Fronteiras globais do clima: cooperação científica internacional por um futuro sustentável

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Entre os dias 20 e 22 de outubro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (IANAS) organizaram o evento satélite “Um Chamado Científico para a COP30: Academias de Ciências Unidas pela Ação Climática”, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM).

A mesa-redonda realizada no dia 21 de outubro, intitulada “Fronteiras globais do clima: cooperação científica internacional por um futuro sustentável“, foi coordenada pela presidente da ABC, Helena B. Nader, e contou com participantes da Austrália, Estados Unidos, França, Portugal e Senegal.

A presidente da ABC, Helena B. Nader, coordenadora da mesa-redonda | Foto: Erikson Fernandes

Ianas: Iniciativa Amazônia 

A antropóloga norte-americana Karen B. Strier representou a Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas), da qual é copresidente com Helena Bonciani Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e vice-presidente da Academia Mundial de Ciências (TWAS) para a América Latina e o Caribe. Strier é professora de antropologia na Universidade de Wisconsin–Madison (EUA), sendo uma autoridade internacional sobre o muriqui-do-norte, espécie ameaçada de extinção, que estuda na Mata Atlântica brasileira desde 1982. É membro da Academia Nacional de Ciências dos EUA (NAS) e membro correspondente da ABC.

Strier destacou que a Ianas, criada em 2004, reúne 23 academias nacionais e tem como missão fortalecer as comunidades científicas das Américas e oferecer assessoria independente em políticas públicas voltadas a desafios científicos, tecnológicos e de saúde. Segundo ela, as academias de ciências, por sua credibilidade e autonomia em relação aos governos, exercem papel essencial na promoção de educação científica de qualidade e na articulação de soluções conjuntas para problemas regionais. As redes, observou, são instrumentos poderosos para compartilhar informações, boas práticas e ideias inovadoras entre diferentes países.

Karen Strier, membra correspondente da ABC e copresidente da IANAS | Foto: Erikson Fernandes

Entre os programas do Ianas, Strier destacou a Iniciativa Amazônia, que busca promover o conhecimento científico sobre a maior floresta tropical do planeta — 8,5 milhões de km², dos quais 5,5 milhões são cobertos por floresta. A região abrange oito países e o território da Guiana Francesa, e é reconhecida por sua megadiversidade, abrigando, por exemplo, cerca de 20% de todas as espécies de primatas do mundo.

A iniciativa conta com a cooperação do Painel Científico para a Amazônia (SPA) e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), reforçando o papel da IANAS como articulador da ciência nas Américas. A rede atua no apoio ao desenvolvimento sustentável e equitativo, na integração de pesquisadores de todos os níveis e na colaboração com governos e organizações não governamentais para a implementação efetiva de políticas em ciência e tecnologia.

A natureza pode ser a solução para a crise climática

A ecóloga Cristina Branquinho representou a Academia de Ciências de Portugal. Ela é professora na Universidade de Lisboa, onde lidera o grupo de Ecologia de Sistemas, cujas pesquisas estão focadas em compreender os padrões ecológicos em resposta a mudanças ambientais, como poluição do ar, mudanças climáticas e eutrofização.

Em sua fala, ela destacou a interdependência entre as crises climática e de biodiversidade, defendendo uma educação holística e cooperação científica internacional como pilares para uma ação global baseada em evidências.

A ecóloga Cristina Branquinho, representando a Academia de Ciências de Portugal | Foto: Erikson Fernandes

Branquinho alertou que o planeta enfrenta uma crise climática acelerada e uma crise de biodiversidade silenciosa, mas devastadora, ambas redesenhando ecossistemas, desestabilizando economias e ameaçando sociedades em escala global. “As mudanças climáticas aceleram a perda de biodiversidade, e esta enfraquece os sistemas que regulam o clima”, afirmou. Por isso, considera essencial que a COP30 na Amazônia seja um espaço de transparência, cooperação e protagonismo da ciência.

Citando exemplos de diferentes regiões, a pesquisadora lembrou que florestas tropicais, savanas africanas, o Mediterrâneo e a tundra do Ártico enfrentam eventos climáticos extremos — secas, enchentes, incêndios e ondas de calor — em ritmo sem precedentes. A Europa, observou, é o continente que mais rapidamente se aquece, com Portugal e Espanha situados na “fronteira da instabilidade climática”. Nos últimos dois anos, registraram-se enchentes catastróficas na Espanha, que deixaram 200 mortos em 2024, e os maiores incêndios da história em 2025, queimando 380 mil hectares na Espanha e 250 mil em Portugal.

Branquinho também destacou o impacto social dessas mudanças, especialmente entre povos indígenas e comunidades locais, cuja subsistência depende de recursos naturais. Na Amazônia, observou, o colapso climático força mudanças nos hábitos alimentares, substituindo peixe e mandioca por ultraprocessados, o que compromete a saúde, a cultura e a resiliência ecológica. Para ela, as crises climática e de biodiversidade são também crises de saúde, alimento e cultura, e a proteção dos ecossistemas deve caminhar junto com a proteção dos modos de vida que os sustentam.

A ecóloga ressaltou que ecossistemas outrora sumidouros de carbono estão se tornando fontes de gases de efeito estufa, e lembrou a vulnerabilidade da Caatinga brasileira, ainda pouco estudada. Explicou que indicadores ecológicos baseados na diversidade de plantas permitem antecipar sinais de perda de resiliência antes que os impactos se tornem visíveis. Situações semelhantes de desertificação e degradação ecológica são observadas na África e no Mediterrâneo, mostrando o poder da ciência em construir pontes entre países por meio do compartilhamento de ferramentas de adaptação e resiliência.

Branquinho citou um exemplo brasileiro: uma pesquisa associada à transposição do rio São Francisco identificou plantas altamente resistentes a condições extremas e mostrou como o conhecimento científico pode orientar populações na gestão adaptativa e na recuperação de serviços ecossistêmicos. “A natureza não é apenas vítima das mudanças climáticas, é nossa maior aliada para enfrentá-las”, afirmou, lembrando que ecossistemas saudáveis absorvem 54% dos gases de efeito estufa produzidos pelo homem e amortecem eventos climáticos extremos.

Ela destacou o papel de florestas, manguezais e zonas úmidas na regulação climática e na proteção de comunidades costeiras e urbanas, reforçando que investir na natureza não substitui a descarbonização, mas é condição para a resiliência climática. Defendeu que carbono e biodiversidade sejam tratados como bens comuns globais, com mecanismos financeiros equitativos e cooperação internacional.

Branquinho sublinhou a necessidade de uma ciência interdisciplinar, que una ciências naturais, sociais e saberes locais, rompendo fronteiras disciplinares. Na Universidade de Lisboa, coordena o doutorado em Ciência da Sustentabilidade, que integra 18 escolas da instituição e promove colaboração entre áreas como direito, medicina, economia e ecologia. Em 2025, a universidade lançará também um doutorado em Saúde Planetária (One Health), voltado à formação de profissionais capazes de pensar de forma integrada o bem-estar humano e ambiental.

A cientista destacou ainda a importância dos estudos ecológicos de longo prazo, muitas vezes negligenciados por falta de financiamento, mas essenciais para detectar mudanças graduais nos ecossistemas. Defendeu o compartilhamento internacional de dados e sistemas de monitoramento, além da mobilidade científica e da integração de saberes indígenas.

Encerrando, Branquinho afirmou que a ciência deve estar no centro da COP30, por oferecer as evidências que orientam decisões, as ferramentas que antecipam riscos e o conhecimento que constrói resiliência. Para ela, a diplomacia científica é crucial para conectar regiões, construir confiança e criar uma linguagem comum de cooperação, assegurando que o conhecimento científico permaneça rigoroso, transparente e a serviço das pessoas e do planeta.

Fortalecer a liderança científica do Brasil na Amazônia

O ecólogo francês Jerome Chave, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e vice-diretor do Laboratório de Evolução e Biodiversidade (EDB) em Toulouse, destacou em sua fala a importância da cooperação científica entre França e Brasil, especialmente envolvendo a Guiana Francesa, que integra a bacia amazônica. Membro da Academia de Ciências da França, Chave é referência em ecologia comunitária e evolutiva, coordena a iniciativa GEO-TREES e dirige a Estação de Pesquisa Ecológica de Nouragues, na Guiana Francesa.

Chave ressaltou os laços históricos entre a Academia Francesa de Ciências e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), elogiando a realização da COP30 em Belém, que, segundo ele, “ocorrerá onde realmente importa”. Comparando com a COP21, realizada em Paris em 2015, observou que, apesar do sucesso do Acordo de Paris, o mundo enfrenta hoje desafios macroeconômicos, sociais e políticos ainda maiores. “Vivemos em um mundo diferente daquele de dez anos atrás”, afirmou, questionando o que a ciência pode fazer diante desse cenário.

O ecólogo Jerome Chave, representando a Academia de Ciências da França | Foto: Erikson Fernandes

Chave enfatizou o papel da curiosidade como motor da ciência, citando seu próprio interesse em questões ainda sem resposta, como o número real de espécies de árvores na Amazônia — estimado entre 6 mil e 15 mil — e o balanço de carbono dos ecossistemas tropicais. Ele lembrou que muito do que se sabe vem de décadas de trabalho de cientistas do INPA e de instituições estrangeiras. Também destacou a importância de compreender as causas evolutivas da biodiversidade amazônica, mencionando avanços recentes que mostram que a floresta tropical amazônica é relativamente recente, surgida após a extinção dos dinossauros. Para Chave, essas descobertas reforçam a necessidade de investimentos em pesquisas ecológicas de longo prazo, que “não podem ser decididas por políticos da noite para o dia”.

O ecólogo advertiu que os cientistas devem evitar exagerar conquistas ou ameaças. Para ele, mudanças lentas e contínuas podem ser mais perigosas que eventos abruptos, embora sejam mais difíceis de comunicar ao público e aos políticos. “Precisamos evitar que as mensagens sobre pontos de não retorno pareçam desesperançosas”, alertou.

Chave defendeu uma liderança científica forte na Amazônia, afirmando que o Brasil é o candidato natural para exercê-la, e declarou que a Academia Francesa está disposta a seguir essa liderança. Ele propôs estreitar as relações científicas entre o Brasil e a Guiana Francesa, reforçando que a COP30 deve ser também um grande evento científico e político.

Encerrando sua fala, Chave deixou uma mensagem inspiradora: “A ciência deve ser guiada pela curiosidade e não pelo medo. Só assim conseguiremos engajar novas gerações nesse fascinante empreendimento que nos torna pessoas melhores.”

Fortalecer a ligação entre agricultura e nutrição é essencial

O médico Mohamadou Guelaye Sall, especialista da União Africana em Nutrição e membro da Academia Nacional de Ciências e Tecnologias do Senegal, apresentou uma análise sobre os impactos das mudanças climáticas em seu país, com ênfase na agricultura e na nutrição. Formado pelas universidades de Dacar, La Sapienza e Califórnia em San Diego, Sall destacou que o aquecimento global está transformando profundamente os modos de vida no país e agravando problemas de alimentação, saúde e renda.

Entre os principais desafios, apontou a degradação do solo e a desertificação, que resultam na perda da camada fértil e da vegetação, além da expansão das zonas áridas, aumento da salinidade e do desmatamento. A pecuária e a pesca também estão sob pressão: a escassez de água e a redução das pastagens prejudicam os rebanhos, enquanto o aquecimento dos oceanos e a sobrepesca ameaçam os estoques pesqueiros, comprometendo o consumo de proteínas e a economia rural. As inundações contaminam fontes de água potável, elevando os casos de doenças diarreicas e transmitidas por vetores, o que sobrecarrega o sistema de saúde.

O médico Mohamadou Guelaye Sall representando a Academia Nacional de Ciências e Tecnologias do Senegal | Foto: Erikson Fernandes

Sall chamou atenção ainda para a má nutrição, marcada por baixa diversidade alimentar, sobretudo entre crianças e mulheres, e pela persistência de anemia, nanismo e deficiências de micronutrientes. Os choques climáticos, segundo ele, agravam o ciclo entre doença e desnutrição.

O governo senegalês vem implementando medidas como o Plano Nacional de Adaptação (NAP) e a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que incentivam a agricultura inteligente em relação ao clima, o reflorestamento e projetos de irrigação sustentável. Paralelamente, comunidades e centros de pesquisa, como o Instituto Senegalês de Pesquisas Agricolas (ISRA) e a Universidade Sheikh Anta Diop (UCAD), desenvolvem iniciativas de cultivo de espécies resistentes à seca, agroecologia e apoiam cooperativas femininas voltadas ao processamento e à comercialização de alimentos.

Para enfrentar os desafios, Sall defende a expansão da irrigação e da captação de água, o estímulo à agrossilvicultura e à restauração do solo, além do fortalecimento dos sistemas alimentares locais e do financiamento à pesquisa científica. Ele concluiu que as mudanças climáticas representam um desafio simultaneamente ambiental e de saúde pública, e que fortalecer a ligação entre agricultura e nutrição é essencial. “Um Senegal resiliente e bem nutrido depende de ação coletiva, integração da adaptação climática às políticas de nutrição, engajamento da juventude na agricultura verde e cooperação internacional voltada à resiliência climática”, concluiu o palestrante.

Cooperação científica internacional para um futuro sustentável

O ecólogo Stuart Bunn, membro da Academia Australiana de Ciências (AAS) e professor emérito do Instituto Australiano de Rios da Universidade Griffith, em Brisbane, destacou em sua fala três eixos fundamentais para o avanço da ciência global: cooperação científica internacional, diplomacia científica e interação entre ciência e políticas públicas.

Bunn ressaltou que a AAS tem longa tradição de participação em programas internacionais sobre mudanças globais desde a década de 1980, incluindo o World Climate Research Programme (1980), o International Geosphere-Biosphere Programme (1987), o Diversitas (1991), o International Human Dimensions Programme (1996), o Earth System Science Partnership (2001), o Future Earth (2013) e a Earth Commission (2015), a qual integra.

O ecólogo Stuart Bunn representando a Academia de Ciências da Austrália | Foto: Erikson Fernandes

A Earth Commission, iniciativa interdisciplinar vinculada ao Future Earth Global, reúne mais de 80 cientistas naturais e sociais de mais de 20 nacionalidades. Ela atua como base científica da Global Commons Alliance, definindo limites seguros e justos para um planeta resiliente, além de propor caminhos de transformação e métodos de aplicação prática. O grupo organizará dois eventos paralelos durante a COP30.

O palestrante também destacou a cooperação entre Brasil e Austrália, que envolve 88 instituições e mais de 200 cientistas, com intercâmbio de estudantes, supervisões conjuntas, oficinas e encontros em ambos os países, embora ainda enfrente limitações de financiamento para programas de mobilidade internacional.

A AAS defende investimentos estáveis e de longo prazo em ciência, com modelos de financiamento que incentivem a colaboração internacional e o fortalecimento da infraestrutura climática. O Plano Decenal para as Ciências do Sistema Terrestre da Austrália (2024–2033) recomenda a criação de um sistema integrado e padronizado de dados de observação, capaz de coordenar esforços internacionais e suprir lacunas globais de pesquisa.

Bunn destacou ainda a diplomacia científica como um instrumento geopolítico estratégico, mas observou que as iniciativas ainda são dispersas e carecem de maior coordenação entre governos, universidades, instituições de pesquisa e canais diplomáticos. Segundo ele, é necessário equilibrar a segurança nacional com a abertura científica, garantindo que a liberdade de pesquisa não seja restringida de forma excessiva.

Concluindo, afirmou que a Academia Australiana de Ciências está empenhada em reforçar parcerias com governos e com o setor produtivo, promovendo uma atuação mais integrada entre ciência, política e sociedade.

Resumo e conclusões

A mesa-redonda reafirmou o papel essencial da ciência e da cooperação internacional na busca de soluções para a crise climática global. As apresentações mostraram que o enfrentamento da emergência ambiental depende de alianças entre países, integração de saberes e investimentos consistentes em pesquisa, com especial atenção à Amazônia, epicentro das transformações climáticas e da biodiversidade planetária.

Os participantes convergiram em torno de uma mensagem clara: a natureza e a ciência devem caminhar juntas. A mesa ressaltou que a cooperação científica é o instrumento mais poderoso para enfrentar a crise climática com justiça e sustentabilidade. Integrar ciência, sociedade e governança — da escala local à global — é o caminho para garantir que o conhecimento produzido hoje seja capaz de proteger o planeta e orientar decisões políticas eficazes nas próximas décadas.


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(Elisa Oswaldo Cruz para ABC com IA | Fotos: Erikson Fernandes)