A crise climática: ciência, evidências e o ponto de inflexão do planeta

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No âmbito do evento “Um chamado científico para a COP30: Academias Unidas Pela Ação Climática”, promovido pela Academia Brasileira de Ciências e pela Rede InterAmericana de Academias de CIência (Ianas) em Manaus, foi realizada na tarde de 21 de outubro uma sessão temática que reuniu quatro especialistas: um engenheiro e uma oceanógrafa brasileiros, uma bióloga boliviana e um especialista chinês em eventos extremos.

Mapear para empoderar

O engenheiro florestal e empreendedor social Tasso Azevedo, referência internacional nas áreas de florestas, clima e sustentabilidade, apresentou uma análise profunda sobre a relação entre o uso da terra e as mudanças climáticas. Coordenador-geral da Rede MapBiomas e pesquisador associado da Universidade de Princeton, Azevedo já foi fundador e diretor-geral do Imaflora, dirigiu o Serviço Florestal Brasileiro, idealizou o Fundo Amazônia e criou o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil (SEEG).

Azevedo destacou que, embora o Brasil seja o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, sua principal fonte de emissões é o uso da terra, diferentemente das grandes potências industriais, que emitem pela queima de combustíveis fósseis. “Isso nos dá uma noção de urgência para entender o que acontece com a terra, se quisermos compreender não apenas as emissões, mas o que as causa”, afirmou.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral da Rede MapBiomas

Foi dessa constatação que nasceu o MapBiomas, uma rede de universidades, ONGs e startups voltada ao monitoramento do uso e cobertura do solo. “A ideia era usar sensoriamento remoto, aprendizado de máquina e inteligência artificial para construir séries históricas que mostrassem como a terra muda ao longo do tempo”, explicou.

Com imagens de satélite desde 1985, o sistema divide o Brasil em pixels de 30×30 metros e conta a “história” de cada um deles: florestas, pastagens, agricultura, áreas urbanas, mineração e outros usos. “Hoje temos 30 classes e 40 anos de dados, com precisão próxima de 90% — muito acima da média global”, observou Azevedo. Os resultados são disponibilizados em uma plataforma aberta, que permite visualizar e comparar qualquer área do país — de um município a uma propriedade rural. “Em Paragominas, por exemplo, é possível ver onde uma área que era floresta em 1985 virou pasto em 1993 e soja em 2013”, exemplificou.

O banco de dados cobre 7 milhões de imóveis rurais e permite cruzar informações com outros sistemas. Entre 1985 e 2024, o Brasil perdeu 100 milhões de hectares de vegetação nativa, sendo 62,8 milhões de florestas densas e 37,4 milhões de formações abertas, como o Cerrado, enquanto ganhou 62 milhões de hectares de pastagens e 44 milhões de agricultura. 

Segundo o engenheiro, apenas três estados brasileiros — Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo — aumentaram a cobertura vegetal desde 2000, provavelmente em razão da Lei da Mata Atlântica. Ele também destacou avanços inéditos: o MapBiomas passou a diferenciar desmatamento em vegetação primária e secundária, revelando que 1 milhão de hectares de vegetação secundária foi desmatado apenas em 2023.

Por outro lado, o país registra 34 milhões de hectares de regeneração natural, superando em quase três vezes a meta nacional de restauração florestal. “A natureza está se regenerando sozinha. Se quisermos uma política eficaz de restauração, precisamos parar o desmatamento da vegetação secundária. Plantar é importante, mas conservar é ainda mais”, destacou Azevedo.

Outro avanço foi o mapeamento mensal da superfície de água desde 1985. O levantamento mostra que 75% da água superficial de São Paulo é artificial, formada por reservatórios e hidrelétricas, enquanto na Amazônia predomina a água natural. Nas bordas do desmatamento, o surgimento de milhares de represas rurais vem alterando o ciclo das chuvas. “Em 2024, a Amazônia apresentou comportamento anômalo: começou o ano com excesso de água e terminou com colapso hídrico — um reflexo direto das mudanças climáticas”, afirmou.

O projeto também monitora incêndios florestais e revelou um dado alarmante: 24% do território brasileiro queimou ao menos uma vez nos últimos 40 anos, a maior proporção entre todos os países.

Todo o código, metodologia e base de dados do MapBiomas são abertos e gratuitos. A ferramenta já foi usada em mais de 4 mil artigos científicos, inspirou redes em toda a América do Sul e vem sendo replicada em países como Indonésia, México, Índia e Grécia, com planos de expansão para o Congo, América Central e Sudeste Asiático.

“A ideia é capacitar os países do Sul Global para produzirem seus próprios mapas e controlarem seu destino com base em suas realidades territoriais”, explicou o engenheiro. “Mapas significam poder — e os verdadeiros poderosos não são os que têm os mapas, mas os que os produzem.”

Com essa visão, Tasso Azevedo encerrou sua fala lembrando que compreender o uso da terra é essencial para compreender o futuro do planeta. “O conhecimento sobre o território é o primeiro passo para uma economia de baixo carbono e para a sobrevivência das florestas tropicais.”

Mudanças climáticas ameaçam biodiversidade e populações amazônicas

A bióloga boliviana Mónica Moraes R., Ph.D., professora da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA) e especialista em palmeiras nativas da Bolívia, fez um forte alerta sobre os impactos das mudanças climáticas na biodiversidade e nas populações humanas, com foco especial na Amazônia. Membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e da Academia Nacional de Ciências da Bolívia, da qual é a primeira mulher presidente, Moraes também integra o Painel Científico para a Amazônia (SPA) e o Grupo Consultivo Científico Multidisciplinar do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Segundo a cientista, as mudanças climáticas estão causando perda e fragmentação de habitats, alteração de ciclos naturais e aumento de eventos climáticos extremos como incêndios e secas. “Esses processos forçam espécies a migrar ou desaparecer, já que muitas não conseguem se adaptar ao aumento das temperaturas e à acidificação dos oceanos”, explica Moraes.

A bióloga Mónica Moraes, presidente da Academia Nacional de Ciências da Bolívia

Ela observa que 59% das áreas vegetadas do planeta já mostram queda nas taxas de crescimento devido à redução da umidade atmosférica. O deslocamento de plantas e animais em busca de condições climáticas mais amenas está reconfigurando ecossistemas e criando novas formas de competição entre espécies.

Os ciclos de vida também estão sendo afetados: mudanças de temperatura e regime de chuvas estão dessincronizando períodos de floração, migração e reprodução, gerando descompassos entre a reprodução das espécies e a disponibilidade de alimento. “O aquecimento global está alterando a composição das espécies polinizadas por insetos, e isso ameaça a estabilidade dos ecossistemas”, alerta.

Moraes destaca que o clima extremo está intensificando incêndios florestais, secas e tempestades, destruindo habitats e causando mortalidade em massa. A floresta amazônica, historicamente resistente ao fogo, enfrenta agora um cenário alarmante: a seca de 2023/2024 — a mais severa já registrada — combinada à fragmentação florestal, provocou um aumento de 52% nas perturbações florestais, atingindo 6,64 milhões de hectares, o maior nível em 20 anos.

Outro risco crescente é o avanço de doenças e espécies invasoras, favorecido pela mudança na distribuição de plantas e animais. “A remoção das barreiras climáticas facilita a expansão de espécies exóticas e a disseminação de patógenos que podem afetar humanos e fauna nativa”, explica.

Para a pesquisadora, os impactos climáticos vão muito além da natureza – atingem as pessoas e as economias.  As emissões humanas de gases de efeito estufa, principais responsáveis pelo aquecimento global, estão provocando ondas de calor intensas, enchentes, incêndios, furacões mais fortes, degradação do solo e disseminação de doenças, atingindo de forma desproporcional as populações mais vulneráveis. “As mudanças climáticas não são apenas um problema ambiental, mas também social e econômico”, enfatiza.

Um exemplo claro vem do norte da Bolívia, onde a seca prolongada afetou a produção de açaí numa determinada região. Entre 2020 e 2023, a falta de chuvas impediu o amadurecimento dos frutos, fazendo com que as palmeiras sofressem com a escassez de água. “Os frutos caíram prematuramente, e a colheita caiu cerca de 30%, reduzindo drasticamente a renda das famílias locais”, relata Moraes.

Em 2024, com a retomada das chuvas, o cenário se inverteu: a produção superou 132 toneladas de polpa, um recorde histórico. Ainda assim, a pesquisadora alerta que as variações climáticas extremas estão se tornando cada vez mais frequentes, comprometendo a previsibilidade e a segurança alimentar das comunidades.

De acordo com Moraes, as regiões amazônicas do Peru e da Bolívia podem ser as primeiras a atingir um ponto ecológico de não retorno. O colapso dos chamados “rios voadores”, que transportam umidade do leste ao oeste da floresta, ameaça interromper o ciclo hidrológico da região. “Se as florestas do leste brasileiro forem destruídas, a água não chegará ao oeste amazônico, próximo aos Andes. Tudo está interligado”, explica.

Estudos recentes indicam que, até 2050, a Amazônia pode perder sua capacidade de regeneração natural, com entre 10% e 47% de suas florestas transformadas em savanas secas, segundo a pesquisa Critical Transitions in the Amazon Forest System.

Mónica Moraes conclui com um apelo pela ação científica e política. Para ela, é urgente proteger os ecossistemas amazônicos, investir em pesquisa de longo prazo e fortalecer a cooperação internacional. A ciência, reforça, deve continuar sendo o principal guia para políticas públicas que garantam a sobrevivência da biodiversidade e o futuro das comunidades humanas dependentes dela. “Espero que ainda não seja tarde demais.”

Oceano em alerta: aquecimento recorde, colapso climático e ameaça à Amazônia

A oceanógrafa Regina Rodrigues, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das autoras do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), apresentou um panorama contundente sobre o papel dos oceanos na crise climática global. Pesquisadora reconhecida internacionalmente, Regina é copresidente da iniciativa My Climate Risk”, do World Climate Research Programme (WCRP), integra o CLIVAR Atlantic Region Panel e o grupo de pesquisa em Ondas de Calor Marinhas. No Brasil, faz parte do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e coordena a subseção de Desastres Climáticos da Rede CLIMA.

Segundo a cientista, os oceanos absorvem 89% do excesso de calor e um terço das emissões de CO₂ causadas pelas atividades humanas. “O oceano presta um grande serviço à humanidade, mas paga um preço altíssimo por isso”, afirmou. O resultado desse desequilíbrio é o aquecimento acelerado das águas, que gera menos oxigênio, reduz a disponibilidade de nutrientes e diminui a produtividade primária, base da cadeia alimentar marinha e responsável por cerca de 50% do oxigênio que respiramos.

A oceanógrafa Regina Rodrigues, professora da UFSC e membro do IPCC

Além disso, o aumento do CO₂ causa acidificação dos oceanos, afetando diretamente a sobrevivência, o crescimento e o desenvolvimento de inúmeras espécies. “O aquecimento combinado com a desoxigenação e a acidificação altera toda a estrutura das comunidades marinhas”, explicou Regina. Essa transformação já vem acompanhada de queda na biodiversidade, intensificada por outros fatores como poluição plástica e pesca excessiva.

As chamadas ondas de calor marinhas — períodos em que as temperaturas da água sobem de forma extrema — estão se tornando mais intensas e duradouras, tanto na superfície quanto em profundidade. Esses eventos costumam ocorrer em conjunto com outros, formando “eventos compostos” de calor, acidez e baixa produtividade biológica.

No Atlântico Sul Tropical, a frequência desses fenômenos aumentou drasticamente nas últimas duas décadas, reduzindo a capacidade de recuperação dos ecossistemas marinhos. Um estudo citado por Regina estima que apenas um evento de onda de calor marinha pode causar prejuízos superiores a US$ 800 milhões em perdas diretas, e mais de US$ 3 bilhões em perdas indiretas de serviços ecossistêmicos.

Os impactos também se estendem aos recifes de corais, com registros de branqueamento severo e mortalidade em massa. “As águas quentes afetaram especialmente os corais do Oceano Índico e do Indo-Pacífico”, destacou. Embora o Nordeste brasileiro seja considerado mais resiliente, a região vem apresentando episódios de branqueamento desde 2020.

A pesquisadora comentou o recente relatório Global Tipping Points 2025, elaborado por 160 cientistas de 23 países, que alerta para a iminência de múltiplos pontos de inflexão climática — entre eles, o colapso das correntes oceânicas, o derretimento das calotas polares e a degradação da Amazônia. “O foco costuma estar na floresta amazônica, mas o ponto de inflexão mais próximo pode estar nos oceanos tropicais, nas zonas de águas quentes”, alertou Regina, citando artigo publicado no The Guardian sobre o relatório. O documento afirma que o primeiro ponto de inflexão catastrófico já foi atingido, com os recifes de coral enfrentando colapso global caso o aquecimento não seja limitado a 1,2–2 °C.

Segundo Regina, esses pontos de inflexão estão interligados: oceano, Amazônia e corais formam um mesmo sistema. O colapso da Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC) — o complexo sistema de correntes que distribui calor entre o Atlântico Sul e o Norte — poderia acumular calor nos trópicos, aumentando as ondas de calor marinhas e o branqueamento de corais.

Essa alteração teria efeitos diretos sobre o regime de chuvas da Amazônia, já que a temperatura do Atlântico Tropical controla a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que leva precipitação à região. Uma desaceleração da AMOC, explicou a oceanógrafa, poderia aquecer o Atlântico Sul Tropical e reduzir as chuvas no norte da Amazônia, acelerando a transição da floresta para um estado de savana.

Projeções de modelos climáticos apresentadas por Regina mostram que o colapso da AMOC traria um alívio térmico temporário de até 2 °C, mas agravaria a seca na Amazônia setentrional, a parte mais intocada e vulnerável da floresta. Dados paleoclimáticos reforçam essa hipótese: períodos de enfraquecimento da AMOC no passado estão associados a perdas de cobertura florestal e mudanças negativas no regime ecológico da Amazônia. “O colapso pode adiar em cerca de dez anos a transição da floresta para a savana, mas não evitará o processo, dadas as atuais taxas de aquecimento global”, alertou. Segundo ela, compreender as mudanças no oceano é fundamental para entender o futuro da Amazônia.

A cientista também ressaltou que a fase de ultrapassagem das metas climáticas — o período em que a temperatura global continuará subindo mesmo após o corte total das emissões — pode ser tão perigosa quanto o próprio aquecimento acima de 3 °C. “Muitos pontos de inflexão podem ser cruzados nessa fase transitória, incluindo o da floresta amazônica”, advertiu.

Regina Rodrigues enfatizou que o oceano está no centro da crise climática. Apesar de ter absorvido 90% do calor e cerca de 30% do CO₂ gerados desde a Revolução Industrial, pesquisas recentes indicam que a capacidade de sequestro térmico e de carbono dos mares está enfraquecendo. Entre 2023 e 2024, foi registrado um salto de temperatura oceânica sem precedentes, acompanhado de queda na absorção de carbono, sinal de que o sistema está se aproximando de seus limites. “Precisamos de oceanos saudáveis para preservar não apenas a vida marinha, mas também os ecossistemas terrestres”, resumiu.

Ela defendeu investimentos urgentes em pesquisa e monitoramento oceânico, cujos orçamentos vêm sendo cortados globalmente desde a crise financeira de 2008. “O destino da Amazônia, dos corais e do clima global está profundamente conectado ao estado dos oceanos. Entender o mar é entender o futuro do planeta.”

A mudança no padrão de riscos de inundações urbanas sob o impacto das mudanças climáticas

O agravamento das mudanças climáticas está transformando completamente a forma como as cidades enfrentam as inundações urbanas. Essa foi a mensagem central da apresentação do professor Liu Baoyin, dos Institutos de Ciência e Desenvolvimento da Academia Chinesa de Ciências, durante conferência sobre riscos ambientais.

Doutor em Avaliação de Risco de Múltiplos Perigos pela Universidade de Leeds (Reino Unido), Liu tem se dedicado a estudar a avaliação e gestão de riscos de desastres sob a ótica do desenvolvimento regional sustentável. Seu trabalho aborda três dimensões principais: a simulação de cenários complexos de risco, a coordenação entre múltiplos atores na regulação de riscos compostos e as políticas públicas voltadas a sociedades resilientes.

O professor Liu Baoyin, dos Institutos de Ciência e Desenvolvimento da Academia Chinesa de Ciências

Segundo o pesquisador, as mudanças climáticas alteraram radicalmente a dinâmica das precipitações e, com isso, os padrões de risco. “A intensidade e a frequência das chuvas têm mudado constantemente. Isso pode transformar toda essa área de pesquisa”, afirmou Liu, que há 20 anos se dedica ao tema. Ele usou a China como exemplo recente:“Pequim foi atingida por chuvas muito fortes nas últimas semanas. Não me lembro de ter visto algo assim. Os métodos tradicionais, baseados em dados históricos, tornaram-se inadequados, porque as condições climáticas mudaram. Já não podemos prever o futuro com base no passado”, explicou.

O grupo de Liu analisou registros de inundações urbanas nas últimas duas décadas e observou uma mudança drástica na distribuição dos riscos. Nos primeiros dez anos do século XXI, as inundações eram mais frequentes em países de baixa e média renda. Já após 2010, com o aumento dos eventos climáticos extremos, o problema se globalizou — e as ocorrências passaram a ser mais numerosas até em países de alta renda.

Para compreender o fenômeno, os pesquisadores coletaram dados de 138 capitais e criaram dois cenários de simulação: um de chuvas com período de retorno de 10 anos (normais); e outro com chuvas com período de retorno de 100 anos (extremas). Nos eventos de chuva regular, as cidades de baixa e média renda apresentaram uma taxa média de inundação de 10, contra 2,9 nas cidades ricas — evidenciando uma forte relação entre nível econômico e vulnerabilidade. Porém, nas chuvas extremas (100 anos), a diferença desaparece: as taxas de inundação sobem para 7 nas cidades ricas e 10 nas mais pobres.

“Quando a precipitação é extrema, o crescimento econômico deixa de reduzir o risco de inundação”, afirmou Liu. Assim, todos os países, independentemente de sua renda, enfrentam situações semelhantes diante de chuvas de alta intensidade.

Pensando em soluções, o estudo avaliou três elementos determinantes para o futuro das cidades frente ao aumento das chuvas. A infraestrutura cinza (tecnologia e redes de drenagem); a infraestrutura verde (espaços naturais e permeáveis); e o relevo (elevação e inclinação do terreno).

Os resultados mostraram que a infraestrutura cinza depende fortemente do nível econômico. Em países ricos, a densidade das redes de drenagem é até 14 vezes maior que nas nações mais pobres.Contudo, essa estrutura é eficaz apenas até o limite de 200 mm de chuva por dia. “Quando a precipitação ultrapassa esse valor, as tecnologias se tornam inúteis”, destacou.

Já os espaços verdes, embora não guardem relação direta com a renda, ganham importância conforme a chuva aumenta. Acima de 200 mm por dia, tornam-se o principal fator de drenagem natural e controle de enchentes. O relevo, por sua vez, mostra efeito oposto: quanto mais acentuada a inclinação do terreno, menor o risco de inundação durante chuvas fortes. Esse fator é particularmente relevante em cidades de países de renda média e baixa.

O cruzamento dos dados indica que, nas chuvas moderadas, as infraestruturas cinzas são determinantes — mas em eventos extremos, perdem eficácia e a natureza assume papel protagonista. “Espaços verdes e o uso inteligente da topografia podem ser as chaves para aumentar a resiliência urbana”, resumiu Liu.

O pesquisador concluiu que os países desenvolvidos enfrentam um dilema: atualizar sistemas de drenagem envelhecidos exige investimentos altíssimos, enquanto soluções baseadas na natureza oferecem alternativas mais sustentáveis e de menor custo. “As soluções baseadas na natureza — como aproveitar o relevo e ampliar áreas verdes — podem ser a melhor estratégia para fortalecer a capacidade global de resistência às inundações urbanas”, avaliou. A natureza, portanto, tem que ser tratada como aliada e não como inimiga.

Resumo e conclusões

Em conjunto, as apresentações reforçaram que os sistemas terrestre, oceânico e urbano estão interligados, e que compreender essas conexões é decisivo para evitar pontos de inflexão climática. A mensagem comum foi clara: a ação climática deve ser orientada pela ciência, pela cooperação entre nações e pelo compromisso ético com a justiça social e ambiental, pilares indispensáveis para a sustentabilidade do planeta e para o futuro das próximas gerações.


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