguro de saúde – que são incompletas, multimodais e heterogêneas” explicou. 

Claro que muito mais é necessário, na avaliação de Altigran. Mas já há muito que pode ser feito com o que temos em mãos. “São oportunidades significativas. O Brasil pode liderar inovações alinhadas com as necessidades locais, maximizando o retorno dos investimentos e posicionando o país como um líder na aplicação de IA em governança e administração pública, por exemplo”, finalizou.

Reflexões sobre o design de tecnologias com IA para uso científico 

Professora emérita da PUC-Rio, Clarice Sieckenius de Souza é doutora em Letras e Linguística, tendo se dedicado ao estudo da inteligência artificial, linguística computacional, interação humano-computador, semiótica computacional, retórica digital e filosofia da tecnologia ao longo de sua carreira.

Ela destacou que os softwares são artefatos intelectuais coletivos, que envolvem as pessoas que utilizam a computação e as que estudam a computação. “Realmente, os processos sociais que acontecem na computação são muito diversos, muito complexos”, assentiu.

Clarisse destacou que, diante dos desafios que temos como sociedade, a interdisciplinaridade é fundamental. “A pluralidade e diversidade na ciência são uma conquista civilizatória, pela qual nos cabe zelar”, apontou. “A IA oferece oportunidades inéditas para descobertas científicas, ao mesmo tempo em que poderá beneficiar-se continuamente destas mesmas descobertas para aprimorar-se”, disse.

A pesquisadora ressaltou ainda a necessidade de que os especialistas reenquadrem seus discursos. “Como nossos conferencistas falam sobre IA? Geralmente, usando sujeitos ocultos e indeterminados. Atribuímos tudo ‘aos sistemas, à IA’. Tipo ‘mamãe, o vaso quebrou’… sozinho?”

A questão da responsabilização por aquilo que a IA produz foi levantada por Clarisse. “Quando alguém pergunta a um especialista sobre o uso de IA para criar deepfakes em política, por exemplo, muitas vezes obtém respostas do tipo ‘isso não é problema meu, não posso controlar o uso’. É aquela posição de neutralidade, bastante questionável”, observou.

Ela alertou que com a IA a maneira de conhecer fica automatizada e que teremos apenas mais do mesmo, se só trabalharmos sem cima das probabilidades baseadas no que já existe. “É o oráculo do passado”, disse. Nesse sentido, ela apresentou dois conceitos interessantes: o de monocultura científica, que afirma o retrocesso de conquistas na diversidade, e o de injustiça epistêmica, que indica ameaças ao pensamento inovador.

“A IA usa software aberto, muito bem. Mas, e a engenharia do software? Não adianta discutir o produto da IA sem refletir sobre como ela é produzida”, observou. E finalizou com um apelo. “Colegas de toda as áreas, venham nos ajudar a abrir esse processo de produção de IA, vamos formar os desenvolvedores da IA de que precisamos e que queremos.”

Sessão Solene da ABC e CNPq 2024: parte 1

A Escola Naval, no Rio de Janeiro, foi palco da Sessão Solene conjunta da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na noite de 8 de maio. O evento teve patrocínio da Marinha do Brasil e da Fundação Conrado Wessel.

A mesa foi composta pelo secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Manuel Rebelo Fernandes, representando a ministra Luciana Santos;  a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader; o presidente do CNPq, Acadêmico Ricardo Magnus Osório Galvão; o comandante da Marinha do Brasil, Marcos Sampaio Olsen; o presidente da Diretoria-Executiva da Fundação Conrado Wessel, Carlos Vogt; a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Acadêmica Denise Pires de Carvalho; o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera; o presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Acadêmico Jerson Lima Silva; e o vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Acadêmico Paulo Eduardo Artaxo Netto.

Jerson Lima, Denise Carvalho, Ricardo Galvão, Helena Nader, Luis Fernandes, Almirante Olsen, Carlos Vogt, Celso Pansera e Paulo Artaxo

Menção Especial de Agradecimentos do CNPq

A cerimônia teve início com a entrega da Menção Especial de Agradecimentos do CNPq, que representa um reconhecimento da significativa contribuição de instituições e personalidades para o desenvolvimento, o aprimoramento e a divulgação do Conselho.

Recebeu a Menção Especial a Acadêmica Mercedes Maria da Cunha Bustamante, assim como o Ministério da Igualdade Racial. Também foram homenageadas com a Menção Especial a senadora Maria Teresa Leitão de Melo e a deputada federal Maria do Rosário Nunes, impossibilitada de comparecer devido às fortes chuvas que assolam o sul do país. 

Títulos de Pesquisador Emérito do CNPq

O título de pesquisador emérito do CNPq é destinado a pesquisadora ou pesquisador radicado no Brasil há pelo menos dez anos, pelo conjunto de sua obra científico-tecnológica e por seu renome junto à comunidade científica. Um dos homenageados foi o ex-presidente do CNPq, Acadêmico Evaldo Ferreira Vilela. Também receberam o título Antônio Ricardo Droher Rodrigues (in memoriam), o Acadêmico Clovis Caesar Gonzaga (in memoriam), Josefa Salete Barbosa Cavalcanti; Pedro Alberto Morettin e Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses.

 

Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia 2024

O prêmio criado em 1981 era denominado Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia. O nome foi alterado em 1986, quando passou a ser chamado de Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia. O prêmio é um reconhecimento e estímulo a pesquisadores e cientistas brasileiros que prestam relevante contribuição à ciência e à tecnologia do país. É uma parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e a Marinha do Brasil.

O prêmio contempla, alternadamente, uma grande área do conhecimento por ano. Em 2024, foi outorgado para a área de Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes. A premiação consiste em diploma e medalha concedidos pelo CNPq, MCTI e Marinha do Brasil; premiação em espécie concedida pelo CNPq; viagem no navio de assistência hospitalar e uma viagem à Antártica, oferecidas pela Marinha do Brasil.

A agraciada desta edição foi a Acadêmica Niède Guidon.

Reprodução | Nossa Ciência

Nascida em Jaú, no estado de São Paulo, no ano de 1933, Niède cursou História Natural na Universidade de São Paulo (USP), fazendo em seguida uma especialização em Arqueologia Pré-Histórica na Universidade Paris-Sorbonne e o doutorado em Pré-História na mesma universidade. Sua tese foi sobre as pinturas rupestres de Várzea Grande, no estado do Piauí. Trabalhou como arqueóloga do Museu Paulista da USP e dez anos depois entrou para o corpo docente da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França.

Dentre os diversos cargos de destaque que ocupou no Brasil e na França, atuou como professora visitante na Universidade Federal do Piauí, na Universidade Estadual de Campinas e na Universidade Federal de Pernambuco, onde orientou dezenas de teses, dissertações e publicações em livros e artigos em revistas científicas.

Ainda na década de 1970, com pesquisas apoiadas pelos governos francês e brasileiro, Niède Guidon iniciou as pesquisas na Serra da Capivara, também no estado do Piauí. Preocupada com a preservação dos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara, Guidon defendeu o desenvolvimento turístico como fonte de recursos para a região. Em 1979, foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara e em 1986 foi criada a Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), com a finalidade de apoiar os trabalhos a serem desenvolvidos na área do parque e na região. Em 1991, o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, agregando a legislação internacional de preservação ao Patrimônio Arqueológico.

Com apoio do CNPq e de várias universidades brasileiras, Guidon investiga há mais de 40 anos a pré-história no Brasil. Suas pesquisas são referências fundamentais na arqueologia e apontam que a região da Serra da Capivara foi povoada a partir de tempos muito recuados, que beiram os 100 mil anos. Esses primeiros povos encontraram um habitat propício ao seu desenvolvimento e sobreviveram na região durante milênios, até serem dizimados pelos colonizadores, no final do século XVII.

Entre os prêmios e títulos recebidos ao longo de sua carreira destacam-se o título de Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito, oferecido pelo governo francês, em 1995; o título de Comendador da Ordem do Mérito Cultural, oferecido pelo Ministério da Cultura do Brasil, em 2002; o título de Cientista de Ano, oferecido em 2004 pela SBPC; a Ordem do Mérito Científico, na categoria de Grã Cruz, oferecido em 2005 pelo MCTI; o Prêmio Príncipe Claus, oferecido pelo governo da Holanda, em 2005; a medalha comemorativa dos 60 anos da Unesco, em 2010; e o International Hypatia Awards, oferecido pelo Centro Internacional para a Conservação do Patrimônio Arquitetônico da Itália, em 2020. Em 2021, Niède Guidon foi eleita membra titular da Academia Brasileira de Ciências.

Impossibilitada de comparecer ao evento, Guidon enviou um vídeo em que agradece a premiação. “Quero agradecer muito ao CNPq por esse prêmio. Eu simplesmente fiz o meu trabalho como pesquisadora e arqueóloga. Vinha da França pra cá, fazer pesquisas na Serra da Capivara, que é realmente um lugar fantástico, tanto pela natureza como pela memória que o homem pré-histórico deixou aqui, e por isso foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Agradeço muito ao CNPq, que possibilitou todo esse trabalho. Espero que isso continue, porque ainda há muito a se descobrir na Serra da Capivara”. 

Ela foi representada na cerimônia pela diretora-científica da Fundham, Marcia Chame, que recebeu o prêmio Álvaro Alberto em seu nome, além da tradicional honraria da Marinha do Brasil, o Farol, que representa a luz que emana o conhecimento.

Márcia contou que trabalha há 44 anos com Niède Guidon e disse que ela ficou muito feliz com a homenagem. “Niède fez ciência de qualidade, com acurácia de dados, rigor metodológico e ética, além de coragem para enfrentar todas as teorias antes estabelecidas. Niéde transformou a região de São Raimundo Nonato. Ela construiu cinco escolas, envolveu três mil crianças num projeto de formação de profissionais para pesquisa. Cuidou da conservação da biodiversidade, conseguindo constituir o Parque e, depois, que ele se tornasse patrimônio cultural da humanidade. Levou a ciência muito além”. E agradeceu o reconhecimento, em nome da Acadêmica.

O comandante Marcos Olsen destacou o nome do prêmio, dado em homenagem ao primeiro presidente do CNPq e presidente da ABC em dois mandatos. “O almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva dedicou-se ao estudo do domínio pacífico da energia nuclear. Teve atuação visionária na fundação e presidência do então Conselho Nacional de Pesquisa, o CNPq, um avanço importante na ciência brasileira. Buscou incansavelmente garantir a soberania do Brasil pela ciência.”

Luis Fernandes (MCTI), Ricardo Galvão (CNPq), Marcia Chame (Fundham) e o comandante Marcos Olsen

Presidente do CNPq, entidade que outorgou o prêmio, o Acadêmico Ricardo Galvão fez sua saudação. Ele focou na retomada democrática que veio arejar o país e dar fôlego à ciência brasileira, que está fazendo grandes avanços – ainda não suficientes, mas muito necessários. Destacou o reajuste das bolsas, estagnadas há quase 10 anos, e a oferta de mais de mil novas bolsas, com duplicação do investimento previsto. “Também foram objeto de substancial aporte as bolsas de produtividade em pesquisa, com a implantação do adicional de bancada para as de nível 2, minimizando assim a segregação entre modalidades”, apontou o presidente.

Ricardo Galvão, presidente do CNPq

Galvão ressaltou que, desde 2023, o CNPq passou a ser executor de uma parcela maior de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT. De fato, o Conselho passou a ter participação direta em cinco das dez ações prioritárias do Fundo. Essa integração à nova política de aplicação dos recursos do FNDCT resultou em ajustes na política de fomento do CNPq. “Além disso, a aprovação de 2.750 projetos dentre 9.757 propostas submetidas demonstra que há uma enorme demanda qualificada reprimida, indicando a necessidade urgente de ampliar o orçamento próprio do CNPq”, alertou.

Um conjunto de ações mostra ainda a atenção do CNPq às temáticas relacionadas à promoção da igualdade étnico-racial e de gênero na ciência. Em parceria com o Ministério da Igualdade Racial, a chamada Pibic Ações Afirmativas foi fortalecida; a chamada Atlânticas, fruto de parceria entre o MCTI e os ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Povos Indígenas, permitirá o envio de pesquisadoras negras, indígenas, quilombolas e ciganas para períodos de doutorado sanduíche e pós-doutorado no exterior. E em parceria com o Instituto Rio Branco (IRBr), o CNPq deu continuidade ao programa de ação afirmativa que oferece bolsas-prêmio de Vocação para a Diplomacia para candidatos negros”, listou Galvão.

“É pela reafirmação de um país que acredita na ciência, na história e no desenvolvimento humano que o CNPq premiou, hoje, a extraordinária pesquisadora Niède Guidon, grande vencedora do Prêmio Almirante Álvaro Alberto deste ano”, destacou. E complementou, reconhecendo que a reconstrução de todo um sistema de ciência, tecnologia e inovação leva tempo, “um tempo infelizmente mais longo que o empregado em seu desmonte”. Mas, a seu ver,  o conjunto de ações apresentadas demonstra que a comunidade científica já tem, sim, muito a celebrar, e terá certamente ainda mais nos próximos anos.

“Não há adversidade ou desafio que possa abater o ânimo de quem tem a honra e a felicidade de atuar na condução de uma instituição a serviço de uma comunidade científica tão rica, diversa, potente e produtiva como a brasileira”, finalizou.

Leia a continuação, na matériaSessão Solene da ABC e CNPq: parte 2

 



 

Leia a matéria Sessão Solene da ABC e CNPq 2024: parte 2

Sessão Solene da ABC e CNPq 2024: parte 2

Continuação de Sessão Solene da ABC e CNPq 2024: parte 1

Após a entrega do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia 2024 para a Acadêmica Niède Guidon, os títulos de Pesquisador Emérito do CNPq e as Menções de Agradecimento, finalmente foram diplomados os novos membros da ABC.

Diplomação dos novos membros da Academia Brasileira de Ciências
Eleitos na Assembleia Geral da ABC de 4 de dezembro de 2023, estavam presentes na cerimônia da noite de 8 de maio na Escola Naval 18 dos 20 novos membros titulares. Não puderam comparecer a bioquímica Cristina Wayne Nogueira, da área de Ciências Químicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e o engenheiro agrônomo Antonio Costa de Oliveira, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em função das fortes chuvas na região. Dos três novos membros correspondentes, não estavam presentes Alberto Rodolfo Kornblihtt (Ciências Biológicas, Argentina) e José Alejandro Madrigal (Ciências Biomédicas, Reino Unido).

Foram diplomados Nancy Lopes Garcia (Ciências Matemáticas, Unicamp); das Ciências Físicas, Andrea Brito Latgé (UFF), Daniela Lazzaro (ON) e Luis Carlos Bassalo Crispino (UFPA); das Ciências da Terra, Marly Babinski (USP); das Ciências Biológicas, Neusa Hamada (INPA) e Vera Lucia Imperatriz Fonseca (USP); das Ciências Biomédicas, Ana Maria Caetano de Faria (UFMG), Marcio Lourenço Rodrigues (Fiocruz) e Patricia Chakur Brum (USP); das Ciências da Saúde, Monica Roberto Gradelha (UFRJ) e Selma Maria Bezerra Jeronimo (UFRN); das Ciências Agrárias, Francisco Murilo Zerbini Junior (UFV) e Segundo Sacramento Urquiaga Caballero (Embrapa). Das Ciências da Engenharia, Eduardo Antônio Barros da Silva (UFRJ), Julio Romano Meneghini (USP) e Teresa Bernarda Ludermir (UFPE); das Ciências Sociais, Renato Janine Ribeiro (USP); e a membra correspondente Karen Barbara Strier (Ciências Biológicas, Universidade de Wisconsin-Madison).

Os diplomados na noite de 8 de maio

Saudação aos novos membros da ABC
Para recepcionar os novos membros foi convidado o vice-presidente da ABC para a região Sul, o antropólogo Ruben George Oliven, residente em Porto Alegre. Ele explicou sua ausência como mais uma questão decorrente do negacionismo climático, “é a reação do meio ambiente à ação predatória de alguns setores da sociedade”, pontuou. “A ciência tem muito a contribuir para evitar novas tragédias. A ABC tem alertado e vai continuar alertando a sociedade e o poder público sobre a importância de seguir os ensinamentos da ciência”, disse.

O Acadêmico Ruben Oliven faz a saudação aos novos membros da ABC; na mesa, Jerson Lima (Faperj), Denise Carvalho (Capes), Ricardo Galvão (CNPq), Helena Nader (ABC), Luis Fernandes (MCTI), comandante Marcos Olsen, Carlos Vogt (FCW), Celso Pansera (Finep) e Paulo Artaxo (SBPC)

Oliven apresentou de forma resumida as ações da ABC, mostrando aos novos membros todas as frentes de trabalho nas quais podem se engajar. Falou sobre as mudanças mais recentes, como a inserção de mais mulheres e a primeira presidência de uma cientista mulher.  Destacou também a eleição recente de Davi Kopenawa como membro colaborador, ressaltando que a defesa dos direitos dos povos indígenas e da conservação da floresta amazônica são temas muito caros à Academia Brasileira de Ciências.

 “A ABC tem dez áreas e cada uma delas elegeu novos membros. O convívio com cientistas de distintas áreas é fascinante, na medida em que nos coloca em contato com pessoas que trabalham com diferentes temas e de modos diversos, mas que compartilham a curiosidade que é típica dos cientistas e a desenvolvem através de suas pesquisas.”

O cientista apontou ainda a posição enfática em defesa  da ciência que a ABC assumiu durante o período obscurantista por que o país passou. “Preocupamo-nos também com a questão da Desinformação Científica, sobre a qual estamos publicando um documento que alerta sobre as consequências nefastas de divulgar mentiras sobre vacinas, sobre o clima e sobre a evolução humana. Os desastres que têm assolado o Brasil nos últimos tempos nos dão razão”, observou.

Enfim, Oliven afirmou que a Academia é suprapartidária: “o partido da ABC é a ciência”. E defendeu o fato de a ABC ser considerada “cautelosa”, explicando que ela só se pronuncia quando tem uma posição embasada em pesquisas e evidências. “É este seu papel. Ela é uma instituição séria. Séria, mas não sisuda”, brincou.

 

Em nome dos recém-empossados 

A Acadêmica Vera Lucia Imperatriz

A Acadêmica Vera Lucia Imperatriz Fonseca representou os novos membros no seu agradecimento. Ela também se referiu aos importantes estudos sobre os limites das ações humanas para a manutenção do equilíbrio e a sustentabilidade do planeta, conduzidos por muitos cientistas. Destacou que os riscos relacionados ao ponto de não retorno ambiental têm sido bastante divulgados e apontou a importância das ciências sociais nesse momento. “A ciência e os saberes em geral têm uma voz imprescindível, e os seus feitos na recente pandemia mostraram o quanto dependemos dela e da comunicação horizontal para a população. Agradeço em nome do grupo aos membros da Academia que nos acolhem e esperamos corresponder às expectativas.”

 

Palavras da presidente

Helena Nader, presidente da ABC

A presidente da ABC, Helena Nader, agradeceu a todos os parceiros ali representados que possibilitam a realização das atividades da ABC, especialmente aquela cerimônia: CNPq, Marinha do Brasil, Capes, Faperj e Finep. Ela concordou com Galvão sobre haver muito a celebrar esse ano, especialmente a consolidação da nossa jovem democracia, que remonta apenas a 1986.

Helena considerou motivo de celebração a volta do Brasil à arena internacional, focada especialmente na sustentabilidade ambiental e social. Em 2024, nosso país está sediando a reunião do G20, grupo de países que concentra 80% da economia mundial. O tema de debate escolhido foi “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. “Queremos que isso seja alcançado com uma transição ambiental justa e inclusiva”, apontou a presidente.

No âmbito do G20, a organização do Science 20 (S20) pela Academia foi um dos marcos do ano. “Nós escolhemos como tema ‘Ciência Para a Transformação Global’ e definimos cinco forças-tarefa”, explicou Helena, relacionando-as: Inteligência Artificial, Bioeconomia, Processo de Transição Energética, Desafios da Saúde, e Justiça Social. “Nada disso se resolve da noite para o dia, são processos de transição, como a energética. Nosso documento final será discutido, dialogado, e em torno do dia 20 de julho esperamos que seja assinado por todos os presidentes das Academias e das agências internacionais envolvidas.”

Sobre a tragédia no Rio Grande do Sul, Helena Nader reiterou que a política precisa conversar com a ciência. “O ponto de não retorno climático está próximo, de fato, mas parte do desastre poderia ter sido prevenido com ciência. Nosso Código Florestal não está sendo cumprido. Cabe a todos nós aqui, como membros da sociedade civil, cobrar”.

Para os novos membros, Helena Nader deu um aviso: “Podem arregaçar as mangas, vocês serão instados a trabalhar.” Apresentou os Grupos de Trabalho em atividade, aos quais os membros que estão chegando podem se juntar. Ela pediu ainda a colaboração ativa de todos para levar aos Três Poderes, nos três diferentes níveis (Federal, Estadual e Municipal), a voz da ciência.

“Precisamos fazer a política ouvir a ciência, para o estabelecimento de políticas públicas que ponham em prática as recomendações da ciência. Aprendemos que apenas nossa união como sociedade é que faz repercutir a voz da ciência. Juntos, somos mais fortes para construir uma sociedade inclusiva, social e ambientalmente justa, um Brasil soberano que tenha a educação, a ciência, a tecnologia e a inovação como alicerces.”

Encerramento

Luís Fernandes, secretário executivo do MCTI

O final da cerimônia foi marcado pelas palavras do secretário executivo do MCTI, Luís Fernandes, representando a ministra de C,T&I, Luciana Santos. Ele relatou que foi instituído um programa emergencial custeado pelo FNDCT para recuperar o sistema estadual de ciência e tecnologia do Rio Grande do Sul, em parceria com o governo local.

“Estamos aqui para celebrar a ciência, mas não podemos esquecer das ameaças tão recentes ao nosso sistema de CT&I e da resistência incisiva e contínua da comunidade científica, por meio das instituições aqui representadas”, recordou. Aos presentes, Fernandes reiterou: “é necessário um compromisso permanente em fazer a defesa da ciência e da democracia.”

A Sessão Solene ABC/CNPq 2024 foi encerrada com um coquetel no Salão Nobre da Escola Naval, oferecido pela Fundação Conrado Wessel.

 

 

 


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